As brechas no mercado que deixaram taxas em negativo estrutural

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Franck.Robinet, Flickr, Creative Commons

Uma década depois da crise as economias desenvolvidas ainda não são capazes de reentrar numa fase de normalização da política monetária. Nos últimos meses os spreads das obrigações europeias voltaram a estreitar-se em resposta à postura acomodatícia por parte do Banco Central Europeu, com o qual apagam a descompressão dos spreads que se viveu em 2018. Mas estes movimentos vêm de longe. Mais de dez anos de taxas baixas tiveram um impacto estrutural nos mercados cotados.

As rentabilidades das emissões corporativas estão em mínimos históricos. Só no mês de abril estreitaram-se mais 50 pontos base. No caso de emissões com rating BBB a queda foi maior, de 79 pontos base, segundo dados que a ESMA recolheu. Podem parecer movimentos insignificantes, mas há que recordar em que ponto estávamos há sete anos.

5cdbe28132d221d9Como se pode observar no gráfico anterior, ficou para trás a época em que as obrigações davam um retorno de 500 pontos base. Praticamente desde julho de 2014 que o investidor se encontra preso numa faixa de rentabilidade mínima. “O estreitamento dos spreads é um sinal do regresso das estratégias search-for-yield e um sinal de risco nas avaliações à medida que o risco que os participantes assumem no mercado de obrigações aumenta”, alertam na ESMA.

Porque além disso estes movimentos acontecem num contexto de deterioração gradual da qualidade do crédito corporativo. No gráfico anterior pode ver-se os últimos 10 anos de rating de obrigações europeias. As obrigações AAA, a melhor classificação possível, antes representava 20% dos corporativos. Hoje não chega aos 4%. Ao contrário foi o movimento das obrigações BBB, que cresceram quase 30% do universo quando em 2010 apenas eram 10%.

É um mudança estrutural que preocupa as autoridades porque irremediavelmente impacta o risco que os 1b7c4a088acbc927investidores assumem em fundos. Saibam-no ou não. E o risco que há nas carteiras hoje em dia não é o mesmo que em 2010. A ESMA teme que essa caça à yield signifique que os investidores se amontoem em ativos de risco. Segundo um estudo publicado pela ESRB em 2016, a qualidade média das carteiras do investidor europeu já se deteriorou na última década.

Recentemente esta tendência estabilizou-se. 60% das carteiras dos fundos de obrigações está em grau de investimento, mas... desses 60%, 48% está em obrigações com classificação BBB,  o elo principal mais baixo de grau de investimento. São os mais susceptíveis a migrar para high yield; o que se conhece como os fallen angels. Historicamente estas quedas rondam os 5% anuais, mas há que recordar que em 2009 chegaram a ser de 16%. Isto é, que nesses casos extremos do mercado um investidor poderá encontrar-se com dívida de pior rating na sua carteira. No caso dos fundos limitados a um índice, poderão tornar-se em vendedores forçados. Mas incluindo os que não têm restrição serão impactados pelo dano colateral.