Blockchain no “olho do furacão”

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Descryptive, flickr, creative commons

Intermediação financeira e resolução bancária, supervisão e OIC, inovação financeira... Estes foram  alguns dos tópicos que o II Congresso de Valores Mobiliários e Mercados Financeiros se propôs a abordar recentemente, com a audiência de uma vasta plateia composta por diversos agentes do mercado financeiro.

No que toca à indústria de fundos de investimento mobiliário, um dos temas em destaque foi precisamente o da Inovação Financeira. Pela voz de José Veiga Sarmento, presidente da APFIPP, apresentou-se aquele que é o exemplo prático da aplicação da blockchain à distribuição de fundos de investimento em Portugal.

“Quando ouvi dizer que a blockchain iria destruir os backoffices, fiquei muito curioso para perceber o porquê do entusiasmo da indústria no Luxemburgo em relação a tal sistema. Na APFIPP, decidimos reunir um conjunto de capacidades e fazer um teste relativamente à aplicação desta metedologia ao sistema de distribuição de fundos de investimento nacional (plataforma atualmente designada de Funds Harbour). Nesse sentido escolhemos um especialista tecnológico para tal – a Deloitte –, um parceiro nacional tecnológico, o Instituto Superior Técnico, sempre com o acompanhamento da CMVM”, começou por relatar o presidente da Associação.

Não “se”, mas “quando”. Esta é a premissa que José Veiga Sarmento acredita estar em cima da mesa quando o assunto é a aplicação efetiva da blockchain. “Quando alguém diz que a blockchain vai mudar os processos e os sistemas de confirmação e de compensação financeira o que nos está a ser dito é que a própria confirmação e compensação vão deixar de existir. O sistema financeiro vai ser profundamente tocado por esta nova aplicação da tecnologia, e são vários os exemplos disso”, enunciou. Vejamos precisamente alguns desses exemplos referidos pelo profissional:

- Pagamentos interbancários – "Todos os players financeiros estão a investir dinheiro a perceber como é que blockchain vai mudar os processos atuais”, começou por referir, dando voz aquela que é uma dúvida de muitos: “Como é que o SWIFT vai sobreviver neste contexto? Mesmo as pequenas transações financeiras serão diferentes da forma como acontecem hoje em dia. Vai ser possível fazer pagamentos de forma muito mais simples e ‘user friendly’ para toda a gente, dispensando, por exemplo, a existência de contas bancárias”.

- Clearing – No processo de negociação atual existente no mercado de capitais existe de um lado um comprador e do outro lado o vendedor. “Entre um e o outro há um conjunto de gente a trabalhar: banco, corretor, etc... Tudo isto vai desaparecer”, pontualiza.

- Trade finance – é uma operação bancária pesada que será de tal maneira facilitada que o acesso que as pequenas empresas e médias empresas têm a este trade finance será agilizado e muito maior.

- Crédito hipotecário – “Todas as peças de montagem de uma operação deste género serão no futuro muito mais fáceis e utilizáveis num telemóvel dispensado toda a arquitetura humana hoje necessária”, referiu.

Consumidor no centro da operação

Resumindo, José Veiga Sarmento colocou ênfase na palavra disrupção para apelidar o que está para vir com blockchain em cima da mesa. “Teremos uma simplificação dramática das operações; hoje em dia temos uma atividade de negociação com dois momentos separados no tempo. Uma altura em que o comprador e o vendedor se “entendem”, e depois outro momento seguinte em que uma multidão de diferentes pessoas e serviços garantem a confirmação e existência dessa operação. Num ecossistema blockchain isso deixa de existir, na medida em que no momento da transação foi garantido tudo aquilo que havia para garantir para que a transação se efetue. No sistema blockchain, no momento em que existe um acordo de troca entre o comprador e o vendedor a operação ficou feita. Em Blockchain o consumidor está no centro das operações”,  explica.

Na concretização da plataforma blockchain, da APFIPP demonstrou, através do protótipo construído ser possível assegurar quatro tipos de operações: subscrições de fundos, resgate, cancelamento de ordens e reporte ao supervisor.  

Privacidade do sistema

Porque a proteção de dados pessoais é uma das questões fundamentais no âmbito da blockchain, Ana Perestrelo de Oliveira, professora da Faculdade de Direito de Lisboa, sócia da Paz Ferreira & Associados e membro do Governance Lab, trouxe aos presentes algumas considerações sobre a preocupação subjacente à privacidade deste sistema. “Funcionando como uma máquina de transparência ninguém controla a rede; no fundo, e embora encriptados, todos os dados são públicos. A questão passa por perceber como é que se garante todas as questões de transparência prometidas, ao mesmo tempo que os dados estão todos divulgados numa plataforma supostamente de acesso público”, começou por inferir.

Na área de mercados de capitais, segundo a profissional, tem-se procurado mais do que modelos de registo distribuídos: tem-se tentado chegar a modelos de registo partilhados. “Em vez de cada computador ter uma cópia integral de todos os dados das transações, estes apenas têm cópias das transações em que intervêm fazendo uma espécie de upload para um computador de registo central que tem um género de uma golden copy das diversas transações, o que, claro, se traduz num desafio adicional: todos nós na rede temos acesso aos mesmos dados, o que tornará virtualmente impossível a fraude”, sintetizou.

(Foto proporcionada por Descryptive.com)