As obrigações no País das Maravilhas… ou não!

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Numa discussão sobre a atual conjuntura peculiar de taxas de juro e política monetária foi traçado o paralelismo entre dois mundos virados ao contrário e onde se desafia a lógica e a racionalidade.

Nas Aventuras de Alice no País das Maravilhas, Lewis Carroll conta a história da aventura de Alice num lugar fantástico e absurdo, populado por criaturas peculiares e exóticas. Não é estranho, portanto, que no contexto deste Portugal Insights 2020, mais especificamente numa discussão sobre a atual conjuntura de taxas de juro e os seus impactos nos investimentos em obrigações e outros instrumentos de rendimento fixo, que alguém recorra a esta bela e peculiar fábula da nossa infância para traçar o paralelismo entre dois mundos virados ao contrário e onde se desafia a lógica e a racionalidade. 

Quem sentiu necessidade de recorrer a esta metáfora foi Rui Broega, diretor de Gestão de Ativos no BiG, que vê na atual conjuntura um desafio a tudo o que se aprendeu na faculdade. “Vivemos num mundo em que mais de 17 biliões de dólares em dívida pagam menos de 0% de yield e isso muda completamente a conceção do que é investir. Passámos de um contexto de rentabilidade sem risco para outro de risco sem rentabilidade. Os investidores têm vindo a ser forçados a descer no rating de crédito na procura de algum retorno adicional e com os níveis de dívida em relação ao EBITDA que observamos no mercado não podemos excluir a hipótese de defaults significativos no futuro. Vejo muito ruído e muitas áreas cinzentas e é mais importante que nunca ser seletivo nos investimentos”. 

“Passámos de um contexto de rentabilidade sem risco para outro de risco sem rentabilidade” - Rui Broega, BiG

“Já no que se refere à seleção de gestores que sejam capazes de navegar neste mar de incerteza, acho que o processo de investimento é mais relevante que nunca. A performance é importante num primeiro nível da análise, mas a partir do momento em que compro um fundo não estou a comprar a performance passada. Estou, isso  sim, a comprar a alocação presente e futura e, por isso, gosto de incluir no meu processo de due dilligence aquele que chamo de fator paz de espírito. Uma equipa que trabalha junta há anos, partilha a filosofia de investimento e o ADN, e, muito importante, a transparência. Os telefones não tocam quando o mercado está a subir. Tocam quando começa a cair. E nesse momento quero saber e poder explicar aos meus clientes o que os gestores fizeram e como é de esperar que reajam perante a volatilidade. Nestes contextos há que não estar passivo, e é aqui que a gestão ativa tem a maior oportunidade de mostrar o seu valor”. 

Francisco Amorim, por seu lado, representa em Portugal uma gigante da gestão de ativos internacional conhecida pelas suas valências na gestão de fixed income e faz suas as ideias e palavras da equipa com essa especialidade na Jupiter AM. Para o responsável de vendas da entidade em Portugal, esta conjuntura veio para ficar e alguns pontos importantes no contexto macro suportam essa opinião. “A demografia, dívida e a tecnologia são, em conjugação, fatores e tendências seculares com um elevado poder deflacionário”, explica.  Neste contexto de taxas baixas ou nulas, que claramente vieram para ficar, é muito importante ser flexível. Ter uma equipa dedicada que executa uma seleção de títulos diligente e com amplitude é a solução quando os grandes segmentos do mercado como um conjunto não aportam valor. Ainda é possível encontrar valor em investment grade, mas não sem um trabalho profundo de análise e seleção”. 

“A flexibilidade e originalidade são essenciais nesta conjuntura” - Francisco Amorim, Jupiter Asset Management

“Segmentos mais de nicho como a dívida subordinada de bancos são ativos que permitem algum pick-up de rentabilidade e, como disse, encontramos oportunidades em ativos com grau de investimento. Contudo, a carteira mais equilibrada é aquela que inclui um pouco de tudo do espaço de fixed income. Obrigações de mercados emergentes, por exemplo, não em dívida local, mas sim em moeda forte, em empresas são afetadas pelo risco país, mas que teriam um elevado rating de crédito se estivessem sediadas na Europa, são potenciais fontes de retorno e alfa neste contexto desafiante. A flexibilidade e originalidade são essenciais nesta conjuntura”, conclui. 

Juan Carlos Dominguez, responsável de vendas na Península Ibérica da AXA IM distingue o impacto que o cenário que marcou a última década tem tido em diferentes países da Europa. “No centro do Velho Continente convivem com este desafio há vários anos, enquanto nós, na periferia, temos usufruído da disponibilidade e proximidade das nossas dívidas públicas que ainda pagavam um prémio ou spread interessante. A dívida investment grade dos EUA tem representado também uma oportunidade nos últimos anos, especialmente quando os custos de cobertura cambial se reduziram, mas também aqui temos visto a rentabilidade a diluir-se. Agora, todos sofremos do mesmo mal!”.

“O erro, nesta conjuntura, é olhar para o mercado de fixed income como uma única classe de ativos” - Juan Carlos Dominguez, AXA Investment Managers

“O erro é olhar para o mercado de fixed income como uma única classe de ativos. Na verdade, este universo de investimento compreende muitas sub classes de ativos, sejam elas ativos de mercados emergentes, high yield, TIPS... Uma gestão que combine valências em cada uma dessas subclasses é a solução neste contexto desafiante. Definir a fronteira em investment grade ou nao investment grade pode ser muito redutor.  Mesmo que o grau de risco de crédito médio da carteira não seja, no final, investment grade, há uma grande potencialidade de reduzir o risco do portefólio como um todo ao combinar diferentes ativos com valor”, comenta.

Martim Neto, diretor de Investimentos na Real Vida Seguros é assertivo na sua opinião sobre o mercado de investment grade. “Concordo com o Rui quando diz que vivemos num contexto como o da Alice no País das Maravilhas. Parece tudo uma fantasia. No segmento de grau de investimento especificamente o que vejo é uma falsa sensação de segurança, sem qualquer retorno. Já não olho para estes segmento sequer como componente para as nossas carteiras. Mesmo se adicionamos duração para ir buscar algum retorno, enfrentamos momentos de volatilidade que destroem o rendimento de um ou dois anos em poucos dias. A assimetria vai completamente contra o investidor”, exclama.

“A assimetria [em investment grade] vai completamente contra o investidor” - Martim Neto, Real Vida Seguros

“Tendemos a investir mais em high yield e dívida de mercados emergentes em moeda local, No universo de ativos europeus encontro também valor num segmento de nicho um pouco esquecido, a dívida subordinada de bancos. De resto não há absolutamente nenhum prémio de risco que compense”, indica Martim Neto. “Se algo muda subitamente, a situação pode ficar verdadeiramente assustadora. Isto porque muita gente tem muito risco nas suas mãos que não compreende perfeitamente. Outra perspectiva é se assumirmos que esta conjuntura se vai manter para sempre e isso não faz sentido. Destruiria a indústria de gestão das poupanças e todo e qualquer incentivo”, afirma. 

Estes são tempos terríveis para um gestor de obrigações, especialmente quando estamos a operar no espaço segurador e dos fundos de pensões”, comenta Madalena Teixeira, gestora de carteiras sénior na BPI Vida e Pensões. “Não estou certa que consigamos continuar a retirar valor de investment grade, seja em emissões corporate ou de governos. Está certo também que existem muitas oportunidades, seja numa abordagem global, em mercados emergentes, em títulos mais de nicho, ou sacrificando a liquidez. Contudo, estamos limitados pela política de investimento a alocar apenas uma pequena parte a estas fontes de rendimento alternativas. Desta maneira, mantemos o nosso enfoque na seleção de títulos individuais entre emitentes de qualidade. Não temos um grande pick up de yield aí, mas é o que podemos fazer dentro das nossas limitações. Tentamos, sim,  usufruir de movimentos nas curvas e da volatilidade para fazer alguma seleção mais individual de títulos”. 

“Mais do que gestores estrela, procuramos gestores coerentes” - Madalena Teixeira, BPI Vida e Pensões

No que se refere a veículos geridos por terceiros, Madalena Teixeixa prefere manter uma abordagem plain vanilla nas estratégias que seleciona. “É muito importante, ao selecionar gestores, focar na consistência ao longo do tempo. Mais do que gestores estrela, procuramos gestores coerentes. Sabemos o que temos quando trabalhamos com equipas de gestão coerentes e consistentes e não gostamos de surpresas. Não queremos reinventar a roda. Acessibilidade, transparência e simplicidade na estratégia são os valores mais importantes”, explica. 

Luís Carvalho é o Chief Investment Officer na Crédito Agrícola Gest, uma entidade gestora muito ligada ao negócio segurador do grupo Crédito Agrícola e, portanto, sujeito a limitações que dificultam o trabalho de gestão. “Sacrifício é o termo que define o caminho a seguir neste contexto. Na nossa gestão somos forçados pela política de investimento e estar investidos em obrigações e principalmente investment grade”. Se é possível conseguir rentabilidade neste segmento? Para o profissional, é, mas também é muito difícil. “Se acreditarmos que os spreads se podem contrair ainda mais e as curvas se podem aplanar como resultado da conjuntura de baixa inflação, é perfeitamente possível fazer dinheiro com investment grade, mas há cada vez mais um custo de oportunidade e para se conseguir retorno, ou se sacrifica liquidez ou se adiciona mais risco e duration”. 

“A questão não é se vou ou não adicionar mais risco ao portefólio, mas sim qual o risco que estou disposto a adicionar ao portefólio”  - Luís Carvalho, Crédito Agrícola Gest

“Somos parte de um grupo em que a liquidez está sempre a entrar e, de acordo com as políticas de investimento, temos que investir essa liquidez, pelo que estamos num ponto em que a questão não é se vou ou não adicionar mais risco ao portefólio, mas sim qual o risco que estou disposto a adicionar ao portefólio”. Já sobre a importância de um trabalho de seleção diligente de títulos individuais referido anteriormente, Luís Carvalho é assertivo ao afirmar que se “pode identificar um ou dois emitentes ou emissões com valor, mas isso, finalmente, vai ocupar uma parte muito pequena das carteiras e precisaríamos de muitos bons títulos para uma adequada diversificação”, acrescenta. “Dentro do possível vamos buscar retorno potencial a ações e investimos em obrigações do segmento de infraestruturas, que têm horizontes mais longos e são líquidas”, conclui. 

“Eu acredito que para profissionais como nós este contexto é verdadeiramente uma oportunidade”, comenta Rita González, gestora de carteiras e selecionadora de fundos na Baluarte Wealth Advisors. “2020, especificamente, tem sido fantástico para o retorno de estratégias de obrigações de gestão ativa especialmente estratégias geridas melhores gestores, as verdadeiras estrelas. Claro que retirar valor dos mercados de fixed income depende das dinâmicas dos próprios mercados. Se tivéssemos taxas negativas e estáveis ao longo do tempo o trabalho seria muito dificílimo, mas como não é esse o caso, como existe volatilidade e dispersão, estou muito confiante sobre o que a gestão ativa pode fazer no futuro. Acredito verdadeiramente nos skills dos gestores e nos nossos skills como selecionadores de gestores para contornar as dificuldades e adicionar valor”. 

Abordagens globais e flexíveis são onde estão as oportunidades” - Rita González, Baluarte Wealth Advisors

Por oposição a alguns dos colegas na mesa redonda. Rita González vê no trabalho de seleção e alocação para clientes privados uma maior simplicidade por via das menores limitações. No entanto, “os fundamentais de seleção são basicamente os mesmos: consistência e transparência. Tendemos a focar mais nas vertentes qualitativas do que quantitativas e como temos poucas restrições regulatórias, podemos proporcionar o acesso a estratégias mais dinâmicas e inovadoras. Abordagens globais e flexíveis são onde estão as oportunidades e é a gestores que seguem estas abordagens que queremos delegar a responsabilidade da gestão do risco que temos em mãos”.