Carmen Alonso (Tikehau Capital): “Estamos num bom momento para o mercado privado de secundários, especialmente em dívida privada”

Carmen Alonso
Carmen Alonso. Créditos: Cedida (Tikehau Capital)

O ecossistema ibérico de mercados privados está a tornar-se cada vez menos parecido com os outros mercados europeus. Nos últimos anos, chegaram grandes players internacionais, ao mesmo tempo que os nacionais continuam a crescer. No entanto, como reconhece Carmen Alonso numa entrevista à FundsPeople, o caminho não foi, nem está a ser, fácil. Nas suas últimas conversas com investidores, a CEO da Tikehau Capital na Península Ibérica e Reino Unido deteta um claro tema de conversa: as valorizações dos ativos privados.

“Se falarmos com o investidor institucional, é isso que mais o preocupa”, afirma. Ao contrário dos mercados cotados, os ativos privados não têm mark to market, pelo que o impacto da correção de 2022 não é tão evidente. O lado positivo é a oportunidade que isto abre para certos segmentos. “Estamos num bom momento para o mercado secundário”, garante Carmen Alonso. “Há clientes que, devido à circunstância do mercado, precisam de liquidez antes do previsto, quer devido a mudanças nas equipas ou na alocação de ativos”, explica. 

Consolidação da indústria

Às valorizações juntam-se um panorama económico incerto, que leva a uma procura de qualidade, e fatores técnicos que limitam a liquidez. “No fim de contas, é um ciclo. A maior incerteza leva a menos saídas. Isto significa que o investidor não está a recuperar parte do seu investimento e, por sua vez, isto leva a menos liquidez no sistema”, explica Carmen Alonso. 

E, no meio destas incertezas, o setor está a enfrentar um momento de consolidação. “Os clientes trabalham com cada vez menos com gestoras devido à complexidade da due diligence. As equipas ibéricas são normalmente mais pequenas do que as suas congéneres europeias ou britânicas, pelo que têm de ser seletivas. Assim, com menos tempo e capacidade, preferem recorrer a gestoras que lhes possam oferecer diretamente uma ampla gama de soluções”, explica. 

Dinâmicas positivas

Não obstante, o balanço global da especialista é positivo. Apesar de ainda haver alguma frustração, reconhece Carmen Alonso, com o facto de a Península Ibérica continuar atrás dos seus homólogos europeus em termos de alocação de ativos privados, também sublinha que a tendência atual é positiva. “O crescimento do setor tem sido impressionante. É certo que houve uma primeira vaga em dívida privada, uma vez que as taxas baixas levaram muitos investidores a abrir as suas carteiras a outro tipo de emissões. Mas isso levou-os a fazer os trabalhos de casa, a entender melhor o mercado privado. E agora estamos a assistir a dinâmicas interessantes”, afirma a profissional. 

Inclusive agora que as rentabilidades positivas regressaram ao mercado de obrigações, Carmen Alonso não acredita que iremos assistir a uma inversão. “Agora os investidores espanhóis e portugueses não olham para o mercado privado só pelos retornos, mas também como ferramenta para diversificar e gerir o risco”, afirma. Na sua opinião, os clientes começam a apreciar a estabilidade que os investimentos a longo prazo, como os ativos privados, dão às carteiras.

Cinco anos de compromisso com a Península Ibérica

Decorreram cinco anos desde que a Tikehau Capital abriu formalmente o seu escritório local e Carmen Alonso faz um balanço bastante positivo deste período. “Não só criámos uma marca com uma gama diversificada de estratégias líquidas e ilíquidas, como também temos uma base de clientes diversa, desde institucionais, como seguradoras, até à banca privada”, afirma. 

A gestora francesa, e Carmen Alonso em particular, acompanhavam o mercado ibérico desde Londres. Uma visita da equipa a Espanha em 2017, juntamente com Mathieu Chabran, cofundador da empresa, levou-os a dar um passo mais firme. “Na altura, o mercado de dívida privada era pouco desenvolvido na Península Ibérica. Estávamos numa fase interessante. Havia muito poucos players internacionais e vimos potencial para desenvolver o mercado e de nos posicionarmos entre os líderes”, afirma Carmen Alonso.

Estes cinco anos foram também de formação e educação na indústria ibérica, reconhece a CEO. “Quando começamos a falar dos nossos fundos de direct lending na Península Ibérica, não se percebia como o produto podia funcionar bem, tendo em conta que os bancos estavam a fornecer liquidez”, afirma. O seu objetivo era explicar que não procuravam competir com a banca, mas complementá-la e até trabalhar lado a lado. 

Cinco anos, 35 operações, 1.200 milhões

Começaram com operações de dívida privada e rapidamente entraram em segmentos como real estate, onde se destaca a compra da carteira imobiliária Corona à Blackstone, e private equity, onde se destaca a aquisição do negócio de biomassa da Gestamp. Também trouxeram as suas estratégias líquidas UCITS, uma vez que a gestora também tem fortes equipas em obrigações de curta duração. Assim, o que começou por ser um desafio para três pessoas, em apenas cinco anos, transformou-se numa equipa de 17 profissionais dedicados tanto à criação de oportunidades de investimento na Península Ibérica como à captação de fundos. 

O expertise da Tikehau reside no tecido empresarial do mid market. É por isso que o seu modelo de negócio, quando pensam abrir um negócio num novo país europeu, implica sempre ter uma equipa local. “Não se trata apenas de uma questão cultural. É importante poder estar próximo das operações que estamos a financiar e também dos próprios investidores que nos confiam o seu dinheiro”, esclarece Carmen Alonso. 

E, de certa forma, uma alimenta a outra. “Quando temos exemplos de empresas no país onde investimos, grupos que apoiamos, são exemplos muito claros para que os investidores possam ver como o seu dinheiro flui para a economia real da região”, insiste.