A paixão é um grande intangível no valor justo de uma peça de arte

Sabine Plattner e Christine Mostert, Banque Degroof Petercam.

Diversificação é talvez o conceito mais consensual no que diz respeito à abordagem de gestão de investimentos. Investimentos com potencial e descorrelacionados expandem a fronteira eficiente e aumentam as potenciais combinações para otimizar o binómio de risco e retorno de um portefólio. A arte como investimento, na teoria, é algo que pode contribuir para essa expansão, mas a verdade é que as famílias e indivíduos que atingem um determinado património e começam uma coleção não o fazem para ganhar dinheiro.

“É sempre uma questão de paixão”, esclarece Christine Mostert, responsável de Consultoria em Arte no Banque Degroof Petercam em conversa com a FundsPeople e no seguimento do evento que o banco organizou recentemente no atelier da artista Joana Vasconcelos. “Se encararmos a arte apenas como um veículo de investimento, estamos a incorrer numa série de riscos, que são bastante imprevisíveis. É por isso que não aconselhamos o investimento em arte. O que apoiamos é a construção de uma coleção com uma estratégia e uma visão a longo prazo, pensando também na próxima geração", diz.

É essa a base do serviço de aconselhamento que esta instituição de banca privada proporciona aos seus clientes de maior património. "Os clientes pedem conselhos para construir uma coleção, para a gerir ou, obviamente, para apoiar na transmissão dessa arte para as gerações seguintes. Para todos eles, há sempre uma paixão que é o pontapé de saída da iniciativa”, esclarece a profissional. Não obstante, apesar do peso emocional aquando da constituição de uma coleção, Christine Mostert deixa também evidente que o valor da peça ou da coleção não é algo a que se deva estar indiferente. “Há que fazer a devida diligência, selecionando a peça certa e usufruir de um aconselhamento adequado sobre a mesma. Trata-se, no entanto, mais de uma visão a longo prazo do que de pensar no potencial retorno que se poderá obter se a quiser vender daqui a cinco anos. Não é bem essa a mentalidade que vemos", comenta.

Segundo conta, o cliente típico é alguém que já começou a constituir a sua coleção, mas “de forma um pouco imprudente. Por vezes, pagou demasiado por algumas peças, outras não são as peças certas. Depois deparam-se com uma situação em que é difícil vender algumas das obras ou os filhos não as querem, ou não têm espaço nas paredes”, descreve. Perante tal situação, o serviço de aconselhamento de arte do banco apoia na gestão da coleção, desde o armazenamento, inventário, seguros, etc., para que o valor da coleção seja preservado ao longo do tempo.

Para a especialista, no entanto, o conceito de justo valor também se aplica à arte. "Trabalhamos com consultores independentes, como parte da nossa rede, para nos ajudarem a encontrar obras específicas, quando necessário. Vamos a feiras, trabalhamos também com galerias e com casas de leilões, onde procuramos peças diferentes e vemos quais fazem mais sentido, certificando-nos de que o preço é justo”, explica. 

E se nas classes de ativos tradicionais o total expense ratio e outros custos associados estão sempre em foco e têm sofrido uma tendência de compressão, na arte, há que ter em consideração que "o custo total de propriedade de uma coleção é, na verdade, muito mais elevado”, alerta Christine Mostert. Há que ter um seguro especial, considerar o armazenamento, conservação, restauro, transporte e todo o tipo de custos especializados como, evidentemente, a comissão de compra e venda. “É bastante caro, dependendo obviamente da coleção que tem e das obras que se possui”, detalha a profissional.

E, claro, a componente ESG de uma coleção de arte também existe. Se o E e o G não são propriamente algo que seja relevante para a arte, o S é relevante. “Isso traduz-se na procura por parte dos colecionadores de oportunidades para apoiar os artistas, como artistas femininas ou de minorias étnicas, por exemplo”. 

O processo de due dilligence

Já no que diz respeito à devida diligência, a especialista detalha os diferentes pontos a ter em consideração. "Uma das três das coisas que são realmente importantes é a autenticidade do trabalho. Ter o certificado de autenticidade permite perceber que a peça é a verdadeira”, conta. Em segundo lugar, a sua proveniência. “A proveniência é, basicamente, o registo de todos os antecedentes, de todos os proprietários da obra desde o seu início, desde que saiu do estúdio do artista. Isto é importante para ter a certeza de que não foi roubada em algum momento, ou que é falsa. Por vezes, se pertencer a uma coleção de importância crescente, também tem um impacto muito positivo no valor da própria obra”, explica. A última, “que também é objetiva e importante”, é qualquer potencial restrição de transação da peça. 

Num nível menos objetivo, temos critérios comparáveis. “Um cliente escolhe um artista, mas que obra escolher? Que pintura ou que escultura? Então aqui temos formatos, e isso é importante. Estamos a falar do tamanho, do grau de fragilidade, dos materiais também. Porque algo que é extremamente frágil pode ser muito incómodo em termos de conservação. Os riscos são mais elevados e o seguro mais caro”. E, finalmente, para Christine Mostert, é imperativo que se deve obter um relatório do estado de conservação.

As gerações seguintes

Como já ficou evidente, a transmissão para as gerações seguintes também é algo que preenche as preocupações de quem passou uma vida a materializar a paixão pela arte numa coleção. Sobre este tema, Sabine Plattner, gestora sénior de Patrimónios do Banque Degroof Petercam releva que é muito importante planear com antecedência. 

Por um lado, “as implicações fiscais variam consoante o país, pelo que é crucial analisar os aspetos fiscais e compreender o seu impacto”. Como explica, no contexto de Portugal, a carga fiscal relacionada com coleções de arte é relativamente baixa. “O imposto sucessório já não se aplica e o imposto de selo não é aplicável nas heranças em linha direta. Isto significa que o impacto fiscal pode ser controlado, especialmente no caso de heranças em linha direta. No entanto, se a coleção for transmitida a herdeiros que não sejam descendentes em linha direta ou cônjuges, poderá haver lugar à aplicação de um imposto de selo de 10%”, conta.

Contudo, para além das considerações fiscais, “é essencial planear o futuro da coleção e garantir que os seus desejos relativamente à sua preservação e manutenção são cumpridos. Isto pode implicar a criação de disposições para evitar que a coleção seja dividida ou considerar opções como a criação de uma fundação ou a sua doação a um museu”, explica. Segundo diz a especialista, o planeamento sucessório desempenha um papel importante na gestão de uma coleção de arte. “A utilização de uma estrutura empresarial, como uma empresa fiscalmente transparente ou uma sociedade de lei civil, por exemplo, pode ajudar a manter a coleção unida e pode proporcionar benefícios para efeitos de planeamento sucessório”, termina.