Bastien Drut, estratega e analista da Amundi, analisa o impacto sobre o mercado e nas curvas de taxas das compras de títulos soberanos por parte da autoridade monetária europeia, que já representam 25% do seu balanço.
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À custa da mensagem que o BCE transmite hoje, o certo é que o mercado espera que a autoridade monetária anuncie o seu plano para reduzir os estímulos quantitativos, mais concretamente o seu programa de compras de dívida soberana – mais conhecido por PSPP –, implementado e levado a cabo desde março de 2015. Bastien Drust, estratega e analista da Amundi, estuda a forma como estas medidas inéditas moldaram o mercado de dívida soberana europeia nos últimos anos.
O especialista parte da comparação entre o QE do BCE e o aplicado na altura pela Fed, destacando que o volume de compras de dívida soberana foi superior no caso europeu. De facto, foi “muito maior que própria emissão líquida de dívida a longo prazo”, limite que a Fed nunca ultrapassou. Drut fornece o seguinte dado: entre julho de 2016 e julho de 2017, os países da zona euro emitiram 124.000 milhões de euros em títulos de longo prazo, enquanto que o Eurosistema comprou 806.000 milhões de euros. Isto supõe que “o impacto sobre o prémio por duration foi significativo e generalizado”.
Como resultado destas compras, os títulos de longa duration presentes no balanço da autoridade monetária ascendem agora, segundo o especialista, a 25% do total. Foi em velocidade de cruzeiro que Drut só pode comprar com o também mastodôntico programa de compras do Banco do Japão. Voltando à comparação com a Fed, o especialista da Amundi é da opinião de que “a situação era muito diferente”, dado que os três QE aplicados nos Estados Unidos “simplesmente restauraram a proporção de investimentos da Fed em treasuries de longa duration em cerca de 25% do mercado” (importa recordar que se espera que a Fed comece a reduzir o seu balanço este mês de outubro).
Estas volumosas compras foram em detrimento dos dois grandes coletivos de investidores: os não residentes e os bancos da zona euro. O especialista explica que os investidores de outras regiões decidiram reduzir drasticamente a sua exposição a dívida soberana europeia como resposta à queda do euro e das yields em terreno negativo que se produziram depois do anúncio do primeiro QE – o programa PSPP de aquisição de títulos soberanos – em 2015. Em particular, os títulos em mãos estrangeiras caíram bastante na Alemanha, França e Itália no princípio de 2015. Drut destaca que as estatísticas disponíveis atualmente são difíceis de interpretar, já que não diferenciam entre investidores não residentes que pertencem à zona euro e não residentes de outras regiões; dá como exemplo a diferença entre um investidor francês que compre dívida italiana ou um investidor asiático que compre a mesma dívida.
Quanto à proporção de títulos presente no balanço dos bancos da zona euro, o especialista da Amundi recorda que alcançaram um máximo histórico a 15 de fevereiro de 2015, de 1,885 mil milhões de euros em títulos soberanos denominados em euros. No passado mês de agosto, esta quantidade ascendia a 1,566 mil milhões de euros. Drut explica que “os bancos europeus reduziram primordialmente o seu investimento em títulos emitidos pelo seu próprio país de origem, mas o seu investimento em dívida soberana de outros países manteve-se relativamente estável desde o início de 2015”. A segunda ideia destaca pelo especialista é que, apesar de ter reduzido o número de títulos em carteira, esta proporção continua mais elevada que a realizada por bancos da zona euro na década anterior. “Presumivelmente, a pergunta sobre o vínculo entre bancos e governos será estabelecida o futuro”, conclui.
Impacto sobre os mercados
O especialista afirma que “não é fácil estimar o impacto preciso do QE sobre a curva de taxas e de spreads”, por uma série de razões. A primeira, que os mercados tendem a antecipar-se a qualquer anúncio do BCE, ao colocar no preço as suas próprias expectativas. A segunda, porque “os mercados são influenciados simultaneamente pela atual implementação do QE e pelas expectativas sobre a sua retirada”. A isto soma-se as expectativas sobre as taxas de juro (recordemos que dois dos quatro anúncios relacionados com o QE do BCE vieram acompanhados de modificações na taxa retro e na taxa de depósito), além de outros factores que também estão a condicionar o mercado (risco político, contexto económico, etc). Como aproximação, Drut fornece um gráfico na qual são refletidos os anúncios do BCE em relação com a alteração na curva de taxas alemã.
Outra maneira de quantificar o impacto sobre o mercado pode ser feito mediante a análise da quantidade nominal de títulos em relação à duration em carteira. O especialista baseia-se, neste caso, num discurso feito no passado dia 2 de outubro por Peter Praet, economista-chefe do BCE. Praet destacou que “ao manter a carteira de ativos adquirida sob o programa de aquisição de ativos constante em termos nominais, é difícil de prevenir a maturidade dessa carteira”, isto é, a perda gradual de duration à medida que os títulos se aproximam do seu vencimento, algo que não se consegue compensar de forma plena mediante o reinvestimento em novos títulos.
Assim, o especialista estima que a quantidade de títulos alemães adquiridos através do PSPP calculados em termos de “equivalentes a dez anos” alcançaram o máximo desde o início de 2017, apesar do BCE ter comprado 121.000 milhões de euros em bunds nos primeiros nove meses do ano; isto explicará, em parte, o recuperar da rentabilidade dos bunds.
O que esperar?
Drut retira várias conclusões claras a partir destas análises. A primeira, que “é provável que o QE do BCE termine em 2018”. A segunda, que dada a sua magnitude, este programa teve um impacto no mercado de dívida soberana europeia superior à das operações da Fed sobre o mercado norte-americano. E, em terceiro lugar, que o PSPP está por trás do facto de que os bunds alcançaram o mínimo histórico de -0,18% em julho de 2016, mas que de agora em diante “existirá pressão de subida sobre o prémio por duration, pelos efeitos da maturidade dos títulos no balanço do BCE e pelo sinal emitido de que as subidas de taxas voltarão a ser possíveis nos próximos anos”.