A visão de uma gestora sediada num país que partilha 1.340 quilómetros de fronteira com a Rússia

Finlândia
Créditos: Joakim Honkasalo (Unsplash)

A relação da Finlândia com o seu vizinho russo sempre foi complicada, mas sobretudo pragmática. O país nórdico, o segundo apenas atrás da Ucrânia em termos de países europeus que partilham a fronteira mais longa com a Rússia, tem vindo a reavaliar politicamente a sua posição na sequência dos acontecimentos do mês passado, embora a tensão tenha diminuído em torno do impacto das sanções impostas ao comércio e à energia.

“Apesar da sua proximidade, a Rússia nem sequer é um dos três principais parceiros comerciais da Finlândia, cargos ocupados pela Alemanha, Suécia e Estados Unidos. Em 2020, as trocas comerciais entre a Finlândia e a Rússia diminuíram 35% nas importações e 18% nas exportações, o que reflete ainda mais a sua menor dependência da Rússia enquanto parceiro comercial”, explica Petter Von Bonsdorff, diretor de Desenvolvimento de Negócio Internacional da Evli Fund Management.

Uma mudança em linha com um movimento que começou em 2014 na sequência da anexação ilegal da Crimeia pela Rússia e de medidas restritivas impostas pela UE. “As sanções diminuíram significativamente qualquer comércio nórdico com a Rússia e resultaram naquilo que alguns especialistas descreveram como um annus horribilis. Apesar de algumas empresas terem ficado à margem, a maioria das empresas nórdicas evitou as novas restrições levando os seus negócios para outro lado”.

Previsões sobre a evolução do PIB

De acordo com a equipa de Global Research do Bank of America, as duras sanções deverão pressionar os mercados nos próximos meses. Estimam agora que o crescimento do PIB da zona euro desacelere para apenas 2,8% este ano, abaixo dos 3,5% registados nas estimativas anteriores, o que é bastante brando e provavelmente explicado pela recuperação pós-COVID-19 nessa estimativa.

“É um pouco semelhante ao ano em que o vírus atingiu e cortou o crescimento pela primeira vez, mas a queda não foi tão acentuada nos países nórdicos em comparação com o resto da Europa. A maioria dos economistas não difere muito quando se trata de projetar o crescimento, uma vez que estes números de crescimento atraem muito consenso no setor”.

A cautela é fundamental para os investidores

Quando na Evli se falou sobre o que se podia esperar dos países nórdicos em 2022, já previam um aumento do preço do petróleo, que foi o componente que mais impulsionou a inflação na Europa e nos Estados Unidos.

Quanto às carteiras, na Evli continuam a ser prudentes. “As perspetivas de crescimento e de ganhos para as ações europeias não são particularmente claras, porque ainda não há consenso sobre isso nos mercados. Ao mesmo tempo, os EUA, o Japão e os mercados emergentes estão a sair-se bem, porque esta guerra continua a ser um problema só para a Europa”.

Exposição à Rússia em fundos de obrigações de curto prazo

Na sua opinião, existe a possibilidade das taxas de dívida pública e das taxas de juro de longo prazo subirem. Vê também um risco real de que a inflação suba a curto e médio prazo, exercendo uma pressão ascendente sobre as taxas de juro. “Neste ambiente, a oportunidade mais interessante reside nas obrigações corporativas com maturidades mais curtas na Europa. Podem ser menos afetados pelo aumento da inflação, uma vez que o dinheiro é devolvido mais cedo do que tarde”.

Nos fundos de obrigações corporativas de curto prazo mais vendidos da Evli, se calcularmos entre todas as empresas que têm alguma percentagem dos volumes de negócios e receitas conjuntos provenientes da Rússia, não excede os 0,4-0,5%. “Embora este valor seja baixo, temos de ter em conta que a yield obtida por essa carteira é de 2-3% ao ano”.

Considera que o risco de incumprimento russo está contido. “É muito provável que isso aconteça e que isso afete especialmente os bancos de Itália e de França. O montante total da dívida pública russa é bastante reduzido, pelo que as consequências monetárias de um incumprimento são escassas. O risco real para a Rússia é a perda da notação de crédito do país, que irá afetar negativamente qualquer empresa emissora russa no futuro, especialmente tendo em conta que normalmente o rating de uma empresa nunca pode exceder o do soberano. E, por outro lado, a perda de confiança assombrará a Rússia por muitos anos”.

O gás russo tem poucas consequências para a Finlândia...

Embora a aplicação de sanções comerciais tenha significado o fim das atividades de numerosas empresas na Rússia, continua a existir a ameaça de novas sanções que podem afetar as exportações de energia – a espinha dorsal da economia russa – ou mesmo que o Presidente Vladimir Putin ordene que a torneira seja desligada. Na sua opinião, uma rutura das exportações russas de gás natural não afetaria muito a Finlândia.

O consumo total de gás natural na Finlândia é de apenas 6,6% do consumo total de energia do país, e nem tudo provém da Rússia. A energia a partir da madeira (28%), petróleo (22%) e energia nuclear (19%) são as principais fontes, enquanto o consumo anual de gás diminuiu desde 2018.

“Na Finlândia, o gás é maioritariamente usado pela indústria e não pelas famílias. De facto, muitas indústrias que consomem energia na Finlândia têm a sua própria capacidade de produção de energia, como é o caso da Teollisuden Voima, uma empresa de energia nuclear que gera eletricidade”.

Os maiores utilizadores de eletricidade são os proprietários da empresa, que compram eletricidade a preço de custo. “Portanto, os utilizadores têm há décadas um fornecedor fiável e previsível a baixo custo, e continuarão a tê-lo no futuro. Se acrescentarmos a isto que o terceiro reator nuclear vai estar ligado à rede nacional este ano, este argumento é reforçado”.

... e também para os países nórdicos

Com efeito, nenhum dos países nórdicos depende do gás russo, uma vez que a madeira, a energia hídrica, o carvão e a energia nuclear são amplamente utilizados em toda a região, e os noruegueses também têm as suas próprias reservas de petróleo. “Se todos estes elementos forem adicionados, é evidente que os nórdicos podem competir com a Alemanha, Itália, Espanha e França. Além disso, uma baixa dependência de gás poderá conduzir a uma maior recuperação, ou reduzir o impacto de uma recessão em comparação com o resto da Europa”.

Para o especialista, não negociar com a Rússia e não usar gás é um começo positivo. Além disso, os setores nórdicos da indústria transformadora e agrícola estão a sair-se bem, mas enfrentarão os mesmos problemas de abastecimento que os restantes. “Em geral, a situação parece ser paralela à trajetória de recuperação vivida após a COVID-19”, conclui.