Javier Ruiz (Flossbach von Storch): “É hora de aplicar o bom senso”

Javier Ruiz. Créditos: Cedida (Flossbach von Storch)

Passaram-se cinco anos desde que a Flossbach von Storch decidiu confiar em Javier Ruiz para desenvolver o seu negócio na Península Ibérica. Durante todo este tempo, tanto o diretor de Vendas para Portugal e Espanha como a sua equipa conseguiram posicionar a boutique alemã no grupo selecionado de grandes gestoras estrangeiras na região, com um património que, segundo dados do barómetro publicados pela FundsPeople, ronda hoje os 2.500 milhões. Conseguiram-no com uma gama muito reduzida de fundos que se destacam pelos seus bons resultados em termos de rentabilidade-risco (quase todos têm Selo FundsPeople 2021 pela sua classificação de Consistente).

“Parte do sucesso vem da proposta de valor oferecida pela gestora que se adequa muito bem às necessidades do cliente. O nosso discurso é muito claro. Gerimos a partir do senso comum e não fazemos promessas que não podemos cumprir. Quando se é um gestor de patrimónios, o que temos de fazer é criar confiança. E isso só se consegue se a proposta for clara e compreensível, e se a implementarmos dessa forma nos fundos. Se o risco for compensado pelo retorno que podemos esperar, investimos. Caso contrário, não. É uma filosofia fácil de explicar e o mercado compreendeu e acolheu-a muito bem”, afirma Ruiz em entrevista à FundsPeople.  

Este veterano profissional do setor reconhece que os começos foram difíceis, mas também emocionantes. “Começámos do zero a apresentar a empresa e a nossa filosofia de investimento aos nossos clientes. Depois passámos para o período de consolidação. É a fase em que já somos conhecidos, somos tidos em consideração pelos distribuidores, pela concorrência... Ao fim destes cinco anos, chegámos a este ponto”, refere Ruiz. Os primórdios consistiram em apresentar os fundos multiativos da entidade, uma linha de produtos que está no ADN da Flossbach von Storch, para posteriormente colocar o sotaque no resto das propostas de ações e de obrigações que compõem a gama.

Elementos diferenciadores

Quando questionado sobre quais são os aspetos que distinguem a Flossbach von Storch dos seus concorrentes, Ruiz é claro. “Os nossos fundos caracterizam-se por uma certa simplicidade. Procuramos diversificar e focar-nos na qualidade, investindo em empresas sobre as quais há maior visibilidade a longo prazo. Isto faz-nos mover menos as carteiras.  Partimos de uma visão macro muito original porque somos uma empresa completamente independente. Só fazemos gestão. Não temos outros negócios que possam mediar a nossa opinião. E essa independência acaba por passar para uma liberdade de pensamento”, sublinha.

O facto de ter essa liberdade liga-se a outro dos elementos diferenciadores que Ruiz salienta: não ser arrastado pelo mercado. “Nos últimos anos tivemos momentos em que o mercado considerava no preço uma normalização das taxas que nós não víamos. Aproveitamos essa oportunidade e posicionamo-nos contra o mercado. A posteriori, provou ser a postura certa. Não somos contrarians porque sim, mas não nos deixamos levar pela corrente, nem nos cingimos a um índice. A nossa obsessão é que o risco conjunto do portefólio seja ajustado ao que o cliente nos pede”.

O Institute Flossbach

Também não há muitas gestoras tão próximas do mundo académico como a Flossbach von Storch o é através do Institute Flossbach. Apesar de ambas serem entidades independentes, não há dúvida de que a gestora é alimentada por todo o conhecimento gerado pelo Institute, que funciona como um think tank no qual trabalham profissionais altamente qualificados e de prestígio, dedicados ao estudo de aspetos que podem afetar a gestão, os mercados e a economia. “Olham para a forma como os preços são definidos no mercado e até para o que pode acontecer às moedas digitais. São geradores de ideias sobre para onde vai o mundo”, destaca Ruiz.

Ao nível do serviço, a maior parte do tempo no escritório ibérico da Flossbach von Storch serve para transmitir aos clientes o que pensam, o que as equipas de investimento estão a fazer e contar-lhes as ideias que estão nos fundos. Neste sentido, as carteiras de Flossbach têm agora mais ações porque, na sua opinião, as ações oferecem um melhor perfil de remtabilidade/risco do que as obrigações. “Com os níveis de taxa e spread atuais, acreditamos que é melhor afastarmo-nos no mercado obrigacionista e usar o ativo para equilibrar o risco que assumimos sobre as ações. É inútil ir aos emitentes da CCC. Esse risco não é pago”.

Últimos estudos sobre as valuations das ações

Tal como Ruiz reconhece, os níveis atingidos pelas ações são um dos tópicos que mais aparecem nas conversas que têm com os investidores. Na empresa analisaram se as avaliações das empresas integraram este ambiente de taxas baixas. E a resposta é que ainda não o fizeram. “Isto leva-nos a pensar que as avaliações não são exageradas. Os resultados da empresa são bons e as taxas são relativamente baixas. Se descontarmos os fluxos esperados das empresas à taxa de juro atual, o que obtemos são avaliações historicamente muito elevadas, mas que se justificam por esse crescimento dos resultados e pelas taxas de juro mais baixas”.

A perspetiva que têm na casa é que estamos num período de transição. "Passámos por uma época de crise por causa de tudo o que a pandemia causou, mas não entrámos no período pós-crise. A economia, em muitas das suas variáveis, está a adaptar-se. Isto cria tensões. Já vimos as primeiras. São as que estão ligadas à inflação. Consideramos que, nesta ocasião, os bancos centrais têm razão e isso será transitório.  A sua recuperação é o produto de todo o desembolso de dinheiro que estava a ser poupado, de um excesso de despesas que está a causar bottle-necks, e também de excesso de procura em certas matérias-primas”.

Em torno do mesmo mundo pré-COVID

Na opinião de Ruiz, pouco a pouco, tudo vai ser normalizado. “O mercado vai gerir toda essa procura e, quando tudo isto acontecer, vamos descobrir que o mundo de amanhã vai ser muito semelhante ao mundo antes da COVID-19. E este não era um mundo que crescesse extraordinariamente, nem um mundo sem dívidas... Muito pelo contrário. Foi um mundo que teve problemas estruturais para gerar crescimento (baixo PIB e inflação) e, além disso, arrastou os níveis de dívida que foram exacerbados com todas as medidas que tiveram de ser tomadas para aliviar os efeitos da COVID-19”.

Ruiz acredita que, naquele mundo de amanhã que será como o de ontem, mas pior, pois uma normalização das taxas não é previsível. “Os bancos centrais podem cortar os seus programas, mas de uma forma muito cautelosa. Não sabemos quando deixaremos o COVID-19 para trás. Pode levar alguns meses, alguns trimestres... mas acabaremos por regressar ao mundo de antes, ao mundo onde há um número crescente de países desenvolvidos com uma dívida sobre o PIB superior a 100%, aos problemas demográficos, à luta entre a China e os EUA pela supremacia mundial... Em suma, não será um mundo radicalmente diferente. Vamos enfrentar os mesmos problemas novamente”.

O valor da experiência

Se a experiência é um posto, a opinião de Ruiz é interessante de ouvir porque o orador é um profissional com uma carreira de quase 25 anos na indústria. Isto permitiu-lhe viver diferentes momentos de mercado. “Toda a bagagem que carrego nas costas permite contextualizar melhor as coisas. Tenho um passado. Já vi diferentes momentos de mercado que se assemelham ao atual. E já o vivi na primeira pessoa, o que é diferente de o ter lido nos livros. Isto faz com que o discurso e a maneira de contar as coisas seja diferente. Não estou a dizer que é melhor ou pior, mas é diferente. Trago experiência. E, na minha opinião, agora é o momento de aplicar o bom senso”, afirma.

Além disso, tendo estado em contacto com os distribuidores durante muito tempo, toda essa experiência permite a Ruiz entender o que o cliente procura a todo o momento e porquê. “Isto faz com que o produto que apresenta ao investidor passe um filtro inicial, que é seu”, reconhece.

Grandes tendências

Agora, uma das grandes tendências que vê é o boom dos temáticos. “Muitos investidores acharam boa ideia aproveitar certas megatendências que têm tido um bom desempenho no mercado. Quando fazemos algo pela primeira vez e, além disso, corre bem, validamos as nossas próprias ideias. Pensamos: isto é o que tem de ser feito. Pode fazer sentido que estes veículos lhe deem a possibilidade de apostar naquela megatendência, mas no final devemos ter carteiras equilibradas porque, no investimento temático, podemos acabar por ter vieses indesejados”, avisa.

Outra grande tendência é a aceleração do ESG. Neste momento, Ruiz reconhece que a casa gestora teve de se adaptar pouco a estas novas exigências do cliente porque esta análise estava implícita. “Somos investidores-chave. Analisamos o que uma empresa gera e como a gera. Toda a análise do ESG não é mais do que estudar como uma certa empresa faz as coisas. Colocamos um filtro de sustentabilidade MSCI numa das nossas gamas. O resultado foi que 95% das empresas que estavam na nossa lista de compras passaram por esse filtro. Para nós, isto faz muito mais sentido do que procurar o selo”, explica.

A situação dos multiativos

No que diz respeito a multiativos, o produto que está no ADN de Flossbach von Storch, Ruiz continua a registar um grande interesse por estas estratégias. “Os consultores querem ter um fundo que sirva de pedra angular para construir o resto das suas carteiras. Continua a ser o produto base que pode caber nas carteiras. Isto ainda é usado pela maioria das redes de distribuição e assessoria. Os multiativos não perderam o interesse nem a atratividade. Obviamente, concorremos com os produtos das gestoras nacionais, mas isso depende da abertura que cada rede tem e do produto que quer oferecer aos seus clientes”.

Numa categoria cheia de oferta, os investidores têm de analisar. E, quando se trata de fazê-lo, o responsável da Flossbach von Storch revela que a primeira coisa a que prestam atenção é à rentabilidade/risco gerada. Tirando esse filtro, vão analisando o processo com o objetivo de determinar se esses números são repetíveis ou não. “É fundamental que o processo de investimento seja consistente. É raro que os nossos fundos nos surpreendam. Todo o processo de investimento foi concebido para não cometer erros exagerados. Quando investimos podemos cometer um erro, mas temos de fazer com que a probabilidade de cometer um erro seja baixa”.

Inovação

A Flossbach von Storch não é uma casa que lança novos produtos no mercado todos os anos. A sua gama é pequena, mas está a expandir-se porque estão a trazer para a Península Ibérica alguns dos produtos que tinham na Alemanha. A última coisa que fizeram foi apoiar o fundo de ações emergentes. “Pensamos que, no futuro, as economias emergentes vão crescer mais do que as economias desenvolvidas e faz sentido investir nas empresas que mais beneficiarão com essa tendência”.

A outra ideia que trouxeram para a região ibérica é a Der erste Schritt (em português, o primeiro passo), um fundo muito conservadormente gerido para investidores que começam a ser cobrados por terem o dinheiro em depósitos ou em contas-corrente, e para que as empresas possam ter um produto para estacionar a sua liquidez estratégica. “São os últimos fundos que trouxemos para o mercado ibérico. Não são produtos novos. Não começam do zero. Têm track record e vêm complementar o que já oferecemos”, conclui.