BCE surpreende com uma mudança hawkish: as reações das gestoras internacionais

Christine Lagarde
Christine Lagarde. Créditos: Martin Lamberts/ECB

O Banco Central Europeu era a última grande pomba a voar entre os falcões. O consenso aceitou a subida de taxas da Reserva Federal no próximo mês de março e as duas que o Banco de Inglaterra implementou. Mas a narrativa dominante no mercado é que o caminho da política monetária na Europa tomará outro rumo, mais flexível que o dos seus homólogos em 2022. Até agora. A reunião de janeiro do BCE surpreendeu pelo seu tom mais duro quanto ao futuro da sua política monetária.

E foi uma questão de semanas. Na reunião de dezembro Christine Lagarde afirmava que uma subida de taxas na Europa em 2022 era muito improvável. Nesta data de janeiro preferiu não se comprometer. Karsten Junius, economista chefe do Bank J. Safra Sarasin, destaca uma mensagem-chave: “A presidente Lagarte confirmou que as taxas só vão aumentar depois do final das compras de ativos líquidos, mas não descartou taxas de juro mais altas em 2022”.

Por sua vez, Lagarde fez finca-pé na dependência dos dados e sublinhou a importância da reunião de março, na qual se vão anunciar novas projeções. “Isto pode ser interpretado como um indício de que, tendo em conta umas taxas de inflação mais elevadas, o debate sobre uma rápida saída da política monetária ultra-flexível está a ter muito impulso também na zona euro”, analisa Ulrike Kastens, economista da Europa para a DWS.

A previsão (por agora): aumento de taxas em 2023

O BCE é o banco central que tem maior possibilidade de dar uma surpresa desagradável este ano, comenta Anna Stupnytska, economista macro global na Fidelity International. De facto, Kastens, da DWS, defende que uma primeira subida das taxas de juro antes do fim do ano parece um cenário bastante realista. E é precisamente este o cenário que baralha Frederick Ducrozet, economista da Pictet WM: grandes revisões em alta das projeções em março, uma redução mais rápida de compras de ativos que termine com as compras líquidas no terceiro trimestre e um aumento de taxas no quarto trimestre 2022.

Dito isto, por agora a maioria das gestoras acredita que é precipitado ver uma subida de taxas este ano. Quase todas consideram que haverá um cenário de subida em 2023. Stupnytska, por exemplo, acredita que Lagarde começará a preparar os mercados para a primeira subida de 2023, possivelmente já na reunião de março. Isto assentará as bases para o cessar das compras de ativos no fim deste ano e a revisão das suas perspetivas de inflação a médio prazo até um objetivo de 2%.

Sebastien Galy, responsável de estratégia macroeconómica da Nordea AM, também defende que o BCE será muito mais flexível do que o mercado prevê. “O mais provável é que, com o tempo, o BCE continue com a sua mudança para um modo mais falcão e se alinhe com as expetativas de mercado de swaps. Como consequência disso, o euro vê-se apoiado face ao dólar”, prevê.

A favor deste argumento é que o próprio banco central ainda vê zonas de debilidade no mercado laboral. “Como Lagarde também destacou a importância do até agora muito baixo crescimento dos salários em relação à inflação subjacente, as diferenças entre a política fiscal na zona euro e EUA, e que o BCE não se está a precipitar, ainda acreditamos que as subidas de taxas são pouco prováveis este ano”, assegura Junius.

A reunião de março torna-se decisiva

De certo modo, a mudança no discurso de Lagarde é compreensível. É, como explica Nicolas Forest, responsável global de obrigações da Candriam, um tema de credibilidade. O mandato do BCE é conseguir uma inflação média de 2%. Pois bem, o número de janeiro fechou em 5,1% impulsionado por preços da energia a disparar e cadeias de produção interrompidas. “Este número não só está muito acima do objetivo a longo prazo, como também é o nível de inflação mais alto alcançado desde a criação da zona euro”, sublinha Forest. Na sua opinião, se Lagarde admitir que a inflação será superior à esperada, haverá que esperar até março para que se ajustem as expetativas para 2022 e 2023.

Assim, a reunião de março converteu-se num encontro imprescindível para os mercados. E tudo dependerá do caminho que tenha tomado a inflação. “Se as projeções de inflação, que já são razoavelmente lisonjeiras, forem revistas em alta para 2023 e 2024, é provável que o BCE contemple uma via de saída algo acelerada, um cenário que o mercado já está a refletir”, vaticina Konstantin Veit, gestor de carteiras da PIMCO. Segundo nota, o mercado está a assumir plenamente uma primeira subida de taxas de 10 pontos base em julho, o que implica o fim das compras líquidas de ativos já em abril.  

O fim da era das yields negativas?

É que o enfoque do BCE continua a contrastar com o que está considerado no preço das obrigações. “É provável que isto aumente a divergência com os investidores que veem o BCE atrás da curva, o que acrescenta risco à classe de ativos de obrigações”, reconhece Pietro Baffico, economista da Europa da abrdn.

As palavras de Lagarde têm um claro efeito no mercado de obrigações. “O efeito líquido é que o mercado adiantou o momento de descolagem das taxas para a segunda metade deste ano”, explica Paul Brain, responsável de obrigações da Newton (BNY Mellon IM). Já vimos o bund alemão a 10 anos subir acima dos 0% pela primeira vez desde maio de 2019. Agora, vê Brain, é de esperar que as yields em geral continuem a subir.