João Pratas (APFIPP): “Toda a gente está a multiplicar o mesmo esforço [ao nível do ESG], o que é uma má forma de usar os recursos”

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Créditos: Vítor Duarte

Num encontro com vários agentes de mercado, a CFA Society Portugal promoveu recentemente, em conjunto com o CFA Institute, uma partilha de opiniões sobre o tema “A Presidência Portuguesa: Rumo à Recuperação Europeia Pós- COVID”. Economistas, especialistas e reguladores partilharam as suas opiniões sobre o caminho que se vai seguir em 2021 e os inputs da APFIPP também estiveram presentes, pela voz de João Pratas, atual presidente da Associação. Um dos temas em destaque foi o investimento em ESG, sobre o qual o representante da indústria já se tem vindo a debruçar noutras ocasiões, como na revista 33 da FundsPeople, ou no projeto Insights Portugal 2020.

“A partir de março deste ano, existirão grandes mudanças, porque os gestores de ativos terão de começar a escolher os seus investimentos tendo em conta critérios ESG. Neste quadro importa colocar a seguinte questão:  o que é que União Europeia quer com a legislação ESG? Gostaria de me focar nalguns pontos da legislação, mas devo destacar que aquilo que a União Europeia parece querer é que o mundo mude através da pressão dos gestores de ativos”, começou por abordar. Mas esta legislação ESG, na perspetiva de João Pratas, tem um problema que decorre da sua complexidade. “Para que esta nova legislação possa ser um motor de mudança do mundo, os gestores de ativos têm de perceber como é que a mesma condiciona os seus investimentos e as empresas onde estes gestores de ativos investem têm de perceber o que devem melhorar considerando estes fatores ESG para que continuem a ser objeto das escolhas dos gestores. É neste ponto que acredito que temos um problema com a legislação. A legislação é muito complexa, e quando olhamos quer para a SFDR (Sustainable Finance Disclosure Regulation), quer para as leis relacionadas com a mesma, nomeadamente as leis de taxonomia, percebemos que estamos perante uma construção muito complexa e por isso difícil de compreender e implementar”, enfatizou.

Ratings ESG

Não querendo parecer audaz, como o próprio fez questão de dizer, na perspetiva do presidente da Associação há aspetos desta legislação a melhorar e existem mudanças que se atreve a sugerir como podendo ser muito positivas. “Acho que a Europa deveria permitir o uso de ratings”, sugeriu, elucidando de que forma. “Através do ponto de acesso único europeu dever-se-ia reunir informação de ratings ESG e permitir que os gestores de ativos selecionem os seus investimentos com base nesses ratings ESG. Desta forma, gestoras de ativos grandes e pequenas serão capazes de fazer escolhas ESG sem terem que mobilizar recursos muito vastos para fazerem essa análise. E também será mais simples explicar aos clientes o nível de seleção ESG que fazem: apresentam simplesmente a média das percentagens da carteira baseada nesses ratings. Um fundo com uma média de 75% de (rating) ESG compara com um fundo com 65% e outro com 85%; trata-se de uma comparação fácil de entender pelos clientes. Os clientes não vão perceber o ESG nem vão ser capazes de comparar produtos, tendo em conta as regras conforme estão determinadas hoje em dia”, reitera.

Assim, a única forma de existir um verdadeiro impacto da implementação do investimento ESG na economia real é, portanto, na perspetiva do profissional, através da implementação de ratings: porque é uma forma fácil de implementar para os gestores, é gerador de informação standardizada e por isso mesmo, também cria mais facilmente pressão para que todas as empresas se ajustem e melhorem os seus níveis de ESG. Que é precisamente aquilo que se pretende.  No atual quadro, e sem que se verifique qualquer correção, vamos ver uma multiplicação de esforços economicamente desadequados por parte de todos os gestores para compreender e implementar os critérios ESG e esse esforço não vai traduzir práticas iguais, o que reduz a pressão sobre as empresas. A União Europeia deveria promover a concentração deste esforço de análise ESG apenas em certos prestadores de serviço especializados”, opina.

O caminho nesse sentido deveria ser por isso a União Europeia promover a colocação de ratings no “Single Access Point” para que todas as gestoras que quisessem, pudessem aceder facilmente a essa informação. No caso de a União Europeia ter que suportar um custo com essa promoção, propõe que as gestoras de ativos paguem um fee para ajudar a suportar esse encargo de fornecimento de informação sob o mesmo ponto de acesso e de forma padronizada”, aponta. No caso de a União Europeia proceder desta forma assente nos ratings ESG, o profissional prevê que as empresas objeto de investimento consigam perceber melhor “onde teriam de melhorar no campo do E (Environment), do S (Social) ou do G (Government)” para subirem os seus ratings. Vai mais longe, e aponta um objetivo: “Se isto fosse implementado, deveríamos tentar fazer com que todos os produtos fossem já considerados ESG - embora com percentagens de implementação diferentes (mas “all on board”) e em poucos anos conseguiríamos colocar uma pressão adicional sobre a mudança ao estabelecer para os UCITS um limite mínimo de ESG: por exemplo 75% ESG. Isto teria um grande impacto no objetivo de forçar toda a economia a mudar”, releva.

Fundos alternativos

Porque o assunto do debate era precisamente a recuperação pós-COVID, João Pratas aproveitou a oportunidade para abordar outro tema relacionado com esta recuperação. “Os fundos UCITS são fáceis de vender porque não são complexos. Mas há investimentos que dificilmente podem ser adquiridos por fundos UCITS, porque, por exemplo, são pouco líquidos. Mas que são também importantíssimos tanto para a economia, como para os investidores. Só que ao não poderem ser adquiridos por fundos UCITS apenas poderão ser adquiridos por fundos alternativos e estes sendo sempre complexos serão muito mais difíceis de vender. E é neste ponto que realça que nem todos os fundos alternativos deveriam ser considerados complexos. Designadamente porque, por exemplo, a menor liquidez não significa maior complexidade.

Neste cenário de recuperação de uma pandemia, o profissional lembra que as empresas maiores provavelmente não terão problemas ao nível da emissão de obrigações, pois existe muita liquidez no mercado. Mas as empresas mais pequenas enfrentam, na sua perspetiva, um problema a esse nível. “O que a APFIPP fez foi propor ao governo dar um incentivo a fundos que investissem em títulos de dívida de empresas mais pequenas, de forma a estimular a recuperação pós-COVID”, conta, lembrando contudo, um problema. “Temos de nos lembrar que estas são obrigações que poderão ser bastante ilíquidas, não podendo ser facilmente compradas por UCITS, mas apenas por fundos alternativos e no atual quadro legal, porque estes são automaticamente considerados complexos, terão uma distribuição muito dificultada”, alertou João Pratas.