Joaquim Luiz Gomes (Heed Capital): “Precisamos de um operador de mercado cujo modelo de negócio assente na literacia financeira”

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Joaquim Luiz Gomes. Créditos: Vitor Duarte

O CEO da Heed Capital Joaquim Luiz Gomes tem já experiência de mercado suficiente para poder opinar sobre a indústria de gestão de ativos com propriedade. E tem também na memória os tempos em que o setor passou por uma estagnação muito grande. Desse modo, tem bem presente que o ano passado (2021), “foi o primeiro ano em que a indústria acabou de lamber as feridas da crise de 2008-2011”. É o que começa por referir numa conversa com a FundsPeople sobre o negócio dos fundos mobiliários.

O CEO da Heed Capital recorda então uma recuperação muito lenta da indústria nacional desta crise, mas também as oportunidades que foram sendo mal aproveitadas. “Aquele movimento que aconteceu a nível mundial, de redução de investimento em depósitos e ganho de quota de mercado por parte dos fundos nas poupanças dos particulares, chegou a Portugal muito tarde e de forma muito lenta face ao resto da Europa. Isso tem a ver com a falta de cultura financeira em Portugal”, aponta.

Que soluções haveria para combater essa falta de literacia? Na opinião do profissional faz falta uma revolução protagonizada por algum player em específico… e dá um exemplo. “Há 12 anos a XP Investimentos no Brasil fez uma revolução grande em termos de cultura financeira. Se olharmos para a penetração de produtos de gestão ativa no Brasil, se calhar é muito maior comparativamente com a mesma penetração em Portugal. Estamos a falar de um país em que a literacia financeira nem é tão alta como em Portugal”, exemplifica.

Player centrado na literacia financeira

Nesse sentido, a perspetiva do profissional é de que deveria haver um player cujo modelo de negócio assentasse na promoção da literacia financeira. “A XP educou muito o investidor brasileiro, e houve uma revolução face há 15 anos na penetração dos produtos de gestão ativa. Enquanto não houver uma revolução tão disruptiva em Portugal, é difícil que as coisas mudem”, atesta. Desse modo, acredita que “precisamos de um operador financeiro cujo modelo de negócio se justifique pelo impacto que tem em termos de literacia financeira”. “Não adianta os players sentarem-se à volta de uma mesa para discutir como vão aumentar a literacia. Isso não existe. Tem de ser a lógica do mercado a funcionar”, rematou.

Por outro lado, não esquece outra medida muito comentada por toda a indústria para a melhorar: o trespasse entre fundos de investimento com neutralidade fiscal. “É a única coisa que se pede: que o Estado dê a liberdade às pessoas de sair de um fundo e investir noutro”, sublinha.

Dificuldades na distribuição

Quando o assunto é a evolução da própria Heed Capital no âmbito do negócio de fundos mobiliários, Joaquim Luiz Gomes não tem pudor em usar o adjetivo “desapontante”. Muito embora a equipa sempre se tenha conseguido destacar em termos de performance - até em termos internacionais - a verdade é que as dificuldades na penetração de mercado foram muitas. “Aquela ideia de que a performance nos ajudaria a ganhar tração em termos de captação, não se verificou”, refere. Lembra, nesse sentido, o fundo Heed Património, domiciliado no Luxemburgo, que não conseguiu entrar no mercado espanhol como esperado, por exemplo. “Virámo-nos para a área de alternativos ilíquidos, porque de facto tivemos que ouvir o mercado”, confessa.

A conversa sobre fundos mobiliários não ficaria completa sem se abordar o tema do ESG. Tema esse que para o CEO da entidade gestora pode ser bem definido com a expressão inglesa: “The jury is still out”. Entende que ainda é cedo para perceber os custos-benefícios de tudo isto, e que a mudança “precisa de muitos fatores”. Fundamental, no entanto, não acredita que vá ser o critério regulatório. “Existem outros  países onde a regulação não é tão forte, e onde as mudanças acontecem mais rapidamente. Este tema do ESG é muito mais regulamentar na Europa do que noutras jurisdições e não sei se será por isso que a Europa tomará a dianteira”, conclui.

O CEO assume que não têm nenhum fundo mobiliário inserido no artigo 8º da SFDR, e que, de facto, o ESG não é o “cavalo de batalha da Heed”. “Não temos dimensão para absorver o custo de ter fundos artigo 8º da SFDR, no caso dos fundos mobiliários. Nos alternativos, à medida que vamos ganhando dimensão, estamos muito mais integrados no ESG, mas não tanto por uma questão regulatória, mas sim por uma questão de valores”, concluiu.