Fidelity: qual será o “new normal” das taxas de juro?

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KitCaptainPhoto, Flickr, Creative Commons

A menos de um mês do fim da retirada da terceira ronda de estímulos quantitativos nos EUA, o que preocupa agora os investidores é que rumo vão tomar as taxas de juro objectivo dos fundos federais (FFTR, nas siglas em inglês) durante os próximos anos. E mais importante do que os prazos para a primeira subida das taxas, como observam da Fidelity Worldwide Investement, é que “para os mercados mundiais de obrigações será ainda maior o eventual nível neutral da FFTR”, que é como quem diz, a taxa que um banco central fixará (a Reserva Federal neste caso) num período de pleno emprego e de inflação estável.

A partir de uma exaustiva análise quantitativa, a tese da Fidelity Worldwide Investments é de que as taxas alcançaram um nível neutral que denominam de “nova normalidade”, e que este será muito mais baixo do que as referências de até então. “A nova normalidade das taxas na Europa também será consideravelmente mais baixa do que no passado e ainda mais baixa do que nos EUA”, acrescentam.

Até onde se dirigem as taxas nos EUA?

Atualmente a economia norte-americana está quase no ponto definido como meta pela Reserva Federal: o QE está quase a terminar, a taxa de emprego está a cerca de 0,5% de alcançar o seu objectivo e a inflação também está muito perto da meta psicológica dos 2%. Tendo por base os contratos de futuros, da gestora assinalam que o mercado prevê que a primeira subida das taxas aconteça durante o primeiro trimestre de 2015.

“A questão dos prazos da primeira subida das FFTR é crucial para os investidores de obrigações, já que provavelmente terá uma grande repercussão na evolução das obrigações de curto prazo. No entanto, a mais longo prazo o que importará muito mais aos investidores de obrigações e aos mercados financeiros será o nível a que finalmente se estabelece o FFTR quando o ciclo de subidas já tiver terminado”, enfatizam os especialistas da gestora, pois afirmam que vai ser um factor determinante para os rendimentos a longo prazo das obrigações.

Combinando uma previsão sobre a taxa de inflação a longo prazo estimada de 2,0%, um crescimento tendencial da população de 0,5% e um crescimento tendencial da produtividade de 1,8%, os especialistas da Fidelity determinam um nível neutral estimado de 4,3% para o FFTR, uma taxa de juro neutral consideravelmente mais baixa do que a soma a longo prazo antes da crise, cerca de 6,9%, e muito similar às próprias estimativas da Fed. A questão é que da empresa observam que a situação pode piorar, como sintetiza David Buckle, responsável de análise quantitativa da área de obrigações. “Não é difícil conceber cenários mais pessimistas, embora plausíveis, que implicarão níveis “de nova normalidade” mais baixos nas taxas de juro”. Neste caso, o cenário pessimista da Fidelity sugere uma taxa de juro de 2,5%, que apelidam de “mais baixo, mas ainda plausível”.

Europa, rumo à japonização

No caso da Europa, da Fidelity assinalam que é razoável partir de uma taxa de inflação de equilíbrio a longo prazo de 2%, mas, ao contrário dos EUA, a taxa de crescimento populacional é inferior: de 0,5% entre 1950 e 2015 segundo projecções da ONU, que estima que esta poderá entrar em terreno negativo nas próximas décadas, o que os leva a calcular como referência uma taxa de crescimento populacional de longo prazo de -0,1%. Se a isto se somar uma taxa de crescimento da produtividade a longo prazo de equilíbrio de 2,1%, então determinam que a taxa estimada de refinanciamento neutral rondará os 4,0%, similar aos EUA e bastante mais baixa do que a taxa média europeia prévia à crise, de 7,3%. Esta estimativa neutral coincide exactamente com aquela que foi calculada pelo BCE.

Mas neste caso, também existem possibilidades reais de que se materialize um cenário mais pessimista, começando por uma taxa de inflação a longo prazo mais baixa: “O objectivo de inflação de 2% do BCE é, na realidade, mais um tecto do que propriamente um objectivo, sendo a sua finalidade “manter as taxas de inflação inferiores, mas próximas de 2% no médio prazo. Pode usar-se o caso anterior para fundamentar um caminho mais baixo para a taxa de inflação tendencial, de 1,0%”, explicam os especialistas da gestora. Paralelamente acreditam que se pode argumentar que a taxa de produtividade poderá ser mais baixa por causa de uma série de limitações estruturais que também afectam os EUA (o abrandamento do ritmo de inovação, a redução do endividamento…).

Desta forma, combinando todas as estimativas, com uma taxa de crescimento populacional ligeiramente mais negativa (-0,5%) e uma taxa de crescimento da produtividade mais baixa (1%), então a estimativa da taxa de refinanciamento neutral cai apenas até aos 1,5%.

Na posse destes dados, as conclusões da Fidelity são demolidoras. “Embora as estimativas sobre a produtividade sempre tenham estado em debate, os dados demonstram perfeitamente que a Europa tem uma taxa de crescimento populacional estruturalmente mais baixa. Se a isto se somar as baixíssimas taxas de inflação observadas depois da crise, a plausibilidade do cenário pessimista na Europa tem vindo a ganhar credibilidade, ao mesmo tempo que aumentam as comparações com o sucedido no Japão”. A recente queda da rentabilidade das bunds a dez anos abaixo de 1% também não ajuda, já que foi algo que “a dívida pública japonesa a dez anos também experienciou pela primeira vez no início dos anos 2000”.