A diretiva da bolsa nipónica para que as empresas cotadas abaixo do seu valor contabilístico apresentem planos de melhoria do capital tem enormes implicações para as ações japonesas, uma vez que quase metade negoceiam abaixo do seu valor contabilístico. Dois gestores da Man explicam todos os pormenores.
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Os esforços realizados durante anos para melhorar a governance no Japão e aumentar o valor para os acionistas não teve muito sucesso. No entanto, isso pode estar prestes a mudar. Umas simples notas de rodapé num documento da Bolsa de Tóquio de 2023 podem alterar isto tudo. O mercado de ações nipónico não quer ficar à margem da luta para melhorar a governação e aumentar o valor das empresas japonesas. E, no final de fevereiro, afirmou que iria pedir às empresas cotadas abaixo do seu valor contabilístico que apresentassem planos de melhoria de capital a partir desta primavera.
Tal como explicam Emily Badger e Stephen Harget, gestores de carteiras na equipa Japan CoreAlpha da Man, a diretiva da Bolsa japonesa para que as empresas cotadas abaixo do seu valor contabilístico apresentem planos de melhoria de capital tem enormes implicações para as ações japonesas - em concreto para o value japonês -, especialmente se se tiver em conta que quase metade das ações da Bolsa de Tóquio negoceiam abaixo do seu valor contabilístico. “Como parte da campanha nacional de governo corporativo, houve três grandes alterações feitas pela Bolsa de Tóquio que são importantes”, afirmam os especialistas da entidade.
Redefinição do significado de ações negociáveis
Em primeiro lugar, a Bolsa de Tóquio redefiniu o significado de ações negociáveis. “Segundo a nova definição, as ações negociáveis não incluem as ações detidas por bancos comerciais japoneses, seguradoras ou sociedades comerciais, mesmo que a sua participação seja inferior a 10%. Também não serão consideradas ações negociáveis as que pertencem a partes interessadas especiais que não sejam CEO ou administradores.
“Isto é importante porque uma anomalia de longa duração na governação corporativa do Japão tem sido a tradição das participações cruzadas, o que significa que há menos ações disponíveis para a negociação pública, reduzindo assim a liquidez. E o mais importante, em termos de valor corporativo, tem dado lugar a balanços inflacionados e tem sido um obstáculo para o ROE”, afirmam os gestores.
Reorganização da estrutura do mercado

Em segundo lugar, a Bolsa de Valores de Tóquio reorganizou a estrutura do mercado, passando de cinco segmentos para três em abril de 2022: Prime, Standard e Growth. Cada segmento tem critérios de cotação rigorosos, que incluem uma capitalização bolsista mínima de ações negociáveis e um rácio mínimo de ações negociáveis.
“A 20 de fevereiro de 2023, das 3.788 empresas cotadas na Bolsa de Valores de Tóquio, 1.834 optaram por negociar no Prime Market, 1.444 escolheram Standard e 510 Growth. No entanto, há casos em que as empresas não cumprem os requisitos de cotação e, por isso, terão de passar por um período de transição. No final de dezembro de 2022, cerca de 10-20% das empresas de cada segmento do mercado não cumpriam as normas. As empresas que não cumprirem os critérios de cotação até março de 2025 terão um prazo de um ano, caso contrário serão classificadas como títulos sob supervisão ou enfrentarão uma possível exclusão da cotação”, revelam Emily Badger e Stephen Harget.
Ênfase nas empresas cotadas abaixo do seu valor contabilístico
No entanto, como sempre, o diabo está nos detalhes, o que nos leva ao terceiro ponto. Como parte do anúncio, enterrado nas notas de rodapé, a Bolsa de Tóquio colocou um ênfase surpreendente nas ações cotadas abaixo do valor contabilístico, com o seguinte excerto:
“Tendo em conta que o objetivo desta reestruturação do mercado é contribuir para a melhoria do valor corporativo das empresas cotadas, não fará sentido não abordarmos o facto de que aproximadamente metade das empresas cotados terem uma relação preço/valor contabilístico (PB) inferior a 1”.
Os gestores da Man acreditam que isto é importante, uma vez que as empresas que negoceiam com uma relação preço/valor contabilístico inferior a 1x serão obrigadas a publicar as suas políticas e iniciativas específicas de aperfeiçoamento. “Isto acontece independentemente de cumprirem ou não os requisitos básicos de cotação. Embora não haja indícios de que as empresas com uma relação preço/valor contabilístico serão excluídas da cotação, os comentários adicionais da Bolsa de Tóquio juntam-se à crescente pressão sobre as empresas cotadas consideradas pouco rentáveis” (ver excerto 2).
Excerto 2
“Em particular, deve-se exigir às empresas com um PB sistematicamente inferior a 1x que divulguem as suas políticas e iniciativas específicas de aperfeiçoamento. Além disso, o Código de Conduta Empresarial introduzido pelo TSE em 2007 deve ser revisto e modificado conforme necessário para clarificar as responsabilidades das empresas cotadas, como a consciência do custo do capital e o respeito pelos direitos dos acionistas/proteção dos direitos dos acionistas minoritários”.
Alguns dos termos utilizados são interessantes. Os gestores da Man acreditam que a Bolsa de Tóquio pretende reeducar, ou mesmo simplesmente educar, as equipas de gestão no que muitos presumiriam ser senso comum (excerto 3). “Isto refere-se concretamente à rentabilidade dos fundos próprios, ao custo dos fundos próprios e à eficiência do capital. De facto, considera-se que uma rentabilidade de 8% é o número mágico para conseguir um PB de 1x, algo sobre o qual já escrevemos anteriormente”.
Excerto 3
“Incentivar as empresas cotadas em bolsa a aumentar a sensibilização e os conhecimentos sobre o custo do capital e do preço das ações e da capitalização bolsista e a promover esforços para os melhorar. Exigir que a direção e o conselho de administração identifiquem adequadamente o custo do capital e a eficiência do capital da empresa, avaliem esses estados e a sua cotação e capitalização bolsista e divulguem as políticas e iniciativas específicas de aperfeiçoamento e os progressos das mesmas, conforme necessário. Especialmente para as empresas que precisam claramente de melhorar, como as que têm um PB sistematicamente inferior a 1x”.
As ações do Japão no centro das atenções
Para colocar o conjunto de oportunidades em perspetiva, Emily Badger e Stephen Harget recordam que metade das ações do Topix continuam cotadas abaixo do seu valor contabilístico, o mesmo nível de há 20 anos e em comparação com os 3% do índice S&P 500. “Por definição, as ações value costumam negociar a um PER inferior aos dos seus homólogos de growth. Assim, com uma política dirigida a empresas com baixas valorizações, qualquer resolução deve beneficiar intrinsecamente as empresas value”, sublinham.
Proporção de ações do Topix cotadas abaixo do seu valor contabilístico

Distribuição P/B da Bolsa de Tóquio Prime e do S&P 500

Para acrescentar algum contexto à dimensão da oportunidade para o value japonês, os gestores indicam que 65% dos membros do Russell Nomura Total Value Index negoceiam atualmente abaixo do seu valor contabilístico, em comparação com apenas 6% dos membros do Russell Nomura Total Growth Index. “Nos setores geralmente considerados Value, como os bancos, a energia e o aço, mais de 90% dos membros negoceiam atualmente com um rácio price-to-book inferior a um”.
Distribuição P/B das componentes Russell/Nomura Total Value e Russell/Nomura Total Growth

Cálculos fundamentais
De acordo com os seus cálculos, para as ações cotarem com um rácio de 1x, as empresas devem alcançar um nível de ROE superior ao seu custo de capital.
ROE das empresas cujo Price-to-Book é continuamente inferior a 1x

“A estimativa de referência do custo de capital é de 8%. Aproximadamente metade (48% para sermos exatos) dos membros da Bolsa de Tóquio Prime têm um ROE inferior a 8%, face a 13% dos membros do S&P 500. Comparando as empresas japonesas de Value com as de Growth numa base de ROE, 54% dos membros do Russell Nomura Total Value Index tem um ROE inferior a 8%, em comparação com 30% dos membros do Russel Nomura Total Growth Index”.
Distribuição do ROE do índice TSE Prime e S&P 500

Soluções
As possíveis formas de as empresas japonesas melhorarem o ROE incluem: reduzir o excesso de dinheiro e das participações cruzadas; aumentar a rentabilidade dos seus negócios operacionais; e focar-se nas atividades principais e desfazer-se das filiais menos rentáveis. “Melhorar a rentabilidade subjacente é uma tarefa a longo prazo que implica reformar as estruturas de custos e os modelos de negócio, enquanto reduzir a carteira de negócios seria uma solução a médio prazo”.
No entanto, - na sua opinião - reduzir oa liquidez em balanço, aumentar as recompras de ações e introduzir outras melhorias na política de capital é o que pode ser alcançado com relativa facilidade a curto prazo. “Por exemplo, em nenhum outro grande mercado desenvolvido seria possível aos investidores obterem grandes ganhos fazendo simplesmente uma proposta à Assembleia Geral de Acionistas solicitando um aumento dos dividendos ou a recompra de ações”.
Alguns exemplos
Na sua opinião, há vários exemplos disso no Japão nos últimos anos e em particular nos últimos 12 meses. “A Honda, um fabricante de automóveis, viu as suas ações subirem cerca de 10% desde que anunciou planos de recompra de mais de 500 milhões de dólares das suas ações no início de fevereiro; enquanto a empresa de eletrónica Citizen Watch viu as suas ações subirem 35% após anunciar que iria recomprar mais de uma quarta parte das suas ações. Esperamos que esta tendência continue, sobretudo tendo em conta que o cash do Japão tem continuado a crescer, uma vez que as empresas preferem reter os lucros em vez de os utilizarem para seu benefício próprio ou pagar aos acionistas”, concluem.
Percentagem de empresas não financeiras do Topix com dinheiro líquido superior a 20% dos fundos próprios
