Exemplos das oportunidades em crédito que as crises de verão da Argentina e da Turquia salientaram

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O trabalho de Alain Nsiona, diretor de crédito de mercados emergentes da Pictet AM é procurar a reconciliação entre a sua perspetiva de mercado e o próprio sentimento do mercado. Isto significa aproveitar as situações de stress e nervosismo que a volatilidade traz para comprar aquelas emissões de crédito emergentes onde existe uma boa oportunidade de investimento. Às vezes apresentam-se à sua frente obrigações cotadas com grandes descontos em segmentos de mercado onde Nsiona tem uma grande convicção. Noutras ocasiões, contudo, se a perspetiva sobre um determinado ativo ou segmento de mercado do gestor do Pictet Short Term Emerging Corporate Bonds (classificado com o selo Blockbuster pela Funds People), do Pictet Emerging Corporate Bonds e do Pictet Asian Corporate Bonds não for positiva, nem uma valorização mais atrativa o motiva a entrar.

“Frequentemente, a dívida corporativa vê-se indiscriminadamente arrastada pelas crises que acontecem nas obrigações corporativas do país. Por vezes, isso salienta oportunidades de investimento muito atrativas. A chave está em conhecer a verdadeira história das empresas para saber quais se têm de aproveitar e quais deixar passar”, explica. As duas últimas foram as crises de verão que dois mercados viveram sobre os quais Nsiona tem uma capacidade de tomada de decisões: Turquia e Argentina. Ambos os países viram os seus mercados de dívida pública a registarem fortes quedas, o que – segundo o especialista – descobriu ideias de investimento interessantes que quis aproveitar. O gestor revela quais foram exatamente as oportunidades que encontrou em cada um dos mercados.

O caso da Argentina

Embora Nsiona se mostre cauteloso em relação à dívida soberana argentina, o gestor gosta do crédito empresarial por razões idiossincráticas. O peso do crédito das empresas argentinas em carteira no final de agosto era de 2,4%, pouco menos do que o índice JPM CEMBI Broad Diversified, e aumentaram um pouco. “Mais especificamente vemos oportunidades em utilities, onde há empresas essenciais para a sua economia. Tem de se ter em conta que a yield to maturity da dívida destas empresas de serviços públicos é muito atrativa, 11 a 12%, com contratos de longo-prazo – difíceis de alterar pelo governo – e ligados ao dólar”.

Em conjunto, os pagamentos de dívidas das empresas argentinas para 2019 somam 8.000 milhões de dólares, face aos 25.000 de dívida soberana e não é o mesmo problema de liquidez. A isso, acrescenta-se o facto de que nos serviços públicos da Argentina a alavancagem (dívida líquida/lucro de exploração) estar abaixo de 1,7, com caixa suficiente para pagar os vencimentos a curto-prazo. “Se algumas empresas da Argentina fossem alemãs teriam uma classificação creditícia de A. É o caso da StoneWay, que constrói e opera projetos de geração de energia elétrica e que se comportou melhor na recuperação após a crise de agosto em comparação à petrolífera estatal YPF, que seguiu muito mais o comportamento da dívida soberana”, exemplifica.

Nsiona acredita que na Argentina haverá um ponto de inflexão quando o crescimento da sua economia e da inflação melhorar. “De momento, com a intervenção do FMI, o mercado indica que a liquidez em moeda forte é aceitável até 2019, mas tem de se prestar muita atenção à liquidez interna da sua dívida, porque requer refinanciamento”, sublinha.

O caso da Turquia

O peso da Turquia em carteira era menos de 7%, pouco mais do que o índice JPM CEMBI Broad Diversified. “Estivemos subponderados e não sofremos tanto este verão”, afirma. Historicamente, neste país estiveram mais à vontade com empresas do que com bancos, que têm um comportamento muito diferente. “Tem de se ter em conta que na Turquia há empresas contra cíclicas relativamente ao risco soberano. É o caso de uma refinaria que gera 25% das suas receitas em moeda forte com apenas 30% dos seus custos em moeda local. Assim, por cada 10% que a lira desvaloriza o seu lucro de exploração aumenta cerca de 15%.

Segundo explica, outras empresas na Turquia têm modelos de negócio muito estáveis, como nas telecomunicações, com baixo nível de endividamento. “Incluindo o conglomerado Koc holdings que representa 7% do PIB da Turquia e 10% das exportações turcas. Conta com 109.000 milhões de dólares e um rácio de alavancagem de apenas 1,6, sendo o seu negócio muito diversificado, um valor defensivo”, explica.

No entanto, passaram, recentemente, de uma posição subponderada em bancos para um aumento do peso. “Vemos que no setor os ativos face aos passivos em dólares estão bem equilibrados. A vulnerabilidade deve-se ao facto de quando a lira desvaloriza, a adequação de capital e rácios TIER1 reduzem. Mas dispõem de muita margem de manobra. A lira terá de desvalorizar face ao dólar 7,5 para exceder os limites regulatórios. A questão na Turquia é se a médio-prazo vai haver maior inflação ou menor crescimento, o que pode afetar a qualidade dos empréstimos. Tem de ser vigiado no futuro para 2019 e 2020. Também tem de se ter em conta que estes bancos, ao contrário das empresas na Argentina, têm muito que refinanciar a curto-prazo”, indica Nsiona.

A questão é que o seu banco central agiu, finalmente, de forma decisiva e convincente para os mercados, tendo subido as taxas de juro mais do que se esperava, embora o plano do governo a médio-prazo tenha enganado em parte as expectativas relativamente à redução do déficit fiscal e gasto público. “Há progressos na criação de um banco que possa gerir incumprimentos. A lira recuperou e o seu setor bancário dirige-se numa boa direção. É o caso do Akbank, que tende a obter mais depósitos do que outros bancos em tempos de crise. A sua cobertura de incumprimentos – menos de 3% previstos este ano – está bem colaterizada e conseguiu refinanciar o seu crédito sindicado todo a curto-prazo à Libor +1,75%”, destaca.