Mais uma machadada na confiança dos investidores

Num contexto parco em notícias macroeconómicas, o foco das atenções vira-se para as tensões geopolíticas na Ucrânia e na Palestina assim como para a situação verificada com o Banco Espírito Santo.

Muito já foi escrito acerca do sucedido com o BES e várias questões continuam em aberto, e assim irão continuar por muitos meses.

Muitos pormenores bizarros se podem identificar num caso que ameaça a estrutura da sociedade portuguesa, no seio de um grupo presente em vários sectores da economia:

Ora vejamos alguns factos cronológicos:

  • Em 2012, Ricardo Salgado esquece-se de declarar 8,5 milhões de euros em rendimentos obtidos em Angola e que motivou uma das três alterações à declaração de rendimentos. Também Amílcar Morais Pires se esqueceu de declarar alguns rendimentos.

  • Em 2013, a luta pelo poder assume carácter público apesar de Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi terem anunciado um acordo sobre o processo de sucessão na liderança no grupo.

  • No final de 2013, o Banco de Portugal detecta irregularidades graves na ESI, com o relatório final a concluir que a sociedade financeira apresenta uma situação financeira grave.

  • Em fevereiro de 2014, o BES apresenta um prejuízo histórico de 538 milhões de euros (exercício de 2013). Apesar do silêncio cúmplice do Banco de Portugal, o BES avança para um aumento de capital, e no prospecto do mesmo é tornado claro que o grupo apresenta uma situação financeira grave e que foram detectadas várias irregularidades. O aumento de capital é subscrito na íntegra, com a procura a superar a oferta, totalizando um montante de 1.045 milhões de euros.

  • No Luxemburgo é aberto um inquérito a 3 empresas do grupo por suspeita de irregularidades.

  • A subsidiária suíça do BES, Banque Privée Espírito Santo, não cumpre o reembolso solicitado por alguns clientes que tinham aplicações em dívida da ESI. A Espírito Santo International avalia um pedido de insolvência.

  • Vários membros do governo e do Banco de Portugal continuam a insistir que está afastada a hipótese de nacionalização e de qualquer intervenção estatal.

  • É anunciada a substituição de Ricardo Salgado por Vítor Bento, então presidente da SIBS. Para a nova direcção entram também João Moreira Rato, que vai ocupar o cargo de administrador financeiro, José Honório, vice-presidente da comissão executiva e Paulo Mota Pinto, presidente do conselho de administração.

  • Devido aos 12 dias de suspensão das acções do ESFG, a CMVM afasta a empresa do índice da bolsa portuguesa.

  • O Ministério Público avança para buscas à sede do grupo e a empresas ligadas à família.

  • O final do mês de julho é marcado pela publicação a meio da noite de um prejuízo histórico no BES, no montante de 3.577 milhões de euros, com o Banco de Portugal a anunciar que descobriu "recentemente" dados que apontam para "actos de gestão gravemente prejudiciais" chegando até a admitir consequências criminais para a ex-equipa de gestão chefiada por Ricardo Salgado.

  • Agosto inicia-se com as acções do BES a ficarem suspensas até divulgação de "informação relevante" depois de ter atingido o mínimo histórico de 10 cêntimos por acção. A Espírito Santo Financial Portugal avança com o pedido de insolvência.

  • O BCE corta a liquidez ao Banco Espírito Santo.

  • O Governo e o Presidente da República aprovam em tempo recorde um decreto-lei que permite uma solução para o BES, numa reunião efectuada a um domingo.

  • A solução passa por partir o banco em dois, com os bons activos a ficarem para o "novo banco" (nome registado pelo BCP em 1989), e os activos problemáticos a ficarem no antigo BES (ou no "mau banco" como escolhido pelo Banco de Portugal).

Muitos mais detalhes, muitos mais enredos, muita mais coisa podia ser escrita sobre o caso BES, mas com a breve cronologia acima pode ficar-se com uma ideia da evolução do processo que destruiu o maior banco privado português, de grande importância para o tecido empresarial português, num caso onde todos os intervenientes ficam com as culpas.

A negligente actuação do Banco de Portugal e da CMVM irá ter graves repercussões para Portugal, numa altura em que terminado o programa de assistência financeira se visava atrair investimento externo. Ficou provado que nada se aprendeu com o BPN, e a influência de Ricardo Salgado a todos manietou.

Portugal perde assim o seu maior grupo financeiro, o único com expressão global, perde credibilidade também a Portugal Telecom depois do empréstimo mal explicado à Rioforte e que custou o lugar ao presidente do conselho de administração da PT.

Além disso, os reguladores perderam uma grande oportunidade por não conseguirem a defesa do sistema bancário português, numa altura em que se exigia uma grande coordenação entre o Banco de Portugal e o Banco Central Europeu.

O alheamento do governo em relação a este assunto é rematado em grande estilo pelas afirmações de que nada vai sair dos bolsos dos contribuintes (recorde-se que o empréstimo a Portugal no âmbito do programa de assistência financeira incluiu um fundo de recapitalização para a banca, no montante de 12 mil milhões, dos quais ainda faltava usar 6,4 mil milhões e que estava de reserva até ao resultado dos testes de stress que ainda irão ter lugar em 2014). Neste momento o dito fundo tem cerca de 180 milhões....

As descidas verificadas na cotação dos títulos do BCP, BPI e Banif em Portugal assim como a desconfiança verificada um pouco por toda a Europa em relação às acções da banca espelham perfeitamente que os receios que a solução encontrada para o BES possa ser repetida e  mina a confiança dos investidores no sistema financeiro europeu.

(Autor da imagem Coconinoco, Flickr, Creative Commons)