Luís Lagarto (CA Gest): “O grande desafio do ESG é o impacto que tem ao nível dos custos”

Luis Lagarto CaGest
Luís Lagarto. Créditos: Vitor Duarte

Embora a CA Gest tenha reconfigurado o seu caminho estratégico em 2017 - altura em que deixou de operar no segmento de OICVM -, a entidade gestora continua a exercer um trabalho importante. Gere, por exemplo, as carteiras das seguradoras do grupo Crédito Agrícola, e as carteiras dos produtos que estas comercializam, nomeadamente as soluções de investimento da seguradora CA Vida.

Em entrevista à FundsPeople, Luís Lagarto, CEO da CA Gest, conta-nos precisamente o percurso recente da entidade.  Não teme o uso da palavra “instrumental” para classificar o tipo de sociedade que comanda atualmente, mas sabe também que esse epíteto não confina a entidade a uma única possibilidade ou negócio, nem determina possíveis mudanças de rumo futuro. “Se aparecer uma oportunidade interessante fora do âmbito atual, desde que esse negócio cumpra requisitos que nos pareçam relevantes e não tenha conflito com as nossas atividades, podemos fazê-lo”, revelou.

A passagem da gestão dos fundos mobiliários da casa para as mãos da IMGA, em 2017,  foi precisamente uma mudança de rumo importante. Para além do desafio colocado pela dimensão dos fundos vs. os custos que representavam, a própria tipologia de cliente do grupo determinou a decisão. “A clientela do Crédito Agrícola, pelo seu nível de literacia financeira, formação, etc., não é muito entusiasta dos fundos de investimento”, recorda o CEO. Havia, portanto, um desafio em cima da mesa, e a ligação histórica com a Intermoney acabou por influenciar também o fecho da operação. “O Crédito Agrícola e a Intermoney têm uma relação que extravasa a mera comercialização dos fundos. O Crédito Agrícola é acionista do Grupo CIMD, que tem a IMGA”, contextualizou também.

Fundos imobiliários e gestão do excesso de liquidez

Previamente a este negócio - e desde 2015 - a gestora já executava um trabalho paralelo junto do Crédito Agrícola. Mais concretamente, a gestão dos “excessos de liquidez das Caixa Agrícolas”, trabalho que, segundo Luís Lagarto, se consubstancia na “aplicação desses excedentes de liquidez em carteiras de dívida pública”.

Em 2019 os fundos imobiliários juntaram-se também ao negócio. “Passámos a estar autorizados a gerir fundos imobiliários, e temos desde essa altura um fundo fechado sob gestão e contamos em breve ter mais um, no caso aberto”, refere. São fundos de recuperação, com tendência para desaparecer e ver o seu capital reduzir-se “à medida que as vendas dos imóveis vão sendo feitas”. Em termos mobiliários, referência também ao fundo mobiliário institucional que a entidade gere, o  CA Institucionais, “que é apenas subscrito pelas duas companhias de seguros do Grupo e pela Caixa Central”.

Capital garantido vs. depósitos

As políticas comerciais das seguradoras do grupo acabam por ter um grande impacto, claro, nos montantes que a entidade gere no negócio de gestão discricionária. “Quando a CA Vida, seja por que razões for, aposta mais ou menos em unit-linked, por exemplo, nós vamos por arrasto”. Numa altura em que as taxas de juro estão a subir, a verdade é que o CEO perspetiva um bom momento para determinados produtos da seguradora. “Começam a existir condições para que a CA Vida mantenha aberta a subscrição de produtos com alguma rentabilidade e, com garantida de capital, o que é algo que interessa aos nossos clientes”, confessa.

No entanto, recorda que, do mesmo modo, este tipo de produtos beneficia os depósitos também. “O grande desafio é perceber em que medida é que este tipo de produtos vai casar com a oferta  dos depósitos. Estes também voltarão a remunerar de melhor forma. Acredito que este é um dos grandes desafios que temos doravante”, revela.

Literacia financeira e incentivo necessário

Outro desafio é o da literacia financeira. Em linha com outros parceiros de mercado, Luís Lagarto acredita que a aposta no assunto é impreterível por parte de todos: estado, sistema de ensino, entidades… “Enquanto as pessoas não tiverem uma consciência verdadeira da finalidade dos produtos e quais os riscos em que incorrem, acho que o trabalho das gestoras de ativos em geral corre sempre o risco de poder não ser satisfatório. Figurativamente, corremos o risco de estar a tentar parar o vento com as mãos”, alega. 

Por outro lado, vê que o assunto da poupança não avançará sem incentivos. “Temo-nos dado conta que do ponto de vista fiscal não estão a ser tidas em conta as melhores práticas”, refere também. No PEPP (Pan-European Personal Pension Product) vislumbra uma boa solução, mas que começou da pior forma. “O assunto começou mal agarrado, nomeadamente com a limitação da remuneração dos gestores”, alerta. Por outro lado, considera que a gestão de ativos nacional tem “um conhecimento de mercado que os outros players não têm, portanto não vejo a solução como uma ameaça ao que fazemos, bem pelo contrário”, enfatiza.

A conversa com o CEO não podia ser deixada a meio sem tocar no tema do ESG. O responsável lembra que o grupo foi até pioneiro na abordagem ao tópico, pois a sua ligação com o desenvolvimento/sustentabilidade do mundo rural sempre foi um impulso para que assim fosse. Portanto, em termos de filosofia nada muda, “mas do ponto de vista da regulação sim”.

Preocupado com o esforço que toda a regulação sobre o tema exige, confessa mesmo que a equipa brinca com a dimensão do assunto. “Dizemos algumas vezes, em tom de brincadeira, que passaremos em breve a ter uma sala de mercados e outra de sustentabilidade…esta última com muito mais pessoas!”, ironiza. Contudo, se na área de mercados “existe um conjunto de números que são lidos todos da mesma maneira, na área de sustentabilidade a própria informação a que acedemos tem as mais diversas leituras”, atesta, referindo o grande efeito que a questão acaba por ter. “O grande desafio neste tema é, de facto, o impacto que tem ao nível dos custos”, concluiu.