Inflação: demónio ou sinal de que a economia está viva?

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Créditos: Rasam Rostami (Unsplash)

Inflação, inflação e mais inflação. Neste primeiro trimestre de 2021, esta tem sido uma palavra na ordem do dia nos temas de conversa dos investidores. De facto, é consensual entre muitos profissionais o receio de uma pressão inflacionista. Num artigo de opinião na FundsPeople, Carlos Bastardo, general manager da Imofundos, referia que “numa altura em que todos desejamos o controlo pandémico para que a economia mundial possa recuperar e sobretudo na Europa, devemos começar a estar atentos à evolução da inflação nos próximos meses”. A pressão em alta sobre as taxas de juro de mercado e um incremento da volatilidade nos mercados acionistas fizeram soar alguns sinais de alarme entre os profissionais.

Nesse sentido, a FundsPeople reuniu as opiniões de alguns profissionais de gestão de ativos nacionais sobre os riscos (ou não) de uma pressão inflacionista, como esta pode vir a impactar os mercados e como melhor posicionar a carteira se se materializar realmente esse cenário. No fundo, as opiniões dos profissionais inquiridos variam. Para uns é evidente que a inflação irá subir. Para outros, esse cenário não é assim tão evidente.

Jorge Silveira Botelho, CIO da BBVA AM Portugal, é um dos profissionais que acredita que apesar da maior coordenação entre Bancos Centrais e governos no que se refere aos estímulos monetários e fiscais, esta não será suficiente para conseguir mudar as tendências deflacionistas do passado. “Vamos poder ter alguns episódios esporádicos de alguma maior inflação via a subida dos preços das commodities, por um desfasamento temporário da capacidade de produção, ou pelo  aumento temporário do consumo privado derivado de uns  cheques recebidos, mas que não se repetem”, coloca.

Quais as causas, os fatores e as consequências?

Para Emanuel Vieira, CFA, consultor de investimentos da Partners2U, “embora a inflação no consumidor ainda não seja um tema premente num horizonte de curto prazo, as consequências das expansões monetárias e orçamentais tenderão a ter o seu efeito a longo prazo. Nesse sentido, as expectativas implícitas nas break even inflation rates já incorporam uma parte de um movimento que ainda poderá ter algum caminho para andar, especialmente nos Estados Unidos”.

Assim, segundo o profissional, entre o conjunto de possíveis fatores favoráveis a um ciclo de subida de preços está o aumento da velocidade do dinheiro, a China que poderá inverter o papel de exportador de deflação, a pandemia que causou interrupções nas cadeias de fornecimento e que deve levar a uma pressão inflacionista do lado da oferta e, por último, a maior tolerância da Fed com a inflação. “Neste contexto, se realmente se confirmar um cenário de forte crescimento económico a curto prazo e aumento dos preços acima do esperado, as expectativas inflacionistas podem subir. Tal cenário deverá ter implicações nas taxas de juro de mercado (subida das mesmas), o que é negativo para as obrigações com maturidades mais elevadas e, por seu lado, poderá ser negativo para empresas cuja avaliação assenta em inúmeros anos de resultados (habitualmente enquadradas no fator growth)”, diz Emanuel Vieira.

A atenção à velocidade do dinheiro

FranciscoFalca_Hawkclaw Capital Advisors

Por outro lado, Francisco Falcão, CIO da Hawkclaw Capital Advisors, afirma que embora considerem possível “um aumento da inflação advindo do efeito de base comparativa, da disrupção das cadeias de abastecimento e do aumento dos custos das matérias-primas”, julgam “improvável que esta dinâmica perdure”. As justificações para esta afirmação são bastante claras para o profissional. A primeira é a retoma económica, que “contribuirá para a normalização, não só da procura agregada, mas também da oferta, por via do aumento da mobilidade e da migração”, diz. Adicionalmente, também a recuperação do consumo e o aumento da competitividade, “com o revigorar da globalização (flatter Phillips curve) e o fim das restrições às exportações impostas durante o período da pandemia”, poderão ser fatores justificativos.

Neste sentido, o profissional acrescenta que “quanto às implicações inflacionistas decorrentes do crescimento da massa monetária, consideramos que apenas haverá motivo para preocupação quando se registar um aumento significativo da velocidade do dinheiro”. Nesse caso, quais serão os possíveis riscos de inflação? Aos olhos do profissional, esses riscos decorrem de potenciais erros futuros de política monetária, ou ainda de uma política fiscal desajustada.

Francisco Falcão não deixa de referir as suas expectativas e o posicionamento da carteira. “Em termos regionais, permanecemos positivos na América do Norte e Ásia, sendo que em termos setoriais preferimos indústria, materiais e financeiras. Em termos obrigacionistas, o crédito deverá prevalecer face a duration”, revela.

A inflação irá subir, mas será um problema?

“Claro que a inflação irá subir, e os números já comprovam isso, mas mais por via dos efeitos de base”, introduz Inês Castro, responsável de seleção de fundos da DWM do Millennium bcp. Se assim for, será um problema? Para a profissional não. “Não acreditamos que suba ao ponto de se tornar um problema, ao nível de provocar um grande choque nas outras classes de ativos. Os bancos centrais não o vão permitir”, ressalva.

Apesar da Fed e do BCE já terem demonstrado que poderão tolerar níveis de inflação mais elevados, Inês Castro vê as expectativas de inflação bem ancoradas. Ou seja, “as expectativas de inflação, medida pelas forward 5y5y encontra-se em torno dos 2% na Alemanha e 2,2% nos EUA. A inflação poderá superar esses valores, mas são mais as expectativas que movem o mercado”, sentencia. Neste caso, “o aumento da inflação terá menos impacto a nível das taxas nominais e o aumento das expectativas de inflação, a acontecerem, serão refletidas em taxas de juro reais mais baixas (ou mais negativas)”, esclarece.

A opinião de Miguel Taledo de Sousa, diretor de investimentos da sucursal portuguesa da Bankinter Gestión de Activos parece ir no mesmo sentido. Contudo, o profissional da Bankinter GA vê de forma dicotómica este cenário entre EUA e Europa. “No universo dólar teremos, certamente, inflação. À medida que a economia aquecer, veremos pressões a acumular nos EUA, algo que provavelmente não veremos de forma tão evidente na Europa. Na Europa, a inflação que veremos será mais resultado do efeito de base e algo mais do lado das commodities. Não creio que com mais de 8% de taxa de desemprego na Europa seja possível que se crie inflação sustentada no tempo, por um aumento do consumo dos agregados familiares”, coloca.

Como resultado destas expectativas, a equipa da Bankinter GA tem adicionado duration no universo euro dos seus portefólios. Já relativamente ao dólar, “estamos muito mais cautelosos, porque acreditamos que a subida das yields veio para ficar, não só por causa da real subida da inflação que uma economia forte, como a dos EUA gera, como pelos desequilíbrios fiscais que os projetos planeados pela administração Biden podem vir a produzir”, admite.

Por fim, Miguel Taledo de Sousa conclui ao deixar uma observação: “alguém disse que uma economia saudável cria inflação. Não podemos olhar para a inflação como um demónio que não queremos ver. Alguma inflação é positiva, porque mostra que a economia está viva”.