A proposta de valor das obrigações é melhor do que a das ações?

Flora Dishnica
Flora Dishnica. Créditos: Cedida (Pictet AM)

Num ano em que os dois grandes blocos de qualquer carteira multiativos sofreram correções acentuadas, levanta-se a questão: onde é que o valor se torna mais evidente? Flora Dishnica, especialista de produto da equipa de Multiativos e, como consequência, do Pictet Multi Asset Global Opportunities - fundo com Rating FundsPeople 2022 -, aprofunda o racional por detrás das escolhas da equipa quando perante a dicotomia de mais ações ou mais obrigações.

“Olhamos para as ações numa abordagem de valor relativo em relação às obrigações”, introduz. Na prática, a equipa computa as earnings yields das ações - “as ações são, para a equipa, um ativo real” - e compara-as com as yields reais das obrigações. A diferença entre ambas, o equity risk premium. “Quanto estão os investidores a exigir do mercado para investir na classe de ativos de maior risco”, detalha Flora Dishnica. E o que fica evidente para a especialista é que as yields reais das obrigações ajustaram-se mais e mais rápido, resultando num prémio de risco das ações em linha com a média de longo prazo. “Isto faz com que as valuations do mercado de obrigações se mostrem mais atrativas do que as das ações”, diz.

Aprofundando o tema, a especialista lembra que começámos a ver as taxas reais a subir acima do nível neutro nos Estados Unidos na segunda metade do ano. O nível neutro, que para Flora Dishnica, é um conceito de alguma forma “filosófico”. “Falamos do nível de taxas a longo prazo subtraindo o target de inflação a longo prazo. Algo que nos Estados Unidos deverá estar algures entre zero e um. Quando as taxas reais estão acima desse nível, como é o caso, isso significa que a política monetária está a um nível muito restritivo e que as valuations estão apelativas. Torna-se assim conveniente adicionar risco por esta via, em detrimento das alternativas”

Contudo, alerta: “Isto não quer dizer que as ações não tenham um lugar nas carteiras, mas sim, numa perspetiva de portefólios multiativos, que as obrigações estão a um nível muito apelativo para equilibrar o risco na carteira”.

Como executar esta visão de mercado?

“Na carteira do Pictet MAGO adicionámos uma quantidade significativa de risco em rendimento fixo”. Isto traduziu-se, no entanto, em diferentes abordagens nos dois grandes blocos desenvolvidos à beira do Atlântico. Nos Estados Unidos, segundo indica a especialista, o caminho passou por investir em taxas desde os cinco anos de maturidade até aos 20 anos. Na Europa, mantiveram-se perto dos cinco anos. 

As razões? Por um lado, “a parte mais longa da curva nos EUA está mais protegida e menos sujeita a volatilidade nas yields, enquanto a parte mais curta é refém da Reserva Federal e das suas ações mais imediatas. Adicionalmente, quanto mais o mercado acredita na possibilidade de uma recessão, mais a parte longa da curva se vai ver ancorada ou a incorporar cortes de taxas ao longo do tempo. E quanto mais a Fed subir taxas, mais o mercado vai incorporar nos prazos mais longos cortes mais agressivos”, explica. Por outro lado, na Europa, a especialista vê que o mercado incorpora já uma quantidade significativa de subidas de taxas. “A parte mais curta da curva na Europa está a refletir, a nosso ver, um nível mais justificado de taxas. Isto porque a Europa enfrenta riscos mais significativos de recessão, como resultado da crise energética. Com isto em mente, os níveis de yields em que nos encontramos em torno dos cinco anos são, na nossa opinião, bastante generosos”, termina.