Num importante discurso dirigido aos cerca de 130 profissionais presentes no primeiro Fórum de Gestão de Ativos, a vice-presidente da CMVM falou da evolução dos fundos e das sociedades gestoras, mas também dos desafios que estas enfrentam atualmente.
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O encerramento do primeiro Fórum de Gestão de Ativos da FundsPeople ficou a cargo de Inês Drumond, vice-presidente da CMVM. Da sua apresentação, que pode ser consultada aqui, destacaram-se várias mensagens importantes dirigidas ao mercado, nomeadamente a compreensão sobre os desafios das sociedades gestoras mais pequenas e, ainda, pistas sobre como dinamizar o mercado de capitais e a indústria de gestão de ativos.
Iniciando com uma nota favorável, a vice-presidente da CMVM começou por referir que a gestão de ativos nacional tem tido “um desenvolvimento bastante positivo”. Desde 2021 até 2023, e tendo em conta ainda o primeiro semestre de 2024, Inês Drumond salientou a existência de “uma tendência bastante favorável ao nível da criação de novas sociedades gestoras, especialmente em 2023”. Partilhando do que já havia sido referido por João Pratas, também a responsável do supervisor acredita que não existem dados suficientes para se testar a existência de “uma relação de causalidade entre a entrada em vigor do novo Regime da Gestão de Ativos (RGA) e o aumento observado no número de entidades gestoras”. Ainda assim, acredita que “a simplificação regulatória, subjacente ao RGA (e respetiva regulamentação), não colocando em causa a proteção dos investidores, é um catalisador que permite o desenvolvimento do mercado de capitais”.
Relativamente aos fundos existentes no mercado, a responsável também apontou um caminho favorável, “quer ao nível do número de fundos, quer ao nível do seu valor líquido global”. Não querendo, mais uma vez, estabelecer relação entre a entrada em vigor do RGA e o aumento do número de fundos, a responsável enfatizou uma “trajetória positiva, quer ao nível dos fundos mobiliários, quer imobiliários e de capital de risco”.
Porém, se é certo que esta trajetória é muito positiva, de acordo com Inês Drumond, há que ter em conta que o ponto de partida, quando comparado com outras fontes de financiamento, é reduzido. Um ponto que na opinião da responsável liga com este, é o da ainda grande dependência que as empresas têm do setor bancário.
Sociedades pequenas mais condicionadas
Um segundo ponto que para a vice-presidente da CMVM é de sublinhar - e que condiciona as sociedades gestoras - é a reduzida dimensão média dos fundos nacionais, mas também das próprias gestoras.
“Apesar de se notar um ligeiro aumento do VLG médio por OIC no caso dos fundos mobiliários e imobiliários, no que diz respeito ao capital de risco este valor tem vindo a decrescer. A 30 de junho de 2024 estes valores ascendiam a 102, 55 e 29 milhões de euros, respetivamente”, salienta. Quando o assunto são as sociedades gestoras, Inês Drumond lembrou que há também “uma grande quantidade de sociedades gestoras cujo valor que gerem é muito reduzido. No final de junho de 2024, quase 20% das sociedades gestoras geriam um VLGF inferior a cinco milhões de euros, 57% geriam menos de 100 milhões de euros e, apenas 13% geriam um montante acima dos 500 milhões de euros”.
Para a representante da CMVM, estes números trazem constrangimentos às sociedades gestoras, nomeadamente às mais pequenas. “Sociedades mais pequenas tendem a ter maior dificuldade em diluir custos de estrutura, o que, em última instância, impactará a rentabilidade líquida dos fundos e o value for money oferecido ao investidor”.
Relevância da sustentabilidade do modelo de negócio
Do lado da regulação produzida, Inês Drumond destacou aos presentes no Fórum de Gestão de Ativos a introdução, em janeiro de 2025, do regime DORA, que se associa aos desafios que a tecnologia traz ao setor. Destrinçando mais uma vez a questão da dimensão das sociedades gestoras, a vice-presidente da CMVM destacou que “a regulação deve ser sempre aplicada tendo em conta o princípio da proporcionalidade”. Assim, salientou que muitas das entidades que a CMVM supervisiona “não estarão sujeitas ao DORA, dada a sua dimensão reduzida. Mas o cumprimento das exigências pelas entidades que estão acima dos limites de aplicabilidade exige também recursos e escala para permitir nela diluir os custos associados”.
No contexto de uma Europa que se quer cada vez integrada, com necessidade de escala, onde movimentos transfronteiriços podem assumir bastante relevância, a vice-presidente da CMVM clarificou que o foco do supervisor “não passa por interferir na gestão das próprias sociedades gestoras”, acrescentando que “o nosso foco, numa perspetiva prudencial, é a avaliação da sustentabilidade dos modelos de negócio, num contexto desafiante, também caracterizado pela necessidade de as entidades se modernizarem e acompanharem os processos de transformação, como seja o digital”. A vice-presidente da CMVM alertou: “vemos como muito positivo o dinamismo que o setor está a observar, mas temos igualmente de garantir que por detrás desse dinamismo estão modelos de negócio sustentáveis, que tornem também sustentável o desenvolvimento do mercado de capitais”.
Dinamização do mercado de capitais
Por fim, Inês Drumond evidenciou outros fatores que poderão desempenhar um papel relevante na dinamização do mercado de capitais, apontando a componente fiscal como um desses fatores. Nesse campo, a responsável da CMVM referiu, a título de exemplo, “o impacto muito positivo que as denominadas Investment Saving Accounts tiveram em países como o Reino Unido e a Suécia”.
Mas há outros fatores que permitem desenvolver o mercado: “Do lado dos investidores, questões como o value for money dos instrumentos financeiros poderão assumir particular relevância, ao permitir confrontar a adequação do retorno esperado dos produtos financeiros e da sua estrutura de custos e comissões, não apenas face às despesas suportadas pelos intermediários financeiros, mas também às próprias características dos investidores e ao mercado-alvo em causa”. A expetativa da CMVM a este respeito é que as entidades supervisionadas “adotem uma abordagem que tenha em atenção o investidor, que se procure evitar a complexidade desnecessária, o misselling e a geração de disparidades excessivas entre as expetativas dos investidores e os retornos efetivamente conseguidos pelos produtos”, sem, contudo, colocar em causa “o dinamismo e competitividade da indústria nacional”.
A par dos desafios e oportunidades decorrentes da transição energética e digital, a vice-presidente da CMVM lembrou também que o atual contexto demográfico – de aumento da esperança média de vida à nascença e de uma significativa queda da taxa de substituição bruta -, cria uma necessidade cada vez mais relevante de constituição de poupanças de médio/longo prazo e, nesse sentido, gera também oportunidades para a criação de novos instrumentos financeiros que captem e capitalizem essas poupanças. “O mercado de capitais pode e deve ter um papel a este nível, uma vez que oferece soluções diversificadas para a afetação das poupanças, frequentemente com taxas de rentabilidade de médio/longo prazo superiores a outros tipos de produtos, como demonstrado por um estudo recente da CMVM.”
Enfatizou também que, no âmbito da gestão de ativos, existem produtos financeiros que podem ter um papel relevante neste âmbito, permitindo também o estímulo da poupança de longo prazo, destacando os denominados European long-term investment funds (ELTIF), um tipo de instrumento de investimento coletivo, criado mediante regulamentação europeia e que, como tal, pode beneficiar de um passaporte europeu, permitindo também aos seus participantes investir em empresas e projetos que necessitem de capital de longo prazo, isto é, numa ótica de project finance.
Relativamente ao desenvolvimento do mercado de capitais, “se, de facto, acreditarmos que podemos caminhar para um novo equilíbrio, mais sustentado a nível do financiamento das empresas e das aplicações financeiras dos investidores, é necessário ter uma visão consistente sobre o tema e adotar medidas que façam sentido no seu conjunto. Uma visão comum e uma vontade partilhada são ingredientes indispensáveis para alcançar este desejado equilíbrio”, concluiu Inês Drumond.