Estes são os riscos de investir em ativos fixed income considerados seguros

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LendingMemo, Flickr, Creative Commons

Uma aposta que tem gerado rentabilidade com um nível atrativo de risco nos últimos anos tem sido a posição longa em obrigações do Tesouro dos EUA, ou em bunds alemães. Isto poderá mudar, tendo em conta os níveis nos quais negoceiam numerosas referências da dívida de mercados desenvolvidos. Esta questão reflete-se num relatório publicado recentemente pela  Fidelity International, assinado por Dierk Brandenburg (analista sénior de dívida pública), Andrea Iannelli (diretor de investimentos), Adnan Siddique (redator de investimentos) e Aimee Stewart, responsável de visualização de dados. Estes especialistas afirmam que “o posicionamento longo em dívida pública se está a massificar”.

“Os investidores em ativos seguros estão a encontrar cada vez maiores dificuldades para investir em títulos com yields positivas, já que a proporção destes ativos dentro do conjunto está a reduzir-se”, detalham os autores do relatório. Partindo da ideia de que os ativos seguros compõem globalmente 27,3 biliões de dólares (uma soma em subida, devido à escalada de endividamento governamental para financiar o défice público), se se excluir as obrigações nas mãos dos bancos centrais, apenas restam disponíveis 17,1 biliões de dólares (63% do total) em investimentos seguros com taxas positivas.

Paralelamente, a procura de ativos tem subido como consequência das restrições regulatórias impostas pelos bancos e seguradoras, juntamente com a aversão geral ao risco por causa das taxas reais negativas. Se a isto se somarem as compras de obrigações por parte dos bancos centrais, a conclusão é que o conjunto de ativos seguros disponíveis está a minguar rapidamente. “A aversão ao risco dos investidores no clima atual também não beneficia a equação, o que contribui para converter os ativos livres de risco em ativos livres de rentabilidade”, sentenciam os autores do relatório.

Para além da redução da oferta disponível, o relatório da Fidelity constata também que a queda da liquidez é especialmente chamativa visto que a dívida pública de países desenvolvidos é dos ativos mais líquidos do mercado. “Ao chegarem ao mercado com a flexibilização quantitativa, os bancos centrais alteraram gravemente o equilíbrio entre a procura e a oferta. Como consequência disso, as yields movem-se abaixo dos níveis observados durante a Grande Depressão da década de 1930 e das duas guerras mundiais, e 37% da dívida pública dos mercados desenvolvidos paga taxas negativas”, constatam.

O que podem fazer os bancos centrais

Os analistas analisam as alternativas que enfrentam o BCE e o BoJ – os dois bancos centrais que deram indícios de estar a reprogramar os seus programas de estímulo – para fazer face à escassez de obrigações elegíveis para os seus programas de estímulo quantitativo.

A primeira opção consistiria em reduzir esses referidos estímulos: “Esta medida poderá provocar uma reedição do taper tamtrum de 2013, quando as yields dispararam ao aparecerem sinais de que a Fed ia reduzir o seu programa quantitativo. Dado o nível de duration das obrigações, reduzir os programas quantitativos poderá causar estragos nos preços”, asseguram da gestora. Recordam os antecedentes históricos de medidas similares: em janeiro de 1991, uma queda de 10% nos preços do índice BAML Sovereign Bond traduziu-se numa subida de 210 pontos base nas yields. No taper tantrum de 2013, uma subida de 150 pontos base provocou uma queda de 10% nos preços. No contexto atual de mercado, o aumento das yields em 120 pontos base provocará uma queda de 10% nos preços. “Dito de forma breve: atualmente os preços das obrigações são duas vezes mais sensíveis aos movimentos das yields do que há 25 anos”, detalham os especialistas.

Existe, no entanto, uma nuance: no episódio de 2013, a Fed simplesmente introduziu a possibilidade de se reduzir o ritmo dos seus estímulos, como resposta aos sinais de recuperação económica. Se o Japão e a Europa quiserem cortar os seus estímulos, a decisão “responderia a uma falta de obrigações para comprar”.

A segunda opção é que o BCE e/ou o BoJ recorram a outras medidas de estímulo, “o que suavizará as consequências dos sinais de redução dos estímulos quantitativos no mercado”. Para além disso, acrescentam da gestora, “a falta de obrigações disponíveis para assumir posições curtas poderá em si mesma conter a pressão vendedora e evitar o forte aumento das yields que ocorreu em 2013”.

A terceira alternativa é a aplicada recentemente pelo BoJ ao centrar-se em determinados níveis das yields da curva de taxas: “Um banco central credível que aposte num objetivo de retornos poderá enviar uma mensagem clara ao mercado e evitaria uma situação na qual os operadores atuam de forma concertada para colocar à prova a determinação da autoridade monetária. Com isso poder-se-iam conter as yields com uma menor intervenção geral por parte dos bancos centrais”, resumem os especialistas.

Entre as outras possibilidades que apontam da entidade está que os bancos centrais optem por vender obrigações “se as yields caírem abaixo da taxa objetivo”, ou que os governos aumentem a sua despesa pública para impulsionar o crescimento económico. “Se os governos emitirem dívida para financiar estímulos orçamentais, isso aumentaria a oferta de obrigações e os bancos centrais poderiam manter a sua flexibilização quantitativa. Estas medidas poderiam contribuir para estimular o crescimento e a inflação, facilitando assim o trabalho dos bancos centrais e inclusive reduzir-se a magnitude dos estímulos quantitativos necessários”, resumem.

No entanto, este cenário não é aplicável a todos os casos: “No caso do Japão, os estímulos dos últimos vinte anos só deixaram breves aumentos de inflação antes que a deflação voltasse a ter presença”. Ou seja, o “Japão tem registado sistematicamente uma inflação muito baixa ou negativa durante os últimos 20 anos, apesar dos estímulos orçamentais sustentáveis”.