BCE anuncia um dovish tapering: as reações das gestoras internacionais

Christine Lagarde
Christine Lagarde. Créditos: Martin Lamberts/ECB

Um tapring dovish. Uma redução dos estímulos monetários, mas sem deixar de ser acomodatício. Uma mensagem otimista com a economia europeia, mas sem pôr o pé no travão. É o delicado equilíbrio de palavras que procura o BCE na sua última reunião. O Banco Central Europeu comunicou uma redução do ritmo das compras do Programa de Compras de Emergência Pandémica (PEPP). Mas com uma nuance muito importante. Esclarece que não é uma retirada de estímulos, mas uma recalibração. Um tapering que não é um tapering.

“A melhoria significativa das perspetivas económicas e uma flexibilização das condições de financiamento desde a reunião de junho justificou a redução moderada do BCE no dia de hoje”, explica Silvia Dall’Angelo, economista sénior na Federated Hermes. Neste primeiro comunicado não foram revelados números. Falou-se de um ritmo moderadamente mais baixo de compras líquidas de ativos. Segundo interpreta Kevin Thozet, membro do Comité de Investimentos da Carmignac, isto poderá ser uma redução do PEPP para 70-75 milhões de euros mensais.

A segunda notícia é que Lagarde se referiu explicitamente à reunião de dezembro sobre a recalibração da política monetária. Serão então tomadas decisões importantes sobre como proceder com novas compras de ativos nos vários programas de compra. “2021 marca o pico das compras de ativos. A partir de 2022, os participantes no mercado terão de se preparar para uma redução significativa nas compras de obrigações”, resume Ulrike Kastens, economista europeu da DWS.

O mercado compra o não-tapering

“Lagarde provavelmente vai insistir que isto não é um tapering e, para sermos justos, pela sua definição oficial não é”, admite Seema Shah, estratega chefe da Principal Global Investors. O escudo argumental é que o PEPP foi aumentado em março passado e isto representará voltar a esse ponto inicial. Numa primeira reação, parece que a mensagem foi bem recebida. Como salienta Charles Diebel, diretor de fixed income da Mediolanum International Funds, o bund protagonizou uma pequena recuperação e o euro permanece praticamente estável no mercado de divisas. “A mensagem foi, em grande medida, que há mais decisões a serem tomadas na reunião de dezembro”, resume.

É um pequeno passo para a normalidade monetária. E talvez um ritmo a que temos de nos habituar. “As compras de ativos do BCE parecem ter vindo para ficar”, prevê Elga Bartsch, responsável pela investigação macroeconómica do BlackRock Investment Institute. Na sua opinião, o novo quadro político abre caminho a uma política monetária mais flexível durante mais tempo na zona euro. Paul Diggle, responsável de Economia da Aberdeen Standard Investments também o interpreta da mesma forma. “O BCE pode ser visto como um dos principais membros dovish no meio de uma jogada para eliminar o apoio à política monetária que caracteriza outros lugares”, afirma.

Mas e a inflação?

Pode ser que a redução do PEPP seja o destaque do dia, mas para os especialistas o debate real continua centrado na inflação. Concretamente, na trajetória que o BCE vê para os preços na Europa. Nesta reunião de setembro, o banco central atualizou as suas projeções para o crescimento e para a inflação. Concretamente, reviram ligeiramente em alta ambos os fatores. “Por uma vez, os falcões do conselho parecem estar a ganhar uma maior voz no cálculo do balanço dos riscos”, sublinha Andrew Mulliner, diretor de estratégias agregadas globais na Janus Henderson. É um ponto que vê também Hugo Le Damany, economista chefe na AXA IM. “Embora Lagarde tenha insistido numa decisão por unanimidade, a influência dos falcões na comunicação é evidente”. Na sua opinião, vale a pena monitorizar até que ponto podem pesar no próximo desenvolvimento, especialmente no futuro do APP. Mas também mais adiante com o vínculo entre o final do QE e as taxas na atual orientação prospetiva.

E ainda assim não é suficiente. Com os novos números, prevê que a inflação geral apenas superará temporariamente o seu objetivo de 2% este ano. A entidade monetária continua a insistir em que a subida de preços que estamos a ver é transitória. Embora reconheça uma grande incerteza em torno desta perspetiva porque depende da rapidez com a que se dissolvem os bottlenecks da oferta. Isto poderá gerar uma crescente divergência no conselho de governo do BCE relativamente às perspetivas de inflação e às condições para o PEPP, prevê Morgane Delledonne, diretora de análise da Global X.

As baixas taxas não vão a lado nenhum

Para Diebel, a mensagem tem de ser lida a partir da previsão da inflação de 1,5% em 2023. Isto sugere que uma subida das taxas não é viável até 2024, no mínimo, com base no seu enquadramento. Ou mesmo mais além. E Delledonne concorda. A previsão da inflação do BCE para 2023 (1,5%) fica aquém do objetivo de 2% do BCE necessário para aumentar as taxas de juro, o que sugere que a redução gradual das obrigações podia ser o único ajustamento de política neste ciclo.

Quem está também nesta linha é Jon Day, gestor global de obrigações da Newton (BNY Mellon IM). Se assim for, significará que a política monetária do euro continuará a ser a mais acomodatícia do mundo. Por outras palavras, o seu mercado obrigacionista continuará a ser o de mais baixo rendimento. "As obrigações da Europa Central continuam a ter um baixo valor. Os bunds alemães a dez anos rendem apenas 18 pontos base acima da taxa de depósitos", salienta.

Em dezembro debate-se o futuro monetário na Europa

A reunião de dezembro aparece como o grande próximo evento, vê Thozet. Porque para além da redução do PEPP, a pergunta girará em torno do APP (o programa em vigor antes da resposta do BCE à pandemia) a partir de março de 2022. Manter-se-á o ritmo de compras em 20.000 milhões de euros ao mês ou isso será revisto em alta?

Será um evento interessante, coincide Konstantin Veit, gestor da PIMCO. Vê como provável que se ponha fim às compras líquidas no enquadramento do PEPP em 2022. Para além disso, vê como provável que voltem a cobrar protagonismo instrumentos de compra de ativos mais regulares com o objetivo de afinar a política monetária depois da pandemia. E terceiro, que as compras APP se intensifiquem.

Neste último ponto está de acordo Annalisa Piazza, analista de obrigações da MFS IM. As compras do APP atualmente rondam os 20.000 milhões mensais. Piazza calcula que terão que ascender aos 400.000 milhões desde o segundo trimestre do próximo ano. “A oferta bruta ainda elevada em todas as principais economias da UEM terá que absorver-se parcialmente para evitar um taper tantrum indesejado”, explica.