As gestoras internacionais fazem uma extensa análise da forma como uma nova administração republicana irá afetar as principais classes de ativos. Em destaque: a Europa, a China, a parte da longa da curva, os emergentes e o petróleo.
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A vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas desencadeou um rally nos principais ativos de risco. Depois de sessões de muito movimento nos mercados e com tempo para digerir a notícia e as suas implicações, as gestoras internacionais fazem uma extensa análise sobre a forma como uma nova administração republicana irá afetar as principais classes de ativos. Em destaque: a Europa, a China, a parte longa da curva, os emergentes e o petróleo.
Ações: impacto díspar
Excluindo a bitcoin, as ações foram uma das classes de ativos que mais celebraram a reeleição de Trump. “A narrativa do excecionalismo norte-americano continua intacta, se não mesmo reforçada, em relação ao resto do mundo. Consideramos encorajador que o mercado de ações norte-americano continue a alargar-se fora do setor tecnológico de elevada capitalização”, afirma Rebekah McMillan, gestora de carteiras associada na equipa Multi-Asset da Neuberger Berman. O seu foco mantém-se: procuram setores com ventos estruturais favoráveis, empresas diferenciadas com exposição a megatendências seculares, temas e facilitadores (IA generativa, transformação digital) e, sobretudo, estão a apostar em equipas de gestão que podem navegar de forma dinâmica nos próximos quatro anos.
Dentro da classe de ativos, as small e mid caps são um dos segmentos que mais poderão beneficiar, afirmam as gestoras. “Especialmente se a nova administração reduzir a regulação e adotar uma postura mais suave em matéria de fusões e aquisições. As pequenas empresas mostraram-se cautelosas antes das eleições, pelo que uma maior clareza política poderá levá-las a repor inventários e a aumentar a despesa empresarial”, explica Tim Murray, estratega de Mercados de Capitais da divisão de Multiativos da T. Rowe Price.
Da etapa Trump 2.0, Thomas Mucha, estratega geopolítico na Wellington Management, espera uma abordagem mais transacional e mais robusta da política externa dos EUA. Ou seja, uma maior dependência das negociações bilaterais, com menos ênfase nas implicações estratégicas a longo prazo (um grande afastamento da abordagem mais multilateral da administração Biden, comenta o especialista), e um enfoque acelerado na defesa/segurança nacional em todos os âmbitos. Tudo isto continua a apoiar os temas de investimento em segurança nacional a longo prazo, incluindo a defesa tradicional, a inovação em defesa e, em particular, a adaptação às alterações climáticas, uma vez que provavelmente haverá menos incentivos no sentido da descarbonização a nível federal nos
Mas nem tudo são ventos favoráveis para as ações norte-americanas. Será essencial analisar de onde vêm os lucros empresariais de cada empresa. “Os planos para aumentar as tarifas sobre as importações da China e outros países podem ter um impacto significativo, embora não extremo, nos lucros dos EUA, de cerca de 7%, alguns dos quais podem ser compensados por cortes nos impostos”, sublinha Arun Sai, estratega Multiativos na Pictet AM. O impacto pode não ser uniforme por setores. Segundo os seus cálculos, será maior nos setores do consumo discricionário, consumo básico e setores industriais.
Não obstante, a tecnologia, os serviços públicos e o setor financeiro nos EUA são considerados setores atrativos para o investimento segundo Mark Haefele, diretor de Investimentos da UBS WM, reconhecendo que a vitória de Trump pode intensificar os receios do impacto das tarifas nas receitas das empresas de hardware e semicondutores, embora o crescimento estrutural do setor a médio prazo permaneça sólido. Quanto à Europa, “as ações cíclicas expostas à China enfrentam riscos consideráveis, uma vez que em episódios anteriores da guerra comercial entre os EUA e a China estas ações sofreram quedas médias de até 10%”. Acrescenta ainda que uma possível retirada de iniciativas de energia verde dos EUA poderá ter impacto nos setores industriais e de serviços públicos europeus.
Obrigações: pressão sobre os vencimentos longos
As curvas acentuaram-se nas primeiras horas durante e após a contagem dos votos, e continuaram a acentuar-se durante toda a quinta-feira. A previsão de Jonathan Mondillo, responsável global de Obrigações da abrdn, é que esta tendência continuará a longo prazo, sobretudo para os vencimentos a muito longo prazo, onde haverá uma pressão ascendente sobre os rendimentos. Naturalmente, os especialistas da DWS também estão preocupados com o facto dos rendimentos a curto prazo poderem também estar sob alguma pressão, dada a perspetiva de menos cortes de taxas por parte da Reserva Federal.
Como alerta a Loomis Sayles (filial da Natixis IM), o governo norte-americano enfrenta um abismo fiscal no final de 2025, quando expiram as principais reformas aprovadas no TCJA. “Esperamos que o iminente abismo fiscal domine o debate governamental no próximo ano. Além disso, o governo de Trump terá de aumentar o teto da dívida federal antes de meados de 2025”, preveem.
Desta forma, Chris Iggo, diretor de Investimentos Core na AXA IM, acredita que, uma vez mais, a história fundamental seria a suposta preferência de Trump por políticas que seriam fiscalmente expansivas e inflacionistas e se isso impedirá que a Fed corte as taxas de juro tanto como o mercado esperava. “Pode dizer-se que o crescimento está acima da tendência e que a inflação continua acima do objetivo, pelo que a Fed poderá ter de manter as taxas no lado mais restrito da neutralidade durante mais tempo”, afirma.
O resultado das eleições poderá introduzir, a curto prazo, uma volatilidade bidirecional nos mercados de obrigações, avisa a UBP. Não só relacionada com os 50 pontos base de cortes de taxas que os mercados ainda esperam até ao fim do ano, mas também em torno da perspetiva do fim do endurecimento quantitativo. Como resultado, a gestora continua a acreditar que moderar a exposição às taxas de juro nas carteiras de obrigações continua a ser prudente, favorecendo estratégias de arbitragem de elevados rendimentos/carry e valor relativo para ajudar a atenuar a volatilidade das obrigações perto dos níveis mais altos observados no século XXI.
Dólar norte-americano
Para a equipa de Strategy e Insights Group da MFS também é evidente que o dólar poderá aumentar os seus ganhos a médio prazo, uma vez que, historicamente, a moeda do país que impões tarifas tende a valorizar-se face ao país cujos bens são sujeitos a taxas. Assim, o EUR/USD, USD/CNY e USD/MXN são algumas das divisas que devem ser monitorizadas, dado que a Europa, a China e o México estão na mira das tarifas de Trump.
Europa
O impacto na Europa e nos seus mercados também tem sido outro foco de preocupação. Como vimos na primeira sessão após os resultados, os índices europeus abriram a sessão em alta, mas, após a abertura dos mercados norte-americanos, deram a voltam e fecharam no vermelho.
No entanto, especialistas como Marc Pinto, responsável de Ações Américas, e Lucas Klein, responsável de Ações EMEA e Ásia-Pacífico, da Janus Henderson Investors, acreditam que a realidade terá mais nuances. “Embora existam receios quanto ao impacto das tarifas nos mercados não norte-americanos, em geral, acreditamos que são exagerados no que respeita à Europa. Também acreditamos que um dólar forte é geralmente bastante positivo para os exportadores europeus e japoneses”, argumentam.
Já Thomas Hempell, da equipa de Análise Macro e Mercados da Generali AM, não está tão positivo, salientando que uma tarifa geral de 10% sobre as importações seria uma mudança de jogo que se somaria aos ventos contrários fiscais e estruturais da economia da zona euro “e poderá reduzir em pelo menos 0,2 pontos percentuais a nossa previsão de crescimento do PIB de 1,0% para 2025”.
Por sua vez, Pablo Duarte, analista sénior do Instituto e Investigação Flossbach von Storch, assinala que “a depreciação do euro também irá gerar uma maior pressão inflacionista devido ao aumento dos custos dos bens importados, especialmente energia e matérias-primas, exacerbando assim o risco de estagflação na região”. O profissional acrescenta que, sem reformas estruturais que promovam a produtividade e o crescimento, a zona euro terá dificuldades em acompanhar o ritmo da economia norte-americana.
Assim, a DWS assinala que também será preciso monitorizar o impacto nas obrigações europeias, uma vez que o mercado poderá assistir a maiores défices. A entidade considera provável que as curvas das obrigações governamentais básicas da zona euro (a dois e a 10 anos) sofram uma inclinação, uma vez que as tarifas poderão ser consideradas negativas para o crescimento e levar a mais cortes de taxas dos que os previstos até agora.
Emergentes
Os mercados de divisas apontam para uma valorização do dólar, repercutindo em algumas moedas emergentes, especialmente as que podem ser impactadas pelas políticas protecionistas de Trump – como o peso mexicano e o yuan chinês – com movimento de queda, bem como fatores internos como a reforma do poder judiciário no México. Neste sentido, Mali Chivakul, economista de mercados emergentes da J. Safra Sarasin Sustainabele AM acredita que “assim que os detalhes sobre a dimensão e o calendário das tarifas estiverem mais claros, esperamos que as divisas emergentes, especialmente o yuan chinês e o peso mexicano, enfraqueçam ainda mais”, o que também terá um impacto nos mercados de ações locais, como já se começa a sentir neste momento.
O caso óbvio, observa Fabiana Fedeli, diretora de Investimentos em Ações, Multiativos e Sustentabilidade na M&G, seria a China, assumindo que Trump impões tarifas de 60% ou mais a todas as importações do país. “Dito isto, as empresas chinesas estão muito mais preparadas para as tarifas do que estavam na última administração de Trump, uma vez que muitas mudaram as instalações de produção e os mercados finais para fora dos Estados Unidos”, contra-argumenta a especialista. Além disso, esta semana realiza-se a Assembleia Popular Nacional e o mercado espera um anúncio sobre a dimensão de um pacote de estímulo. Fabiana Fedeli suspeita que a vitória de Trump irá despoletar um grande pacote por parte das autoridades chinesas.
No entanto, para Michäel Vander Elst, gestor da DPAM, os mercados emergentes continuam a destacar-se como uma classe de ativos atrativa dentro das obrigações. “O spread de crescimento entre as economias avançadas e as emergentes continua a ser favorável; os atuais rendimentos e o carry são especialmente atrativos. Em comparação com as obrigações corporativas norte-americanas high yield e investment grade, a dívida dos mercados emergentes oferece um valor convincente. Os mercados fronteiriços acrescentam outra capa de diversificação devido à sua baixa correlação com os mercados emergentes em geral e aos seus riscos idiossincráticos únicos”, argumenta.
Matérias-primas
O comportamento dos preços das matérias-primas é influenciado por vários fatores económicos, políticos e estruturais. Marcus Garvey, responsável de Estratégia de Matérias-Primas na Macquarie, explica que, embora a relação entre o dólar e as matérias-primas seja frequentemente inversa, as alterações nos preços dependem mais de fatores macroeconómicos subjacentes. Segundo o especialista, as tensões geopolíticas no Médio Oriente ou na Ucrânia podem gerar interrupções inesperadas no abastecimento. A procura, em particular de metais e matérias-primas, será mais sensível a estímulos internos da China do que ao petróleo.
Stephen Dover, diretor do Instituto Franklin Templeton, destaca que as perspetivas para os preços das matérias-primas apresentam sinais mistos. A crescente tendência de apoio à indústria petrolífera norte-americana e a expetativa de uma oferta em expansão podem exercer pressões adicionais sobre os preços do petróleo, acentuadas ainda mais pela força do dólar. No entanto, uma reativação do crescimento global poderá aumentar a procura destes produtos, beneficiando particularmente os setores da energia e materiais básicos.
Nesta linha, Arun Sai, estratega multiativos na Pictet Asset Management, observa que, embora o ex-presidente Donald Trump tenha sido um firme defensor da produção energética dos Estados Unidos e tenha expressado posições contra as energias renováveis, um aumento do abastecimento interno da energia não provocará necessariamente uma redução notável dos preços dos combustíveis. Isto porque é provável que a procura de petróleo se mantenha sólida durante um longo período de tempo, o que poderá mesmo contribuir para pressões inflacionistas.
Quanto ao valor refúgio, a equipa global de Multiativos da AllianzGI, liderada por Greg Hirt, afirma que “o ouro pode continuar a ser a escolha preferida como cobertura contra a incerteza geopolítica”. Se houver um potencial enfraquecimento do dólar, “por estar em máximos”, como afirmam Mark Haefele, “o ouro poderá registar mais subidas”. E outro potencial fator que poderá impulsionar o ouro e debilitar o dólar é que, num contexto de aumento da dívida (como seria o caso dos EUA), “o ouro mantém o seu papel numa carteira diversificada contra os riscos do sistema financeiro e monetário, embora Trump tenha querido dizer outra coisa com o termo idade de ouro”, afirma Tobias Schafföner, responsável de Multiativos na Flossbach von Storch.
Riscos
No entanto, a euforia inicial esconde o facto de ainda existirem riscos no cenário que o mercado começa a descontar. Como bem recorda Alexis Bienvenu, gestor da La Financière de l’Échiquier (LFDE), se a Câmara não for republicana, os cortes de impostos sobre as empresas estarão em dúvida. Além disso, considera provável que os impostos sobre a importação que Trump prometeu aplicar desde o início da sua presidência – que só começa a 20 de janeiro – se revelem dispendiosos para as empresas norte-americanas que importam produtos do estrangeiro, em particular da China, para utilizá-los na sua cadeia de valor. “Para algumas empresas transformadoras, é provável que o impacto seja negativo”, sublinha. Isto poderá repercutir-se nos consumidores, se os aumentos de custos forem repercutidos nos preços de venda aos clientes norte-americanos.
Embora Evan Brown, responsável de Estratégia Multiativos da UBS AM, seja construtivo no que diz respeito aos ativos de risco até ao final do ano e em 2025, não acredita que veremos a mesma escala de rendimento dos ativos de risco que se seguiu à vitória de Trump em 2016 e até ao final de 2017. “As valorizações são materialmente mais elevadas, a situação fiscal dos EUA é mais preocupante e os ventos favoráveis dos cortes fiscais serão mais incrementais em comparação com o primeiro mandato de Trump”, explica. “Além disso, Trump ameaçou ser muito mais ousado no aumento das tarifas, bem como no abrandamento ou mesmo reversão da imigração – ambos são choques de oferta negativos que poderão reduzir o crescimento e pressionar a inflação”. O especialista vê riscos claros de que abordagens mais draconianas tenham um efeito prejudicial na economia e nos mercados.