Didier Borowski (Amundi): “Será muito difícil que o BCE consiga normalizar verdadeiramente a sua política monetária neste ciclo”

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davidgsteadman, Flicker, Creative Commons

Didier Borowski é o responsável pelo Research Macroeconómico na Amundi e Lowendo Stevens é especialista de investimentos em obrigações na entidade francesa. Ambos estiveram em Lisboa para argumentar a favor da flexibilidade no investimento em fixed income num contexto económico desafiante. E foi, precisamente, o economista que começou por desmistificar a ideia de que uma das teorias económicas mais convencionais tenha perdido o seu racional.

Borowski_Didier_03_pp“A curva de Phillips não está flat. Está mais plana do que no passado, mas o mercado de trabalho nos EUA está finalmente a ficar mais perto do pleno emprego e isso faz com que vejamos alguma inflação salarial”. Contudo, destaca também que não acredita que esta inflação salarial se reflita na medida geral de inflação, mas sim numa compressão das margens corporativas. “O efeito da inflação salarial é contrabalançado com a contração na globalização do comércio. Isso tem resultado num abrandamento do crescimento mundial e, num contexto assim, o poder de fixação de preços não é grande. Não digo que a inflação não possa acelerar, mas não acho que seja uma preocupação neste ponto do ciclo;  se acontecer terá uma duração limitada”. Segundo o especialista, esta fase do ciclo tem sido dirigida, principalmente, pela política fiscal e os “multiplicadores fiscais têm vidas curtas só por si. Tipicamente duram uns seis ou sete trimestres, o que significa que em algum ponto em 2019 veremos a diluição desse impacto fiscal e os EUA regressarão ao seu crescimento potencial no seu melhor cenário. A economia perderá então cerca de um ponto percentual na taxa de crescimento, até 2020”, explica acrescentando que, se estiver correto nesta previsão, a Fed entrará “em algum ponto em 2019, num modo de ‘esperar para ver’. Um modo de cautela”.

Já na Europa, o que o especialista observa é um prémio pelo risco político nas diferentes classes de ativos. A incerteza que rodeia o Brexit ou a situação política e orçamental em Itália têm afetado a percepção de risco dos investidores, que exigem maiores garantias. No entanto, Didier Borowski acredita que estes riscos estão sobre-estimados. Por um lado, acredita que a saída do Reino Unido da União Europeia resultará no que se apelida de “soft brexit”, mantendo-se uma relação muito próxima da atual com a União Europeia. Por outro, vê um efeito muito limitado de contágio da situação italiana, o que se deve, segundo o economista, a três fatores. Primeiro, “temos observado nos anos recentes uma recuperação económica na Zona Euro, incluindo na Itália. Temos hoje condições económicas muito melhores do que há cinco anos atrás”, explica. Em segundo lugar, Didier Borowski destaca a caixa de ferramentas que tem ao seu dispor o BCE. “A Europa está sob o ‘guarda-chuva’ do BCE. Num pior cenário possível o banco central intervirá para evitar o contágio. O choque permaneceria local”. Por fim, o profissional da Amundi aponta a forte base de investidores locais do país. “Mais de dois terços das obrigações soberanas italianas estão nas mãos das famílias italianas. É um país com alguma riqueza, muitas poupanças e com uma das dívidas privadas mais baixas da Europa”, refere. E, à parte dos riscos que a Europa enfrenta, Didier Borowski não vê uma subida de taxas antes do final de 2019: “Será muito complexo para o banco central subir taxas antes e, inclusive, acreditamos que será muito difícil que o BCE consiga normalizar verdadeiramente a sua política monetária neste ciclo”.

Já nos mercados emergentes, na Amundi veem muitos riscos idiossincráticos. “A história atual das economias emergentes explica-se em poucas palavras. Muitas moedas emergentes depreciaram mais do que o esperado contra o dólar. Vimos um surgir da inflação em muitos dos países e os bancos centrais, em consequência, contraíram a política monetária mais do que o esperado e o outlook piorou para um conjunto grande dessas economias. Além disso, muitos países alavancaram-se em dólares desde a crise financeira e estão agora numa posição sensível. Consequentemente, vimos muitas saídas de capital desses países. Acreditamos que o dólar continuará a apreciar e, assim, continuaremos a ver outflows. Contudo, esses não acontecem em todos os mercados ao mesmo tempo. Há que olhar para as economias emergentes uma de cada vez. Recomendamos cautela no curto prazo, mas não é uma catástrofe global no mundo emergente”, explica.

Diferentes fontes de risco

Stevens_LowendoConstituída a fotografia económica dos grandes blocos investíveis, é a vez de Lowendo Stevens explicar porque é que um panorama global tão diverso, e cenários tão incertos, pedem dos investidores uma abordagem mais ampla da diversificação no investimento em obrigações. “A diversificação é um regra base do investimento, mas é ainda mais importante nos dias de hoje. Até agora, este processo para os investidores europeus passava, muitas vezes, pelo investimento em obrigações soberanas europeias e uma diversificação com obrigações corporativos. O cenário global trouxe consigo volatilidade, mas também oportunidades”, destaca o especialista em obrigações.

Para o profissional, o dinheiro fácil está a chegar ao fim. Não é boa ideia, hoje em dia, investir numa obrigação com o intuito de esperar que o banco central “lhe atire com dinheiro e faça a yield descer. Há que diversificar globalmente e também com outros ativos”. Os exemplos que dá são suportados pelas decisões de investimento efetuadas numa das estratégias mais diversificadas da Amundi, o Amundi Global Aggregate Bond Fund. “A forma tradicional de investir em obrigações passa por começar com as obrigações soberanas e diversificar progressivamente com crédito, depois high yield e por fim, mercados emergentes. Mas neste processo de construção de carteiras estamos simplesmente a somar riscos. Cresce o risco de liquidez, cresce o risco político... Tentamos construir o nosso portfólio, não numa perspectiva de alocação de ativos, mas sim numa perspetiva de alocação de risco”. Com isto, o profissional refere-se a uma construção de carteiras com sensivelmente um terço alocado a cada uma das fontes de risco: Crédito, moedas e risco soberano. “Para uma verdadeira diversificação”.

Um dos pontos que realça é exatamente a inclusão das moedas no processo, a qual apelida de “a arma secreta da Amundi”. É uma excelente forma de adicionar alpha e exponenciar a diversificação, bem como proteger as carteiras contra a subida das taxas de juro”.  O universo de investimento do fundo inclui mais de 20.000 emissões, 3.000 emitentes, dos quais, 70 governos. “Tendo acesso a emissões de 70 países permite-nos escolher ativos de ciclos económicos distintos. Podemos sempre estar investidos em algum ponto do mundo em que as taxas estão a cair. Ou o oposto, e podemos ‘shortar’”, conclui.