Cresce o nervosismo nos mercados: o que é que está a acontecer?

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financeblue, Flickr, Creative Commons

Os mercados de ações não estão a conseguir cortar a hemorragia. As perdas registadas na sessão de hoje (quinta-feira) voltaram a ser significativas ao longo do dia (alcançando os 3%). A inquietude não acontece apenas na China. A preocupação também chega aos EUA. "A verdadeira preocupação é a economia americana, com os números do sector manufactureiro - PMI - de novo a cair, no que parece ser um quarto trimestre muito débil para a economia dos EUA. Até ao momento temos dito que a economia americana vai recolher os frutos dos baixos preços do petróleo, o que estimulará a economia; o desemprego continua a ser baixo e o crescimento dos salários está a acelerar-se. Seria muito estranho ver que a economia norte-americana se precipitaria perante uma recessão. Mas as coisas não melhoraram como se pensava, e estamos a esperar para ver o que acontece com a indústria de serviços", assegura Lukas Daaler, diretor de investimentos da Robeco.

As últimas horas da sessão bolsista da passada quarta-feira em Wall Street foram de nervosismo. O S&P 500 acumula um retrocesso anual superior a 6%. Na China, a Bolsa de Xangai sofre perdas de 17% desde o início do ano e, depois da descida de 2,5% de quinta-feira, cai cerca de 43% desde os máximos de junho. A Bolsa de Shenzhen caia na última semana outros 3,5%, elevando as perdas em 2016 até aos 22%. Na Europa os principais índices bolsistas acumulam já perdas anuais que alcançam os 7,4% no EuroStoxx 50, o 8% no DAX, e 5% no FTSE 100. Os especialistas mostram-se convencidos de que a volatilidade continuará. Tanto é assim que algumas gestoras, como a Fidelity, elaboraram uma lista e conselhos para suportar este período de turbulências dos mercados.

“O começo de 2016 não foi bom para as ações em geral, e a Europa não foi exceção. As preocupações agravaram-se por causa da grande volatilidade no mercado de ações chinês, o que reflete a preocupação sobre o ritmo de desvalorização do yuan e a potencial aceleração da deflação no resto do mundo. A subida de taxas de juro de 25 pontos base em dezembro por parte da Fed também aumentou os temores sobre o impacto de um dólar forte e as preocupações sobre maiores custos de financiamento nos mercados emergentes, que já lutam com os altos níveis de dívida. Os preços das matérias primas voltaram a cair agravando ainda mais a situação dos países emergentes produtores. Tudo isto potenciou um forte movimento de aversão ao risco, provocando um rally das obrigações do tesouro e dos títulos de dívida em geral, bem como uma atração generalizada para os ativos vistos como defensivos”, resume Stephanie Butcher, gestora da equipa de ações europeias da Invesco.

E nas obrigações?

A crise também afecta os mercados de obrigações, onde desde final do ano passado aconteceu um alargamento dos spreads da dívida. Os fluxos que se dirigiram a ativos refúgio fizeram com que as TIRs das obrigações governamentais core fossem para níveis ainda mais baixos em ambos os lados do Atlântico. Desde o início do ano, a rentabilidade das bunds alemãs, e das treasuries norte-americanas situam-se, respetivamente, em 0,9% e 1,3%. Embora a parte curta da curva das taxas se tenha mantido bastante estável, as TIRs das obrigações a mais longo prazo reduziram-se: em 15 pontos base no caso das bund a 10 anos e em 21 pontos base no caso das obrigações norte-americanas a 10 anos, desde o final de 2015. Importa destacar, no entanto, que as rentabilidades reais das obrigações a longo prazo não variaram, já que a queda das taxas de juro nominais responde unicamente às menores expectativas de inflação. 

Segundo explicam da Generali Investments, não é surpreendente que as TIRs das obrigações core se tenham reduzido nas últimas semanas. "As recentes quedas do preço do petróleo implicam que os efeitos base não diminuirão e que a possibilidade de que a inflação impulsione (em alta) as taxas de juro core fica ainda mais longe. Na verdade, se os preços do petróleo se mantiverem nos níveis atuais, a inflação geral cairá nos próximos meses tanto na Zona Euro, como nos Estados Unidos. Dependendo de como evoluam os preços, podemos voltar a ver as taxas de inflação negativas na Zona Euro. Para além disso, se os medos macroeconómicos sobre a China piorarem e acabarem por contagiar os mercados financeiros desenvolvidos, a recuperação económica poderá estancar-se", afirmam. Da entidade veem como pouco provável que estas questões se resolvam da noite para o dia, o que limitará qualquer subida potencial das taxas de juro das obrigações core, pelo menos no curto prazo. 

Peter Hensman, estratega global da Newton (filial da BNY  Mellon IM) não diria que a flexibilização quantitativa (QE) a curto prazo seja a causadora da volatilidade. Pelo contrário. “Em momentos posteriores à maioria das rondas de QE, temos visto que a volatilidade se reduzia. Para nós é um efeito de mercado relativamente a curto prazo. Continuamos a ter dúvidas se dar mais liquidez ao mundo será suficiente para mudar a nossa perspetiva real de crescimento. E o desafio que vemos para 2016 centrar-se-á mais na pressão de queda, do que propriamente nos lucros. As empresas estão a lutar pelo poder de fixar os preços, e acreditamos que o QE tem contribuído tanto para um aumento da oferta como da procura, o que provavelmente teve o efeito oposto esperado pelos governos. Essa é uma das razões que justifica a nossa crença de que eem 2016 haverá maior volatilidade”. O problema, pode estar sim, na China e nos efeitos que possa ter a desvalorização do yuan.

Segundo Nicolas Doisy, economista e estratega chefe da Amundi, seja interna ou externa, uma ampla desvalorização do yuan iniciará um caminho global para o abismo. “Embora o yuan esteja sobrevalorizado cerca de 20% face ao dólar, uma desvalorização pontual clássica (externa) não só desencadeará provavelmente uma guerra de divisas, mas também incumprimentos massivos das dívidas em dólares pelas empresas chinesas. Em primeiro lugar, aumentará substancialmente o serviço das dívidas denominadas em dólares contraídas durante a década passada, por um sector empresarial sobre-alavancado. Suporia também o incumprimento por parte da China dos seus compromissos internacionais (especialmente quando se incluiu o yuan no cabaz de moedas SDR do FMI), acabando, provavelmente, no melhor dos casos, em novas desvalorizações (em cadeia) nos mercados emergentes, mas também, em represálias por parte dos Estados Unidos e da Europa”.

Por outro lado, a opção de uma desvalorização interna ao estilo da zona euro, determinaria uma situação deflacionista e uma aterragem forçada na China (embora fosse lenta), o que se propagaria, muito provavelmente, à América e à Europa. “Desvalorizações internas deste tipo já aconteceram na China durante os últimos dois anos, provocando a atual desaceleração económica no país, sendo a causa da última desvalorização externa surpresa do mês de agosto, depois da de abril. Na verdade, devido à referenciação histórica da paridade yuan-dólar, os rendimentos e os salários manter-se-ão invariáveis na melhor das hipóteses (se não decrescerem, em termos reais), ocultando, consequentemente, o padrão de taxa de câmbio yuan-dólar”, explica Doisy.