Ana Gil e Pilar Arroyo (M&G Investments): apenas treasuries em dívida pública, muito positivos em investment grade e forte aposta nos bancos

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Ana Gil e Pilar Arroyo. Créditos: Cedida

A crise da COVID-19 rompeu algumas das regras estabelecidas na indústria de gestão de ativos. Uma delas é que o trabalho de análise e gestão dos fundos das grandes entidades internacionais tem de ser realizado a partir dos principais centros financeiros. Sabem-no bem as diretoras de Investimentos Ana Gil e Pilar Arroyo, membros da equipa do fundo de obrigações flexíveis que há quase uma década é referência no mercado ibérico: o M&G (Lux) Optimal Income. Ambas trabalham atualmente a partir do escritório que a gestora tem na Península Ibérica, mantendo o mesmo posto, responsabilidades e uma dinâmica de trabalho que “hoje em dia, não mudou”, reconhecem numa entrevista à FundsPeople.

“A M&G Investments é uma empresa global, que sempre compreendeu a globalidade do negócio e tem estado aberta à mobilidade interna. No nosso caso, continuamos muito envolvidas com a equipa de gestão e especialistas da M&G. Falamos com eles diariamente e viajamos regularmente a Londres”. A central também viu oportunidades na produção de sinergias com o escritório ibérico. “Por um lado, permite-nos estar mais próximos dos nossos clientes ibéricos, o que por sua vez permite oferecer-lhes um serviço melhor. Por outro, permite-nos manter uma comunicação muito mais rápida e fluída com a equipa local ao nível dos mercados e produtos”, afirmam. 

A equipa de análise e gestão de obrigações da M&G Investments tem estado especialmente atenta às novas oportunidades de investimento que a volatilidade traz. É algo que se traduziu numa maior atividade na carteira do M&G (Lux) Optimal Income, fundo com Rating FundsPeople 2022, gerido por Richard Woolnough e que em 2022 sofreu alterações significativas no seu posicionamento.

Duração

No que diz respeito à duração, têm vindo a aumentá-la ao longo do ano. “Estamos posicionados em níveis ligeiramente subponderados face ao benchmark, mas muito próximos da neutralidade”, indica Arroyo. Na equipa, dão grande importância a como se posicionam dentro da curva. “Não nos sentimos confortáveis nas secções curtas. São demasiado voláteis e dependentes das decisões dos bancos centrais”. A equipa considera que as taxas vão continuar a subir, embora a um ritmo inferior ao que temos visto até agora, mas visto que ainda existe uma escassa visibilidade sobre o forward guidance, preferem manter-se cautelosos na parte curta da curva.

Na parte longa, com curvas tão planas, também não encontram valor excessivo, ao considerar que não são recompensados por esse prémio de vencimento. “Encontramos mais valor na parte média das curvas, principalmente na secção entre os três e os sete anos”, revela Arroyo.

Dívida pública

Em dívida pública, a equipa do M&G (Lux) Optimal Income está subponderada. O seu peso atualmente na carteira é de 23%, face aos 33% da neutralidade. Toda a posição em obrigações soberanas está investida em treasuries. Tiveram um posicionamento muito tático que durou poucos dias em dívida pública britânica, que surgiu da crise política do país. “Quando a yield do gilt a 10 anos atingiu os 5%, compramos. Foi um movimento muito tático, uma vez que dissolvemos essa posição após 3-4 dias, quando a yield das obrigações do Tesouro britânico regressou aos 4%. Agora, estamos investidos em crédito investment grade no Reino Unido, com 13%”. 

No momento não possuem obrigações indexadas à inflação, embora algumas equipas da empresa estejam a começar a ser construtivas na classe de ativos, sobretudo em dívida americana. “Os break evens nos Estados Unidos negoceiam a 2,6% nas obrigações a dois anos. Não acreditamos que vá ser tão fácil voltar a ver uma inflação de 2,6% daqui a dois anos”. Contam com bastante liquidez em carteira, concretamente 6%, para poder entrar rapidamente quando surgirem oportunidades.

Investment grade

Em obrigações corporativas, estão sobreponderados em dívida com investment grade. “O investment grade americano paga 5% e o europeu 4%. São as yields mais altas dos últimos cinco anos. E, simultaneamente, os fundamentais das empresas são muito sólidos, algo que se aplica tanto ao universo de investment grade como de high yield. Os lucros do terceiro trimestre estão a ser melhores do que o esperado em termos de EBITDA. O endividamento das empresas continua em níveis historicamente baixos, enquanto o custo de cobertura se situa em zona de máximos. As empresas desfrutam atualmente de uma posição de liquidez muito robusta”, sublinha Gil. 

Por áreas geográficas, gostam tanto da Europa como dos Estados Unidos. “O mercado europeu passou por uma reação exagerada mais forte e os spreads de crédito aumentaram mais, negociando aos níveis da COVID-19, mas a situação macro europeia é mais complicada. Por outro lado, nos Estados Unidos os spreads atingiram os 400 pontos base na crise do coronavírus e agora estão em 130. Mas é certo que a situação macro dos EUA é melhor do que a da Europa”. Destacam o facto de a qualidade média dos índices de investment grade de ambos os lados do Atlântico ser a mais alta dos últimos cinco anos, algo que também se aplica ao high yield, visto que muitas empresas CCC deixaram de existir após a crise da COVID-19.

High yield

Em dívida high yield estão neutros, embora com uma posição positiva. “Os atuais spreads de high yield, embora não sejam historicamente os mais atrativos que temos visto, movimentam-se em níveis que oferecem valor. Descontam um cenário macro demasiado adverso. Cupões de 9% em dólares e de 7% em euros fornecem uma proteção bastante ampla para amortizar as quedas de mercado que possam acontecer. É verdade que tem havido uma deterioração económica, mas os fundamentais das empresas continuam sólidos e não vão precisar de refinanciamento a curto prazo. Em 2021, muitas empresas conseguiram refinanciar-se a taxas muito baixas para os próximos 4-5 anos. Atualmente, em high yield europeu não existem vencimentos significativos até 2025”.

Geograficamente, no mercado de dívida high yield atualmente veem mais valor na Europa do que nos Estados Unidos. A instabilidade geopolítica na Europa pesou nas valorizações relativas. É o que explica o facto de se ter aberto um diferencial de spread com os Estados Unidos de cerca de 80 pontos base. “É algo muito invulgar. O índice de high yield europeu normalmente tem mais qualidade (maior percentagem em empresas BB e maior exposição ao setor financeiro) do que o americano (maior exposição a energia e matérias primas). O facto deste ano o spread se ter invertido, oferece-nos um bom ponto de entrada”, comenta Gil.

A oportunidade que detetam no mercado de high yield é posta em prática através dos CDS. Grande parte do investimento que têm em high yield é através destes instrumentos. “Isto porque, embora os CDS normalmente negoceiem mais caro do que as obrigações físicas devido à sua liquidez extra, este ano muitos investidores utilizaram-nas para cobrir risco de crédito. Este movimento adverso do mercado apanhou muitos investimentos e a forma rápida de contrariar um risco de crédito excessivo em carteira é comprar CDS. Mas nós vendemos. Nestes momentos, fazem mais sentido do que as obrigações físicas”, indica Arroyo.

High yield flutuante

O high yield indexado merece uma menção à parte, um segmento de mercado que monitorizam de muito perto. “Faz sentido numa carteira. E não só como aposta tática. Também como aposta estratégica a longo prazo. Apresenta a vantagem de que 80% deste mercado é senior secured e tem menos beta de mercado que um high yield tradicional”, sublinha Gil. Além disso, a diretora de Investimentos avisa que, ao contrário do que se costuma pensar, as obrigações indexadas não descontam as subidas das taxas. “A obrigações flutuantes só são afetadas pelo cupão. Por tudo isso, em momentos de volatilidade, esta classe de ativos consegue amortizar essas quedas de mercado e, se eventualmente acabamos num ciclo de default, a seniority da obrigação vai permitir optar por um potencial de recuperação mais elevado do que o de uma high yield tradicional”.

Apostas setoriais

No plano setorial, as principais apostas do fundo centram-se em segmentos defensivos. “A recessão parece inevitável e estamos a posicionar-nos em setores como a saúde ou telecomunicações. Temos alguma rotatividade na carteira de maneira muito seletiva, por exemplo, através de empresas de retalho de qualidade (Macy’s) ou de alimentação (Picard)”. Mas se há um setor em que estão muito positivos é no dos bancos. Há um ano e meio o seu peso na carteira era de 7%, agora está nos 33%. “Estão muito melhor capitalizados que noutros períodos pré-recessão e mais regulados que em 2008. Não participaram nos programas de QE dos bancos centrais e, além disso, são os principais beneficiários de um ciclo de aumento de taxas que ainda não terminou, o que lhes dá uma maior alavancagem”. 

Dívida emergente e ações

Em dívida emergente, mantêm uma posição cautelosa, com exposições muito limitadas e descartam aumentar o seu posicionamento a curto prazo. E, em ações, desfizeram praticamente todo o seu posicionamento. Em março tinham 5% em ações, agora essa percentagem foi reduzida para 0,3%. “O fundo investe em equity a partir de uma filosofia de valor relativo. Se gostarmos muito de uma empresa e as obrigações forem caras, temos sempre a opção de tomar exposição à empresa através da bolsa, com uma exposição máxima ao mercado de ações de 20% do total da carteira. Mas este ano, com o reajuste produzido nas valorizações das obrigações, não sentimos essa necessidade de recorrer ao mercado de ações”, indica Arroyo.

Novidades em matéria ESG

A M&G tem planos para introduzir um conjunto adicional de critérios de exclusão ambientais, sociais e de governance (ESG) no fundo. Aumentará as exclusões ESG setoriais a empresas envolvidas na perfuração e extração de areias asfálticas no Ártico, bem como a setores de ócio para adultos, jogo e tabaco. A implicação será determinada avaliando se estas empresas obtêm rendimentos procedentes das atividades restritas acima dos limites estabelecidos. O objetivo e a abordagem de investimento da estratégia não serão afetados pelas alterações introduzidas. Neste sentido, comprometem-se a que o fundo, artigo 8.º, continue a ter uma pontuação média ponderada em matéria de ESG superior ao do índice de referência.