Estratégias Quant: o segredo é a alma do negócio

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Photo by Temple Cerulean on Unsplash

Two Sigma, AQR Capital, Renaissance Technologies… Estes e alguns outros são nomes muito conhecidos de quem trabalha em mercados financeiros ou de quem se interessa pelo tema. Os génios da gestão Quant substituíram o Gordon Gecko e Bud fox na mente dos fãs das histórias de mercados. Relatos de retornos impressionantes em contextos diversos de mercado são sempre fascinantes, mas a verdade é que muito pouca gente sabe exatamente o que está por detrás desse sucesso. O segredo e a discrição são a norma quando falamos dos maiores hedge funds do mundo e os gestores de fundos alternativos e estratégias quantitativas nacionais explicam o porquê. Da equipa de análise quantitativa da gestão de ativos do Haitong, Nuno Silvestre e Estêvão Oliveira, da fintech portuguesa PASS, José Pinto Basto e Paulo Gomes, e da equipa de gestão do BiG Diversified Macro fund, André Veloso, juntaram-se à mesa (virtual) com a FundsPeople para discutir a importância de um (relativo) nível de segredo na sua atividade.

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Esteva_o“Antes de 2000 os modelos quantitativos estavam muito na moda. Com o boom das ações de internet e a queda que se sucedeu, o tema foi um pouco abandonado e volta agora com novos nome. Algos, quant, machine learning… Houve uma grande evolução neste campo e vemos agora uma nova moda”, introduz Estêvão Oliveira. “Na gestão quantitativa pegamos em algo que é discricionário e balizamos com uma série de regras retirando a componente emotiva da decisão de investimento. Obviamente, se documentarmos essas regras a estratégia deixa de gerar alfa. Uma das grandes preocupações é a parte da criatividade. O mercado tem sempre dois lados, o comprador e o vendedor. Não podemos estar todos do mesmo lado. Por melhor que seja um modelo, se toda a gente se posiciona do mesmo lado ela deixa de funcionar. Temos que ter algo diferente. Algum segredo”, exclama. O gestor aponta como exemplo a Renaissance Technologies sobre a qual ninguém faz ideia do que faz para gerar os retornos que ocupam frequentemente os títulos da imprensa financeira. No entanto, relembra que apesar de serem conhecidos por retirarem as emoções do processo de investimento “Jim Simmons, terá ligado ao seu gestor questionando se não seria correto proteger-se ou vender o mercado, o que mostra que mesmo o homem que supostamente resolveu o enigma dos mercados estará suscetível à emoção do investimento”.

Jose_Pinto_BastoJosé Pinto Basto alerta para um detalhe relevante neste contexto e que poderá ter a mesma consequência que uma ‘sobrepopulação’ de uma estratégia de investimento: a dimensão dos fundos. “Há estratégias que funcionam muito bem com um determinado montante, mas a partir de um determinado nível começam a distorcer o mercado. É o perigo que enfrentamos quando grandes hedge funds agregam uma parte significativa do mercado e acabam por influenciar o comportamento do mesmo”.

Paulo_Gomes“Na PASS, desde o início, sempre tivemos o cuidado de proteger a nossa propriedade intelectual, o nosso segredo. Porque o valor deste tipo de abordagens só existe enquanto não é público. No dia que se torna público, desaparece”, acrescenta Paulo Gomes. As empresas de investimento enfrentam aqui a necessidade de balancear dois conceitos importantes: a transparência e o segredo do negócio. “É uma situação difícil, pela simples razão de que os clientes querem sempre saber”. Para o profissional é normal que estes queiram saber os parâmetros gerais da estratégia, como funciona. “Aí temos a obrigação de o explicar, em prol da transparência e do profissionalismo. Mas obviamente que não podemos ir aos detalhes. O valor está nos detalhes. A forma específica como utilizamos as nossas ferramentas é o que nos diferencia da concorrência.”

Nuno_SilvestrePara Nuno Silvestre, é “gritante a quantidade de informação que é pedida sobre uma estratégia quantitativa que não é pedida sobre uma mais tradicional. Estas estratégias tradicionais contam sempre uma história e o investidor fica mais facilmente convencido, mas quando vamos ver no detalhe, o processo não é consistente. No nosso caso, todos os processos são sistemáticos, balizados em regras, mas mesmo assim, o investidor pede muito mais informação sobre como construímos as estratégias. Como já foi dito, explicamos os traços gerais. Se entramos nos detalhes, deixa de funcionar”, comenta.

Andre_velosoAndré Veloso, por seu lado, diferencia entre dois tipos de estratégia. Por um lado, as estratégias que se posicionam longas onde “a principal qualidade que se requer é a paciência. Só mesmo quem é muito paciente e percebe como as estratégias funcionam é que tem a capacidade para capitalizar no seu potencial. O investimento em value é um bom exemplo”, comenta. Por outro, as estratégias menos direcionais.  “No nosso dia a dia de trabalho vemos o impacto do crowding em determinadas estratégias. Por um lado, temos as abordagens divergentes, que quando vemos o efeito de crowding, quando muita gente adota a estratégia, tendem a apresentar uma performance mais fraca. Por outro lado, como tem acontecido com o investimento em valor, é só quando os investidores começam a mostrar interesse que começa a funcionar. No, entretanto podemos ter períodos de 10 ou 20 anos em que determinada estratégia não funciona”.