Francisco Pires (BPI GA): “Ao termos uma neutralidade de mercado e de fatores escapámos à queda generalizada de quase todas as classes de ativos”

Francisco Pires
Francisco Pires. Créditos: Cedida (BPI GA)

O BPI GIF European Financial Equities Long/Short, da BPI Gestão de Ativos, lidera a lista de fundos nacionais de ações que apresentaram o maior retorno por unidade de risco em 2022. Domiciliado no Luxemburgo, este fundo apresentou um retorno por unidade de risco de 1,63%. Francisco Pires, gestor da estratégia, contou à FundsPeople os fatores que contribuíram para este resultado.

O fundo da BPI GA opera numa filosofia de neutralidade face ao mercado e aos principais fatores de risco e investe em empresas do setor financeiro europeu, “sejam elas bancos, seguradoras, ou outras empresas do setor financeiro”, explica o gestor. O fundo tem, desta forma, uma especialização setorial (e de certa forma também geográfica no espaço europeu) importante para o processo de seleção de ativos. 

Francisco Pires explica que o objetivo do fundo “é proporcionar ao investidor um retorno de baixo risco que seja não só independente dos movimentos de mercado, mas também independente dos principais fatores macro, setoriais ou geopolíticos que tendem a causar oscilações mais relevantes nos mercados financeiros”. Ou seja, querem oferecer um risco baixo e o mais descorrelacionado possível. 2022 foi precisamente um exemplo disso, com muitas classes de ativos mais defensivas a terem perdas significativas, justamente por estarem expostas a um risco fatorial.

Processo de investimento e alocação

O processo de investimento do fundo começa por uma avaliação fundamental dos negócios das empresas do seu universo e respetivas perspetivas de evolução. Além de ouvirem a opinião de analistas, “contactam com as equipas de gestão e analisam a informação financeira disponível”. De acordo com o gestor, esta avaliação permite observar um conjunto de empresas melhor posicionadas e fazer uma seleção das mesmas.

A seguir, ajustam essa seleção para minimizar o mais possível o risco. “Não só o risco de mercado (através de um posicionamento de mercado neutro), mas também o risco geográfico, o risco setorial, o risco de taxa de juro, entre outros”. Assim, vão afinando a carteira nos pesos relativos e na sua constituição até terem reduzido todos estes riscos ao mínimo possível. Segundo Francisco Pires, isto implica que naturalmente surjam alguns pair trades, embora isso não seja algo que procuram no processo de análise. O gestor afirma ainda que “o importante é a resistência do portefólio como um todo a choques e alterações nas principais variáveis macro, nas várias geografias, onde cada instituição opera, etc.”.

Como sabido, 2022 ficou marcado por dois grandes eventos: a guerra na Ucrânia e o regresso da inflação. Isto provocou quedas acentuadas, não só nos mercados acionistas, mas também nos mercados de dívida. Estes fatores tiveram impacto nos ativos em que o fundo investe, mostrando, segundo o gestor, a importância de construir carteiras efetivamente descorrelacionadas. “Ao termos uma neutralidade de mercado e de fatores, escapámos não só à queda generalizada de quase todas as classes de ativos, mas também aos impactos mais severos que afetaram muitas carteiras market neutral”, afirma Francisco Pires, acrescentando que isto se deve ao facto de não terem enviesamentos geográficos ou setoriais que pudessem sofrer por uma maior exposição ao conflito, ao preço da energia ou à alteração de circunstâncias macroeconómicas.

É comum alguns fundos de market neutral estarem, por exemplo, longos em empresas de maior crescimento e curtos em empresas mais maduras. Apesar da neutralidade de mercado, estes fundos podem apresentar perdas significativas em momentos de viragem de ciclo, porque maior crescimento implica uma maior sensibilidade à variação das taxas de juro, como nos relembra o profissional. Mas esses momentos de stress, choques macro, ou pontos de viragem, segundo o gestor, não afetaram a performance do fundo da BPI GA, e acrescenta ainda que “para lá do retorno positivo por unidade de risco, é importante que tenhamos conseguido que esse risco não possa ser explicado por nenhum dos grandes fatores macro”.

O BPI GIF European Financial Equities Long/Short tem, normalmente, “uma exposição muito próxima dos 0%, podendo oscilar entre os -10% e os +20%”, mas, na realidade, nunca se desviando muito dos 0% a 5%, refletindo o seu posicionamento bastante neutro. Francisco Pires explica que a variação da exposição líquida tem a ver mais com a convicção das ideias num dado momento, do que com as perspetivas da entidade sobre a evolução do mercado. “Acompanhamos o mercado acionista diariamente há muitos anos e é normal termos opiniões e discutirmos a sua evolução futura, mas também é importante termos consciência de que a probabilidade dessa opinião ser mais informada que a média do mercado é bastante reduzida”, afirma. 

Assim, a equipa de investimentos não faz ajustes à exposição líquida do fundo com base nas suas expetativas para o mercado, preferindo manter a carteira o mais neutra possível.

A importância da cibersegurança no espaço ESG 

Além do compromisso muito forte da entidade com uma política de investimento sustentável, em 2022 Francisco Pires recebeu a certificação CESGA, o que implicou um estudo mais aprofundado das matérias ESG. A análise de fatores de sustentabilidade social e ambiental faz, por isso, “parte dos critérios de análise de risco/balanço, seja nos bancos, seguradoras, ou casas de investimento” que analisam. Nesse sentido, uma exposição a indústrias de alta intensidade carbónica é vista pela entidade como uma exposição em maior risco de imparidade. “Temos hoje informação detalhada sobre estas exposições nos relatórios não financeiros que são de publicação obrigatória para empresas cotadas. Temos noção que a informação ainda não tem a qualidade necessária para que tenhamos um processo de decisão bem informadas”. Outro ponto-chave para a sustentabilidade, e que Francisco Pires considera que ainda é bastante subavaliado por quem investe no setor financeiro, é a cibersegurança. “Mais transparência e informação seria bem-vinda. Mas tudo isto é um caminho que está a ser percorrido e tem de ser feito. A sustentabilidade energética e social é um fator central e já não irá desaparecer do mundo financeiro”, diz o gestor. 

Expetativas para 2023

Francisco Pires considera que no setor financeiro, e nos bancos em particular, há áreas interessantes a explorar. “Acreditamos que a melhoria nas receitas resultante do aumento das taxas de juro no lado do ativo (empréstimos a taxa variável ou equivalentes) já está, de forma geral, bem antecipada pelos analistas”, acrescentando que é possível que se esteja a sobrestimar o correspondente aumento das taxas pagas nos depósitos.

“Vemos que a liquidez existente é ainda bastante ampla e os rácios de transformação bastante baixos, sobretudo se considerarmos que o abrandamento económico reduzirá também a produção de novo crédito em 2023”. Assim sendo, o gestor acredita que será um ano em que instituições com bases largas de depositantes terão alguma vantagem.

Nas restantes variáveis, e sendo inevitável uma subida de custos perante a inflação atual e alguma pressão nas comissões, Francisco Pires destaca ainda a questão das provisões. “Penso que há aí algum espaço para surpresas positivas na evolução esperada do malparado e consequente necessidade (ou não) de constituir provisões mais significativas. Não só porque os dados mais recentes apontam para um abrandamento mais suave na zona euro, mas sobretudo porque o endividamento das famílias é notoriamente mais baixo que na crise anterior”, afirma. 

Do lado do crédito a empresas, têm ainda uma percentagem muito grande dos livros de crédito com garantias governamentais, que chega perto dos 30% em países como Espanha e Itália. E têm também muitas provisões constituídas preventivamente para fazer face à pandemia de Covid-19 que não foram ainda usadas. “Na Europa, apenas cerca de 33% destas provisões foram revertidas (vs. 92% nos EUA), o que dá algum conforto adicional. Dito isto, haverá certamente áreas de alguma preocupação e isto é algo em que estamos a trabalhar bastante, sobretudo em subsegmentos como leveraged finance, private debt / private equity, real estate comercial ou crédito ao consumo”, conclui o gestor.