Alternativos: A direito por linhas tortas?

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A narrativa que acompanha os produtos de cariz alternativo é muitas vezes focada na descorrelação e proteção no downside. Contudo, o alternativo é um conceito muito vago e inclui variadíssimas abordagens de investimento com distintas valências. Pôr todas no mesmo saco seria extremamente redutor, e analisar os índices como um todo, no contexto de volatilidade que tomou conta dos mercados em 2020, não será a forma adequada de olhar para estas estratégias. A FundsPeople sentou à mesa (virtual) cinco profissionais da gestão de ativos nacional para discutir exatamente o que terá ou não funcionado ao longo da primeira metade do ano. Da equipa de análise quantitativa da gestão de ativos do Haitong, Nuno Silvestre e Estêvão Oliveira, da fintech portuguesa PASS, José Pinto Basto e Paulo Gomes, e da equipa de gestão do BiG Diversified Macro fund, André Veloso.

Meet

Nuno_SilvestreNuno Silvestre deu início à discussão, apontando que “aquilo que vimos, especificamente na queda de março, não falando aqui do recurso a instrumentos mais complexos como as opções, foram as estratégias de momentum, ou as que seguem tendências em geral, que providenciaram uma boa proteção. O mercado caiu 30%, estas terão caído uns 12% em média, e rapidamente começaram a recuperar. Apenas quando vimos alguma rotação para o fator value começaram a abrandar a performance”, aponta. Já na casa de investimentos de que faz parte, destaca o quanto a abordagem é focada na gestão do risco quando o mercado entra em queda livre. “Não temos a política de ir reforçando o risco à medida que o mercado cai, na esperança de estarmos perto de uma recuperação que pode não chegar. Isso não se faz com o dinheiro dos clientes. As nossas estratégias quantitativas preferem procurar refúgio em ativos mais seguros ou sair do mercado e esperar pelo momento apropriado para voltar aos ativos de risco”, esclarece.

Jose_Pinto_BastoJosé Pinto Basto conta, neste contexto, como foi a experiência na PASS com os movimentos de mercado do mês de março. “Nós vimos exatamente o que comenta o Nuno, o que realça algo muito importante: o cliente quer o retorno, nós temos que controlar o risco. Queremos que os nossos modelos sejam construídos de forma a sobreviverem a qualquer crise e que os clientes estejam sempre confortáveis com o seu comportamento. O que vimos em março foi que, apesar de demorar um pouco a reagir, o enfoque no risco fez com que o modelo se comportasse muito melhor que o mercado”.

Paulo_GomesOlhando para as restantes formas de abordar o mercado, Paulo Gomes é assertivo nas suas observações. “Podemos tirar um par de conclusões do que assistimos em março. Uma coisa que resultou mal - e resulta sempre mal - é a alavancagem. Vimos uma deslocação grande de mercado porque alguém, mais uma vez, estava demasiado alavancado nas posições que detinha. Situações como esta têm sempre a mesma razão: alguém não fez uma gestão de risco adequada e converteu-se num vendedor forçado. A história, infelizmente, repete-se, e isso afeta toda a gente”. O profissional indica que olhando para o universo do índice HFRI, as estratégias que estão mais positivas no ano são estratégias com um nível elevado de beta associado, principalmente as ligadas ao setor da tecnologia. “Mas será que isso significa que estão a gerar valor? Muitas estão só a capitalizar de forma longa o que se está a passar no setor. Muitas não estão a gerar alfa”, aponta. Por outro lado, categorias como as de convertible arbitrage destacam-se nos últimos meses, bem como os “CTA, que não tendo sido brilhantes conseguiram executar uma melhor gestão do risco”.

A flexibilidade do curto prazo

Andre_velosoNa estratégia de investimento que André Veloso co-gere, o mês de março encaixou perfeitamente naquele que é o histórico de retornos. A gestão com base num orçamento de risco força uma disciplina que, segundo o gestor, funciona bem nestes contextos. “Qualquer estratégia que tenha um enfoque muito forte na gestão do risco beneficia de uma redução de risco quando a volatilidade dispara”. O gestor, que tem à sua responsabilidade a parte mais CTA da estratégia de investimento do BiG, viu, à semelhança do que apontaram os restantes participantes, o universo das estratégias que seguem tendências, especialmente as focadas em horizontes curtos, darem os devidos resultados este ano.

Esteva_oEstêvão Oliveira concorda e comenta que foi efetivamente o “curto prazo que conseguiu reagir mais facilmente perante o comportamento do mercado, mas noutras alturas acontecerá o contrário”. Para o profissional, é preciso olhar para estes comportamentos com cautela, porque os modelos e estratégias que funcionam hoje poderão não funcionar amanhã. O horizonte temporal considerado nos modelos é extremamente relevante neste contexto. “Lembro-me de ver muitas estratégias a funcionar na perfeição, mas que falhavam em 1987 e muitas das bases de dados que se recorre hoje em dia já não incluem 87 e isso impacta os modelos”. A sua filosofia assenta, assim, na premissa de que o seu “maior drawdown ainda está para acontecer, não está no passado”.