Estamos no início de uma crise com proporções similares à de 2008?

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Kris Sage, Flickr, Creative Commons

A primeira semana do ano não trouxe um balanço muito positivo com perdas de 2.500 mil milhões de dólares nas bolsas de todo o mundo, juntamente com elevados índices de volatilidade que se estenderam, também, ao mercado de divisas e de matérias-primas. As correções bolsistas que aconteceram na China, a debilidade dos dados económicos publicados e a forte desvalorização do yuan, evidenciaram os receios sobre a força da economia chinesa, imersa num processo de reorientação do seu modelo económico, desde o investimento e produção até ao consumo e aos serviços. Mas será que esta crise ameaça a saúde da economia mundial? Estamos perante uma crise de proporções similares à de 2008? Para George Soros esta crise faz-lhe lembrar o ocorrido em 2008.

Durante a sua intervenção num fórum económico no Sri Lanka, na semana passada, o investidor multimilionário afirmou que a “China está a sofrer um problema grave de ajuste que poderíamos classificar como crise”. Para Soros a economia chinesa está a ter dificuldades para se adaptar a um novo modelo de crescimento e a desvalorização do yuan está a exportar esses problemas para o resto do mundo. Por outro lado, o guru sublinha que o início da subida das taxas de juro é outro desafio que o mundo desenvolvido enfrenta. “Quando penso na situação atual dos mercados financeiros, acredito que enfrentamos uma situação complicada que me faz lembrar a crise de 2008”. Não obstante, não é a primeira vez que Soros ressuscita o fantasma da crise de 2008: durante a sua intervenção numa conferência em Washington, em setembro de 2011, avisou que a crise da dívida europeia com origem na Grécia era “mais grave do que a crise de 2008”.

A sua opinião contrasta com as ideias da maioria dos diretores de investimento das principais casas internacionais. Segundo Dominic Rossi, diretor mundial de ações da Fidelity, o que se está a passar resulta do facto dos mercados globais de ações se encontrarem a batalhar na terceira onda de deflação desde 2008. “Desta vez, o epicentro não se encontra no mundo desenvolvido nem no sistema financeiro, mas sim no mundo em vias de desenvolvimento, bem como no sector da manufactura global, onde a alocação de capital tem sido pobre e o excesso de capacidade é muito recorrente. A crise das moedas dos mercados emergentes já tem 18 meses, e o catalisador por esta altura é o yuan chinês, que se encontra num processo necessário de reajuste. Um yuan mais baixo irá fazer com que a procura por matérias-primas e bens em geral seja mais baixa. Um ajuste adicional da queda, de forma a ajustar o output potencial mundial, é agora inevitável”.

Na sua opinião, as pressões inflacionistas serão mínimas ou nem sequer existirão. “O BCE e o Banco do Japão terão uma grande margem para continuar a suas políticas monetárias ultra-acomodatícias, enquanto a pressão sobre a FED para subir de novo as taxas de juro irá, certamente, diminuir. Os sectores dos serviços do mundo desenvolvido, particularmente nos EUA e no Reino Unido, encontram-se muito melhor situados do que anteriormente para enfrentar estas pressões deflacionistas e irão oferecer aos investidores uma reserva de valor durante esse período de volatilidade”, afirma. No caso da China, a maioria dos gestores concorda que o comportamento registado no mercado de ações A chinesas nos últimos 18 meses não teve por base os fundamentais económicos.

A verdade é que o sentimento mudou

Independente disto, o que parece claro é que o sentimento dos investidores mudou. Mas isso não vem de agora, mas sim da tempestade que ocorreu nos mercados no verão passado. Os dados dos fluxos dos fundos são muito reveladores neste sentido ao mostrar como o apetite pelas estratégias de obrigações e fundos mistos durante o primeiro semestre mudou subitamente no arranque da segunda metade de 2015, dando lugar a um maior interesse por estratégias de gestão alternativa (como se pode ver no gráfico: fonte Morningstar). A expectativa da subida das taxas de juro nos EUA e a crise com o epicentro na China, que chegou aos mercados em agosto, parecem estar por detrás deste comportamento. Isto teve repercussões importantes sobre a evolução da indústria global de fundos de investimento, sobretudo no terceiro trimestre do ano, período em que ocorreu uma grande mudança no que toca à tendência seguida nos últimos anos.

De acordo com a última publicação da EFAMA, com dados de 46 países, a indústria perdeu, em conjunto, 5,9% do património gerido em euros – 5,7% se a análise for realizada em dólares - para se situar em 34.900 mil milhões de euros no final de setembro passado, contra os 37.100 mil milhões que acumulava nos três meses anteriores. Estas captações líquidas também registaram uma queda substancial, passando dos 596.00 milhões em junho para 230.000 milhões de euros no final do terceiro trimestre. Apesar de todas as classes de ativos terem sido afetadas, os fundos mistos saíram particularmente prejudicados com os resgates a atingirem 34.000 milhões de euros no período, depois de terem sido registadas entradas superiores a 340.000 milhões no trimestre anterior. Durante este período os investidores preferiram os monetários, que captaram 181.000 milhões de euros que compara com as subscrições líquidas de 20.000 milhões atingidas entre abril e junho.