Mike Gitlin (Capital Group): “O verdadeiro risco atualmente é não aproveitar as obrigações a estes níveis”

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Mike Gitlin. Créditos: FundsPeople

A FundsPeople reuniu-se no passado agosto com o recém-nomeado CEO da gestora norte-americana. A primeira entrevista que concedeu a um meio de comunicação na Península Ibérica durante a sua viagem pela Europa e Ásia. A conversa, publicada originalmente em setembro de 2022 na Revista FundsPeople (47), é reproduzida a seguir.

O investidor em obrigações encontra-se hoje num cenário muito diferente do de há apenas 12 meses. Ou mesmo de há cinco anos. 2022 foi um período difícil, como reconhece Mike Gitlin. Ter qualquer mínimo de duração em carteira tem sido doloroso. Mas o futuro CEO da Capital Group não tem dúvidas sobre a mensagem que quer enviar aos clientes: “Estamos num momento muito mais atrativo para a classe de ativos”.

Uma proteção suficiente

A longo prazo, a rentabilidade futura de uma obrigação depende principalmente do retorno inicial, e os retornos atuais são entre 3 e 6% superiores aos reduzidos níveis de 2021. Os retornos atuais estão em níveis que não eram vistos há décadas. Obrigações corporativas com investment grade de elevada qualidade que oferecem mais de 5% de yield; mercados de high yield, como a dívida corporativa de high yield e de mercados emergentes, entre 8 e 10%. Este é um ponto que Mike Gitlin quer deixar muito claro. “O que temos de pensar é em que ponto se encontram atualmente os retornos das obrigações e onde estarão as oportunidades daqui a cinco anos”, insiste. 

Não é que o especialista esteja a tentar prever o mínimo da correção ou que a volatilidade e a incerteza vão desaparecer em 2023. Longe disso. “Mas se há um horizonte de cinco anos e olharmos para o histórico de todos estes índices de obrigações, quando a yield inicial foi tão elevada como a atual, o retorno composto num prazo tão longo é, geralmente, positivo”, afirma. Embora as yields possam continuar a aumentar, considera que a estes níveis oferecem rendimentos suficientes para proteger contra a elevada volatilidade esperada, ou seja, uma proteção.

Pôr a liquidez a trabalhar 

Mike Gitlin está consciente da dificuldade que os investidores têm em olhar para além das significativas perdas que as obrigações acumularam. Na sua opinião, a correção de 2022 foi o resultado de uma combinação de três fatores: o ponto de partida das yields, o ritmo a que as yields subiram e a dimensão desses movimentos.

Apesar disso, defende a necessidade de pôr a liquidez a trabalhar. “Especialmente com a inflação nos atuais níveis. Perde-se poder de compra por cada dia em que não se investe”, sublinha. É um discurso muito diferente do discurso dado em janeiro do ano passado, reconhece. “Agora os mercados de obrigações já descontaram uma política monetária mais restritiva e um significativo risco em baixa”, afirma.

Uma questão central para os investidores será se a inflação se mantém estruturalmente elevada ou se irá abrandar em 2023. E, sobretudo, como a Reserva Federal reagiria no primeiro cenário. Em 2022, os bancos centrais mudaram a sua política, passando do pensamento de que a inflação era transitória para se aperceberam de que a inflação era demasiado elevada e deveria ser abordada através de uma política monetária e condições financeiras mais flexíveis.

O pico nas subidas de taxas

“A Fed continua relativamente agressiva, uma vez que a inflação continua a ser a prioridade número um. A inflação nos EUA continua relativamente elevada, embora seja provável que já tenhamos visto o pico e que a autoridade monetária norte-americana tenha a oportunidade de fazer uma pausa em meados deste ano”, comenta Mike Gitlin.

A boa notícia para o mercado é que estamos provavelmente próximos do máximo das taxas. Uma taxa terminal dos fundos da Reserva Federal em torno dos 5% é cada vez mais provável, prevê o especialista. “Vemos o impacto de taxas mais elevadas nos mercados imobiliários e os principais indicadores económicos também apontam para uma recessão, limitando a capacidade da Fed para realizar novas subidas”, explica Gitlin. 

Dois riscos

Na sua opinião, existem dois principais riscos para estas perspetivas. O primeiro é que a inflação pode estar, na realidade, mais estruturalmente enraizada, dada a alteração nos mercados de trabalho, dificultando a paragem da Fed a estes níveis. O segundo é que ainda não vimos todo o efeito de umas taxas mais elevadas na economia, com um risco de recessão significativamente maior.

Mike Gitlin está muito consciente da incerteza que rodeia os mercados, mas o verdadeiro risco agora é não aproveitar as obrigações com níveis de yield que não vemos há uma década, afirma.

Mais oportunistas

Por isso, embora as carteiras de obrigações da Capital Group continuem posicionadas com um risco equilibrado para ter em conta a incerteza, os gestores começaram a ver mais oportunidades. Por exemplo, o aumento da duração neutra nos EUA, onde a Fed parece estar próxima do fim do ciclo de endurecimento.

“Os investidores não devem tentar cronometrar o mercado. Se olharmos para a história e tivéssemos sido suficientemente prudentes para investir seis meses antes e seis meses depois do máximo das taxas de juro da Fed, a rentabilidade média num ano seria elevada e a rentabilidade média anualizada nos próximos cinco anos seria bastante elevada. Investir com esta abordagem disciplinada perto do fim de um ciclo agressivo de subidas dos bancos centrais normalmente compensa”, defende Gitlin. 

Para o especialista, as obrigações têm quatro papéis a desempenhar numa carteira: diversificação das ações, gerar rendimentos, proteger contra a inflação e preservar o capital. E, na sua opinião, após o período mais duro para as obrigações em 40 anos, espera que as obrigações core de elevada qualidade proporcionem diversificação e ofereçam proteção no caso de uma venda de ações, enquanto as obrigações high yield irão finalmente proporcionar um rendimento atrativo após uma década de um contexto de baixos rendimentos.