BCE reformula o seu plano para lutar contra a inflação

ECB-Christine-Lagarde-BCE
Créditos: Cedida (EBC)

As regras do jogo mudaram. Até agora o discurso dos bancos centrais tinha adotado um tom de prudência, preferindo uma abordagem mais lenta, esperando que os dados confirmem os seus próximos passos. A subida das taxas anunciada pelo Banco Central Europeu na sua reunião de setembro é histórica, não só devido à sua agressividade, mas também pelas suas implicações. “Não devemos subestimar a importância deste sinal altamente simbólico”, adverte Frederik Ducrozet, diretor de Análise Macroeconómica da Pictet WM.

“Reflete uma mudança na reação do BCE à inflação”, explica Ducrozet. E Jan Felix Gloeckner, especialista sénior de Investimentos da Insight (BNY Mellon IM), concorda. A política adotada pelo BCE nesta reunião deixa claro que o banco central está a levar a sério a ameaça inflacionista. “Embora as taxas mais altas sejam dolorosas a curto prazo e aumente a pressão infligida pelos preços mais altos da energia, ancorar as expetativas de inflação a longo prazo é essencial para evitar uma maior espiral ascendente”, interpreta.

E isto não é apenas uma mera subida de taxas. É uma mudança na forma que implementam operacionalmente a política monetária. “Durante a maioria dos últimos 10 anos, o BCE preocupou-se em manter as taxas suficientemente baixas. Agora o desafio será garantir que as taxas de juro se mantenham em níveis compatíveis com o nível de política desejado pelo BCE, dado o atual contexto de excesso de liquidez”, afirma Andrew Mulliner, diretor de Estratégias Globais Agregadas na Janus Henderson.

Um adeus às ferramentas da crise passada

Para tal, o BCE abandonou o seu processo de tiering (destinado a proteger os bancos dos efeitos negativos das taxas negativas e agora redundantes) e mudou a remuneração dos depósitos governamentais (anteriormente remunerados a zero) para assegurar que as taxas a curto prazo permaneçam sob controlo. “O BCE teve de alterar a sua abordagem tão rapidamente que muita coisa não ficou clara até ao dia da subida das taxas. O BCE está a movimentar-se rapidamente e ainda não terminou”, afirma Mulliner.

Se o BCE deixar de ser tão dependente de dados, isso significa que os mercados devem despedir-se de outra mítica ferramenta. Ou como Nicolas Forest, responsável global de Obrigações na Candriam, afirma, o forward guidance está morto. Como bem recorda o especialista, o BCE tinha feito da orientação prospetiva uma ferramenta importante no seu arsenal monetário para combater a inflação em 2013. Em junho, o BCE ainda só falava em parar o seu programa de compras antes de considerar uma primeira subida de taxas muito mais tarde. “Face a tal mudança e negação, falta visão aos investidores para entender as próximas ações do BCE. Além disso, surge a questão da gestão do balanço: como conciliar a luta contra a inflação e o reinvestimento dos vencimentos?”, diz Forest.

O novo lema: reunião a reunião

Assim, sem uma orientação firme, uma maior volatilidade promete acompanhar-nos durante mais uns meses. “A balança do Conselho do Governo pendeu para as opções dos falcões, mantendo uma abordagem de reunião a reunião que não exclui a possibilidade de grandes aumentos semelhantes no que resta do ano”, prevê Pietro Baffico, economista europeu da abrdn.

É a nova filosofia do banco central. “Talvez como uma concessão às medidas moderadas do BCE, já não há nenhuma orientação direta para o futuro. Em vez disso, enfatiza a dependência de dados nas decisões futuras. O que agora se chama de abordagem de reunião a reunião”, conta Martin Moryson, responsável de Economia para a Europa na DWS. Afinal, reconhece, as taxas de inflação vão continuar a ser demasiado elevadas durante demasiado tempo, inclusive na opinião do próprio BCE.