Leituras para o verão (II): os livros não relacionados com economia recomendados pelos profissionais das gestoras internacionais

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Bahman Farzad, Flickr, Creative Commons

O verão de 2020 promete ser atípico, mas se há algo que não perturba uma pandemia é a leitura. Perante um merecido descanso nestes meses, pedimos às gestoras internacionais algumas propostas de livros. Em seguida, e sem nenhuma ordem em particular, mostramos-lhe os livros não relacionados com economia que os profissionais da indústria de fundos recomendam. Também nos deram boas ideias de leitura económica, que pode encontrar neste artigo.

Our_Man_In_Havana__novel__coverNão se poderá viajar fisicamente como gostaríamos. Assim sendo, Bruno Patain, country head para Portugal e Espanha da Eurizon Capital, tem a solução. Visitar Cuba, Norte de África, e através do tempo, mas dentro de si mesmo, no interior. Como? Através destes três títulos:

  1. Our Man in Havana, de Graham Greene (1958). É um enredo de intriga e espionagem, mas com sátira, que se desenvolve em Cuba no fim dos anos 50, em plena guerra fria e pouco antes da revolução castrista, que já se adivinha. O protagonista é vendedor de aspiradores, abandonado pela sua esposa e que só deseja ter uma vida tranquila com a sua filha adolescente e cuja única preocupação é ter dinheiro suficiente para pagar todos os seus caprichos. Recrutam-no para ser informador dos serviços secretos ingleses (MI6). Vai usar a sua imaginação para justificar o seu pagamento extra. Por causa disso, vão surgir-lhe muitas aventuras inesperadas e, com humor, o autor critica o serviço secreto britânico pela sua inaptidão e pouca profissionalidade dos seus membros, alfo que Greene conhece muito bem porque durante muitos anos da sua vida pertenceu a este serviço secreto.
  2. The Sheltering Sky, de Paul Bowles (1949). A história centra-se num casal originário de Nova Iorque que viaja após a Segunda Guerra Mundial para o deserto do norte de África. A viagem, inicialmente uma tentativa para resolver as suas dificuldades matrimoniais, vê-se rapidamente afetada, sob a impressionante paisagem que os rodeia, pela ignorância dos viajantes sobre os perigos que os rodeiam. No fim, acaba por ser uma viagem interior e uma reflexão profunda sobre a alienação e o desespero existencial.
  3. The Time Machine, H.G. Wells (1895). Uma obra percursora da ciência-ficção, e ainda assim fascinante. É uma síntese dos conhecimentos científicos da época, do maquinismo que fazia furor, e da visão cética do autor sobre os movimentos políticos da sua época, como o auge do Socialismo, a angústia sobre as relações laborais e o conceito da sociedade ideal. O relato descreve um futuro perturbador no qual duas raças, os Eloi e os Morlock, partilham numa distintiva simbologia a Terra do futuro afetada por catástrofes e transformações, mas no qual brilha ainda como esperança, uma pequena luz de humanidade.

Para se inspirar sem se afastar do mundo das empresas cotadas está a autobiografia de Phil Knight, Shoe 51hR57dIpjLDog, da qual nos fala Elena Villalba, diretora geral da Mirabaud Asset Management para a Península Ibérica e América Latina. “Recomendou-me o meu amigo e colega Anu Narula. Uma apaixonante e didática leitura, ideal para estes dias de descanso, que narra a história de sucesso do fundador da Nike. É uma obra carregada de valores; uma injeção de energia e motivação que todos podemos aplicar à nossa vida pessoal e profissional. A perseverança, a paixão e rodear-se de gentes positiva com talento são alguns dos pontos-chave que este visionário não mostra de forma magistral entre as suas páginas. Deixo-vos uma das minhas frases preferidas do livro: “The cowards never started and the weak died along the way. That leaves us, ladies and gentlemen. Us.”

Na realidade, podem tirar-se lições interessantes dos âmbitos mais diversos. Por exemplo, Javier Mallo, responsável da Legg Mason para Portugal e Espanha, propõe Legacy de James Kerr. O livro conta a história de superação dos All Blacks, a seleção oficial de rugby da Nova Zelândia, e a sua aplicação prática no mundo dos negócios. “Gostei especialmente porque ressalta e explica a importância do trabalho em equipa em ambos os mundos: desporto e negócios. Ao mesmo tempo faz referência ao talento individual posto ao serviço da equipa de tal forma que um não funciona sem o outro e vice-versa. Nas suas páginas colocam-se valores como a perseverança e o trabalho árduo, assim como a importância da preparação e do treino para conseguir sucesso no desporto, nos negócios e na vida”, afirma.

Um livro que ajudou Gonzalo Thomé, responsável da Liontrust na Península Ibérica, a fazer a transição do mundo de selecionador a vendas é Como fazer amigos e influenciar pessoas, de Dale Carnegie, um clássico das relações humanas. “É fundamental saber vender não só como comercial, mas é preciso saber vender as nossas ideias à nossa equipa, ao nosso chefe, aos nossos amigos ou ao teu parceiro. Para isso, Carnigie explica as técnicas fundamentais para compreender os pontos de vista dos outros e persuadi-los com os nos nossos argumentos. O livro estrutura-se em quatro partes: regras básicas para tratar dos outros, seis maneiras de agradar, como conseguir persuadir os outros e como ser um líder. É um livro fácil de ler e muito interessante porque cada ensinamento é acompanhado de experiências pessoais e de personagens históricas como John P. Morgan, John D. Rockefeller, Henry Ford ou Benjamin Franklin”, conta.

dsfasfNormalmente quando pensamos em leituras de verão vêm-nos à cabeça um romance fácil de ler, reconhece María García Fernández, diretora de Vendas da EdRAM, mas gostaria de se desmarcar um pouco para recomendar um livro que leu recentemente e que achou muito interessante, além de oportuno dadas as circunstâncias em que vivemos. Trata-se de Meditações, de Marco Aurélio. “Na verdade, é um livro, escrito em forma de diário, que aglutina uma compilação de anotações autobiográficas, meditações e conselhos que dá a si mesmo o imperador romando. Nele, reflete sobre o que deve ser um bom governo e a atitude a adotar em momentos difíceis, conselhos sobre o essencial, a felicidade, a vida… que podemos aplicar todos a título individual, nos tempos tão turbulentos como os que enfrentamos”, explica.

Outro livro que requer paciência e tempo, mas que em última instância é gratificante é a Montanha Mágica, de Thomas Mann. “É levada a cabo num sanatório de tuberculosos alpino durante os anos prévios à Grande Guerra e explora um conjunto de personagens diversas cujo mundo está prestes a ser desenraizado. O livro é hipnótico e após algum tempo não queremos descer da montanha. Disfrute da viagem, mas leve o seu tempo”, conta Sasha Evers, diretor-geral da BNY Mellon IM para a Península Ibérica.

Sèbastien Senegas, responsável da EdRAM para Espanha e Itália, concorda com seu colega que se estamos de férias, temos mais tempo. "Então, proponho um livro com bastantes páginas, mas que adorei: The Brothers Karamazov, de Feodor Dostoeivski", defende. "Este tipo de leitura pode parecer aborrecido, mas é exatamente o oposto: não acontecem muitas coisas, é verdade, como aconteceria com um livro moderno, mas muitas coisas acontecem na mente dos heróis do livro, e é esse aspeto que acho extremamente interessante e também muito profundo, e é por isso que se aprende muito sobre si mesmo. Garanto que é um momento de leitura muito divertido, com uma linguagem muito pura e também com momentos para lembrar, que fazem parte da literatura universal com razão (como a famosa visita de Jesus Cristo em Sevilha no século XVI ... a leitura inesquecível!)”.

Diogo Gomes, Managing Director da UBS AM, fala-nos de Fernão de Magalhães - Para Além do Fim doimage Mundo, de Laurence Bergreen. “Há 500 anos uma frota de cinco barco e mais de duzentos tripulantes navegada circunavegava pela primeira vez a Terra. Em agosto de 1519 Fernão de Magalhães zarpou do porto de Sevilha e liderou a viagem que demonstrou que a Terra era redonda, que as Américas estavam a milhares de quilómetros do continente asiáticos e que os oceanos cobriam a maior parte da superfície do planeta. O mérito a quem se atribui a epopeia não é o mais relevante, mas o facto de que nesta altura a Península Ibérica era o Sillicon Valley do mundo… O relato traz-nos um americano, Laurence Bergreen, que reconstrói, a partir de uma investigação minuciosa, a viagem, fazendo-nos sentir como se estivéssemos a bordo dos barcos”.

Ainda do outro lado do Atlântico, Álvaro Fernández Arrieta, responsável de desenvolvimento de negócio da Capital Group Iberia, propõe América, de James Ellroy. “Um clássico para o verão. O início de uma trilogia que nos leva aos EUA no fim dos anos cinquenta e inícios dos sessenta. Um romance negro que mistura personagens reais e de ficção, e mostra as negras relações entre a máfia, o poder, a lei e a política. Um livro para se deixar entreter no verão e não pensar muito, ou talvez não.

O seu colega, Mario González Pérez, responsável de desenvolvimento de negócio de Capital Group da Península Ibérica, agrada aos amantes dos romances históricos, mas com um olhar mais europeu ao sugerir dois livros. O Segredo de Vesálio, de Jordi Llobregat, um thriller apaixonante com toques históricos baseado na Barcelona do século XIX, concretamente em 1888, dias antes da Expansão Universal. Uma história de crimes 500xe arcanos indecifráveis agilmente narrada por Jordi Llobregat que o vai divertir nas tardes de verão e que não nos deixará indiferentes. Muito recomendável. O segundo, O mundo de ontem: histórias de um europeu, a autobiografia do grande Stefan Zweig, austríaco e um dos escritos mais influentes da Europa no início do século XX. “Um testemunho muito atrativo do nosso passado recente, narrado por um europeu embebido em civilização, cultura e de nostalgia por um mundo, o seu, que se desintegrava perante o seu olhar. Uma radiografia perfeita da história europeia do século XX com a qual ainda temos muito que aprender para evitar cair nos mesmos erros”, assegura.

Para compensar, duas propostas leves e divertidas de Ricardo Comin, diretor de vendas da Vontobel AM na Península Ibérica. 1. Cipotudas Lives, de Jorge Bustos. Trata-se de um livro que analisa a história de 35 personagens espanholas que vão de Viriato a Amancio Ortega. O autor leva-nos numa jornada de séculos de história através de um fio comum a todos eles, o caráter espanhol marcado por um ponto de raiva e algum orgulho e que deu origem a todos os nomes que marcaram, em muitos casos, tanto a história do país como a do mundo. 2. Open, de André Agassi, é uma biografia do tenista americano que conta como, desde o berço, foi forçado pelo seu pai a praticar incansavelmente neste jogo. Agassi chega ao ponto de dizer que odeia o ténis E que, embora não fosse a sua paixão nem um desejo, tornou-se o número um em mais de que uma ocasião. Agassi é um daqueles atletas que nunca deixou de ser lembrado e o seu livro é uma boa leitura que nos fala de valores como o sacrifício, da luta interna e dos objetivos impostos por nós mesmos (ou não). É uma leitura realmente divertida e surpreendente, mesmo que o leitor não seja apaixonado por ténis, como é o meu caso.

Muito atual e para aqueles que conhecem investimentos socialmente responsáveis, Ama Seery, analista de ESG da Janus Henderson, sugere três títulos internacionais:

  1. Talking to Strangers: What We Should Know about the People We Don’t Know de Malcolm Gladwell. Começando por discutir operação STOP de rotina de mulher negra (Sandra Bland) que levou a uma fatalidade, o livro faz o leitor pensar em como nós, como seres humanos, talvez não sejamos tão bons quanto pensamos a detetar uma mentira, ler um rosto ou julgar os motivos de um estranho. Ao pensar em eventos recentes relacionados com o movimento Black Lives Matter, a relevância da capacidade do livro de apresentar alguns argumentos intelectualmente desafiadores sobre como e o porquê de tragédias envolvendo estranhos continuam a ocorrer.
  2. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Happiness de Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein. O livro é sobre como escolher. Focando na perspetiva do tomador de decisão, discutindo o paternalismo libertário, Nudge explora como os humanos tomam decisões e como podemos tomar melhores decisões. Os princípios do livro estão a ser desenvolvidos por meio de eventos recentes relacionados ao ESG e à gestão de ativos. A proliferação do ESG e a rotulagem de sustentabilidade, e os Regulamentos de Taxonomia e Divulgação Sustentável da UE fazem disso uma leitura obrigatória para entender a intenção e o design desses instrumedsfasfntos.
  3. What I Know for Sure de Oprah Winfrey. Durante anos, Oprah Winfrey escreveu uma coluna mensal de sabedoria na O, The Oprah Magazine, chamada What I Know For Sure. Esses vislumbres dos pensamentos de Oprah Winfrey fornecem uma visão do coração e da mente de uma das mulheres mais fenomenais do mundo. Volto a este livro regularmente quando avalio minha própria vida, procurando o aprender com aqueles que vieram antes de mim.

Estes meses também são uma boa oportunidade para cultivar a mente além dos mercados. Por esse motivo, Andre Themudo, chefe do negócio de distribuição da BlackRock em Portugal, Espanha e Andorra, fala sobre 12 regras para a vida: um antídoto ao caos, de Jordan B. Peterson. "Quero recomendar este livro porque é muito útil entender quais informações são básicas e necessárias para poder viver plenamente", defende Themudo. “As páginas levam-nos de um país para outro no mundo, enquanto explicam as doze regras fundamentais que todos devemos saber para ser felizes. Além disso, estas regras são surpreendentes e não são nada semelhantes às regras que se pode imaginar, pois ensinam a não empurrar uma criança que anda de bicicleta ou a aprender a adotar a postura de gafanhotos”. O autor explica estas regras a partir de uma abordagem holística que integra tradições e processos com vários séculos de implantação, com os avanços científicos mais avançados e inovadores. "Espero que as pessoas que lerem este livro no verão gostem de viajar pelos lugares que recria e que aprendam com todas as diferentes culturas de que falam, porque isso ajudará a redescobrir conceitos básicos para desfrutar de uma vida feliz", afirma.

asdasdaRefletir sobre si mesmo é exatamente a proposta de Patricia de Arriaga, sub-diretora geral da Pictet AM na Península Ibérica e na América Latina. Sapiens. De animais a deuses. Uma breve história da humanidade, de Yuval Noag Harari. “Sapiens é uma maneira diferente, sincera e lógica de olhar para a história, onde as verdades que tomamos como garantidas são questionadas e onde nos deparamos com a pergunta: o que é real ou imaginário na história do homo sapiens? É uma mistura de análise, intuição e senso comum quando se trata de contar a história da humanidade que não leio há muito tempo. Recomenda-se a leitura para todos aqueles que não dão nada por garantido e que têm uma mente crítica com o mundo e consigo mesmos", acrescenta.

E não nos devemos esquecer que a leitura pode ter o único objetivo de entretenimento. Por exemplo, com The Enigma in Room 622, de Joël Dicker. Um romance policial do escritor de peças como Os Últimos Dias de Nossos Pais e A Verdade sobre o Caso Harry Quebert. “Suspense magnífico, onde o autor nos transporta para sua Suíça natal e, em primeira pessoa, procura esclarecer um assassinato num hotel de luxo, onde misturas de intrigas financeiras, traição e triângulo amoroso. Vai mantê-lo em tensão até as últimas páginas”, garante Fernando Fernández-Bravo, responsável de vendas institucionais da Invesco.

Também é o que conseguem os quatro títulos que partilha Leonardo López, diretor para a Península Ibérica e América Latina da ODDO BHF Asset Management:

  1. A única história, de Julian Barnes. “Preferias mais e sofrer mais ou amar menos e sofrer menos?” Interessante reflexão com a qual começa esta narrativa.asdasda
  2. La soledad de un cuerpo acostumbrado a la herida, de Elvira Sastre. Interessante coleção de poemas, que aborda coisa como “Se te vais embora, vai com um estrondo… Vai como quiseres, mas vai com estrondo”.
  3. The Inner Game of Tennis, de W. Timothy Gallwey. Passamos da literature em diferentes versões ao crescimento pessoal. “Não é o adversário externo que nos derrota, mas as nossas próprias dúvidas, o nosso próprio medo e a nossa falta de concentração”.
  4. Nicolás, de Francisco Ajates (autoedição www.franciscoajates.es). O terceiro romance do meu amigo da infância Kiko, relato da novela negra que vai tornam as nossas tardes de verão muito mais interessantes.

Rafael Aldama, responsável de vendas institucionais da DWS, propõe ler sobretudo e sobre nada ao mesmo tempo com o Breviario de saberes inútiles, de Simon Leys. “Após esta temporada, na qual nos concentramos em praticamente um único tópico, este livro fala-nos sobre tudo e sobre nada em particular. Trata-se de uma seleção de pequenos ensaios em que Simon Leys, professor universitário da Austrália, despeja o seu vasto conhecimento em diversos tópicos: literatura ocidental, China (na qual ele era um renomado especialista), o mar e até Teresa de Calcutá. Leys segue alguma linha comum? É fiel apenas a uma ideia: o conhecimento mais desnecessário, o conhecimento mais gratuito, é o que constitui a base de nossos valores. Muito divertido”, garante.