A decisão da Fed à “lupa” dos profissionais nacionais

lupa
Images_of_Money, Flickr, Creative Commons

Embora bem longe dos EUA, os profissionais da indústria financeira do mercado nacional estiveram certamente mais do que atentos às palavras de Janet Yellen, esta quarta-feira. As expectativas, tal como aconteceu com as entidades internacionais, cumpriram-se, com o anúncio de uma subida das taxas de juro em 25 pontos base, para um intervalo entre os 0,25% e os 0,50%.

A previsibilidade foi máxima e os profissionais ouvidos pela Funds People mostraram-se por isso pouco surpresos quanto à decisão deste Banco Central. Chegam até, como é o caso de Ricardo Silva, da CA Gest, a referir que esta alteração não tem grande significado per si, embora “abra a porta a novas subidas ao longo do ano de 2016, a confirmar-se a atual resiliência da economia norte-americana”. Também pouco surpreendido, Rui Bárbara, gestor de ativos do Banco Carregosa, indica mesmo que a decisão “estava de tal forma descontada pelos mercados” que duvida “que alguma classe de ativos possa sofrer algum impacto”.

Num olhar sobre a reação dos mercados, o profissional da CA Gest revela que esta quinta-feira o sentimento foi positivo, “quer nos mercados acionistas, que apreciaram o tom “dovish” do discurso da presidente Janet Yellen, quer dos mercados obrigacionistas, que agradeceram a moderação do “statement” no qual não se antevê um ritmo agressivo de subidas”. Leonardo Espírito Santo, da Banif Gestão de Activos, acrescenta a esta enumeração os ativos de risco, que considera terem recebido bem a decisão da Fed e a comunicação de Janet Yellen. “Embora este fosse o cenário mais descontado pelos investidores, haveria o risco da Fed adiar a subida ou subir com um discurso demasiado agressivo. Como nenhum desses riscos se materializou, as acções recuperaram algum terreno perdido, assim como o Dólar”, explica da Banif GA.

Impacto nas divisas e nos outros mercados

O Dólar, precisamente, segundo o que refere Jorge Ramalho, do BBVA e autor do Blog O Monitor dos Mercados, numa primeira reação “perdeu terreno face ao Euro atingindo os 1.1008 antes de voltar a testar o suporte nos 1.0880”, acreditando o  profissional que nos próximos dias é natural que “a pressão seja para subida do Dólar face às divisas do G10, não vendo no entanto muito mais espaço para grandes subidas face ao Euro”. No caso do Euro, segundo Ricardo Silva, houve uma perda de algum “fôlego das últimas sessões recuando para os USD 1.085”. Num cômpito geral Rui Bárbara acredita que embora o dólar se possa vir a valorizar, “não deverá ter uma grande reação porque empiricamente está demonstrado que o movimento maior da moeda ocorre antes da 1ª subida, o que veio a acontecer no último ano ou dois”.

João Marques, da Caixagest, nesta reação dos mercados fala ainda dos mercados emergentes em "que os índices de ações de países mais representativos registaram performances genericamente positivas". No caso dos EUA, o profissional indica que o índice S&P 500, às 19:00 GMT (quinta-feira), "evidencia uma depreciação próxima de 1% e, tal como no caso das obrigações do tesouro alemãs, as yields de treasuries registam uma tendência de alguma descida, com as maturidades mais curtas a exibir uma menor variação". Já na Europa indica que "a hora de fecho dos mercados europeus (esta quinta-feira) e com a sessão americana ainda em curso, os principais índices acionistas da Europa registaram valorizações superiores a 1%". 

A incógnita do ciclo de subidas

Nas palavras de Janet Yellen, e nos próprios dados que o FOMC emitiu, os investidores “leram” que é provável que em 2016 aconteçam mais 4 subidas de taxas, “chegando-se ao final do próximo ano com a taxa nos 1,25%”, como lembra Rui Bárbara. Para os profissionais ouvidos pela Funds People, uma coisa é certa: os mercados atualmente apenas estão a descontar duas subidas.

O risco, diz Leonardo Espírito Santo, reside no facto da “Reserva Federal não conseguir sequer prosseguir com a normalização da taxas ao ritmo que prevê”, ainda para mais tendo em conta que “o ritmo de subidas previsto pela Fed, cerca de 100pb por ano nos dois próximos anos, já seria bastante mais lento que ciclos anteriores”. Rui Bárbara não esquece no entanto o tom dovish da Presidente da Fed, ao frisar que “o novo ciclo de subida das taxas será lento e não ritmado, isto é, a subida de taxas não tem que ser periódica e obrigatória e vai sempre depender da observação da evolução de dados do emprego, crescimento económico e inflação”.

No futuro são os dados económicos que mandam

No discurso desta quarta-feira, para os profissionais do sector, ficou pelo menos implícito que os ativos de risco deverão ser os grandes “beneficiados” daqui para a frente, como atualmente já se está a verificar. No entanto, a opinião dos profissionais é unânime no que toca à reação dos mercados daqui para à frente: há que esperar para ver a evolução dos indicadores económicos.

Em tom de precaução Leonardo Espírito Santo avisa que “os investidores deverão estar bastante mais atentos aos riscos de fraqueza económica e à baixa inflação do que ao risco da inflação disparar e a Fed ficar “atrás da curva””. No mesmo sentido, Ricardo Silva, avisa que 2016 irá permanecer “extremamente desafiante para a generalidade das classes de ativos”, sendo importante monitorizar “as divergências de políticas monetárias à escala global” - da “FED e Banco de Inglaterra por um lado” e do “BCE, Banco do Japão e Banco da China por outro” - pois continuarão a ser promovidos “episódios de volatilidade provavelmente amplificados pelas atuais fragilidades da economia global – forte desaceleração da China, guerra cambial, deflação decorrente da queda abrupta do mercado de mercadorias”.

João Marques, da Caixagest, entende que "neste contexto, de ciclos económicos e de politicas monetárias divergentes, é possível que os mercados de ações europeus possam registar uma melhor performance relativa face aos americanos, que as yields americanas de maturidades mais curtas possam evidenciar um comportamento de maior subida (relativamente aos prazos mais longos) e que o Dólar continue mais suportado face às moedas de países onde os respetivos bancos centrais continuam a implementar medidas quantitativas de aumento da base monetária (quantitative easing), como o Iene e o Euro".Também "a trajetória de subida das Fed Funds implícitas em mercado, bastante abaixo das medianas de expetativas dos governadores da Reserva Federal quanto à evolução das mesmas, e o contexto de politica monetária contra cíclica dos EUA, face à maioria das economias desenvolvidas" poderá ter ainda outra vertente positiva. Na opinião do profissional poderá "suportar a procura de investidores internacionais por ativos denominados em USD, traduzindo-se num fator potencial para que a moeda americana não inverta a tendência de apreciação atualmente verificada".