O ano de 2021 foi histórico para a indústria de ETF e o presente ano não parece fazer abrandar o rápido crescimento que estes produtos têm registado, apesar do mau momento dos mercados. E, apesar do mercado de obrigações ser o mais desafiante das últimas décadas, a BlackRock prevê que os ativos globais dos ETF de obrigações tripliquem e alcancem os 5 biliões de dólares em 2030. É sobre este panorama que a FundsPeople, num Think Thank em colaboração com a Edmond Rothschild AM, questionou quatro gestores de obrigações nacionais sobre a forma como veem o mercado de gestão passiva evoluir na componente de fixed income.
Como os gestores portugueses veem a gestão passiva em fixed income?
Para Amit Maugi, responsável de Rendimento Fixo na IMGA, um ponto fundamental sobre este tópico é a volatilidade. “A gestão passiva em tempos de baixa volatilidade funciona relativamente bem”, começou por mencionar. Contudo, diz que “em períodos de alta volatilidade, tal como o atual, os gestores conseguem encontrar oportunidades que a gestão passiva não consegue encontrar. Desta forma, quem gere ativamente consegue acrescentar mais valor”, referiu. Dá como exemplo a conjuntura que se viveu nos últimos 10 anos, em que as taxas de juro estavam muito baixas e os spreads estreitos, algo que, na sua opinião, “é um cenário maravilhoso para a gestão passiva”. No entanto, o mundo prepara-se agora para entrar num período diferente - um período de grande volatilidade.
Consequentemente, o gestor reitera que gosta destes períodos de volatilidade. Na sua opinião, “é uma margem de oportunidade para fazer a diferença, mas isso é um fator que recai sobre a visão e experiência da gestão”. Menciona, por exemplo, que vê valor no segmento de high yield. Contudo, alerta que “a seleção dos emitentes será cada vez mais importante”. Neste contexto, admite mesmo que, na entidade, chegaram a questionar-se se os ETF vão funcionar na componente de crédito.
1/4Já Nuno Pereira, responsável de Investimentos da Sixty Degrees, começou por trazer à conversa um outro ponto fundamental: as diferenças que existem entre um produto de gestão passiva de ações e um de obrigações. “Num produto de ações, se a empresa for ficando melhor financeiramente, consequentemente a sua cotação vai subir, e a empresa vai ganhando assim peso no ETF. Por outro lado, num produto passivo de obrigações, a empresa que mais dívida for tendo, mais peso irá ganhar no ETF”, contou. Nesse sentido, diz que “neste ciclo de alargamento de spreads e de subida de taxas, são provavelmente as empresas que estão mais alavancadas que têm maior representação nos índices passivos”. Este é um fator que, segundo o profissional, “poderá levar a uma dissonância do comportamento comparativamente a uma gestão ativa, que nem precisa de ser brilhante”.
O essencial para o profissional da Sixty Degrees é olhar com sentido crítico para o mercado e não seguir a manada. “Isso poderá ser o suficiente para fazer a diferença e mostrar que a gestão passiva tem valor nas obrigações, nomeadamente para dar acesso ao mercado e a uma carteira diversificada”.
O profissional abordou também o fator liquidez e dimensão, que considera importantes na hora de escolher um ETF, principalmente neste contexto de mercado caracterizado por elevados outflows. “Se um grande ETF tiver um problema e precisar de desfazer uma posição grande, isso contaminará o mercado na generalidade, porque haverá uma corrida por uma porta muito pequena de liquidez”, indicou.
2/4Mais disposto para utilizar este tipo de instrumento parece estar João Zorro, responsável de Ações e Obrigações da GNB Gestão de Ativos. “Na GNB GA utilizamos bastante este tipo de instrumentos, sejam eles produtos de crédito, de caixa, high yield, investment grade, Estados Unidos ou Europa”, afirmou. Para o profissional, “os ETF são práticos nestas fases de grande indecisão porque são, normalmente, instrumentos rápidos de entrada e de saída”.
Ao enquadrar com o atual contexto de mercado, João Zorro começou por referir que "o mercado de ações está muito descontado e com um sentimento muito negativo". Nesse contexto, de forma a aproveitar os níveis dos spreads, destaca que prefere “entrar diretamente num ETF de crédito do que entrar em nomes individuais”.
Admite, no entanto, que há custos inerentes neste tipo de abordagem. Contudo, tendo noção desses custos, João Zorro reitera que prefere “instrumentos ágeis do que uma carteira de 15 ativos com baixa liquidez”. Por outras palavras, o profissional privilegia dispensar apenas uma posição do portefólio do que vender múltiplas linhas diretas.
3/4No que toca à utilização destes instrumentos no fixed income, a opinião de Francisco Falcão, responsável de Investimentos da Hawkclaw Capital Advisors, coincide, principalmente, com a de João Zorro. Na sua ótica, “a utilização de ETF faz sentido, principalmente em momentos em que a perspetiva de ganho por via beta é mais evidente, seja por via da compressão dos spreads de crédito ou por via de quedas das taxas de juro”.
Sobre o impacto dos ETF no mercado obrigacionista, o profissional da Hawkclaw Capital Advisors começou por referir que a indústria de ETF equivale sensivelmente a 2% do mercado de fixed income. Como consequência, “a priori, os ETF não terão grande impacto a não ser em casos específicos. Ou seja, casos em que há uma posição muito grande da qual o produto poderá ter que se desfazer e, nesse caso em concreto, passa a haver um problema específico”, explicou.
Francisco Falcão procurou também tocar na questão da liquidez, afirmando que este é um ponto inerente quer aos ETF de obrigações, quer aos ETF de ações. “O bid e ask spread acaba-se por refletir exatamente no desconto do preço do ETF face ao NAV”, esclareceu.
Refletiu, por fim, sobre a competição existente entre um ETF de obrigações vs. um fundo gerido ativamente, nomeadamente no diz respeito ao tracking. “As obrigações que estão no índice têm uma oferta limitada, portanto, o ETF deveria ter um limite de investimento, porque, caso contrário, o produto tem muita dificuldade de fazer o tracking”, concluiu.
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