Mudanças nos padrões de poupança após a Covid

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Créditos: Mathieu Stern (Unsplash)

As taxas de poupança têm sido fundamentais para sustentar o crescimento após a Covid-19. Isto é especialmente importante nas economias desenvolvidas, onde o consumo representa, em média, cerca de 70% do PIB. Quando os governos em todo o mundo prestaram apoio de diferentes formas durante a pandemia, as taxas de poupança subiram para níveis duas vezes superiores em alguns países. Foi um acontecimento histórico.

Isto deveu-se ao facto de os rendimentos terem sido suportadas por transferências governamentais, enquanto as despesas caíram devido, tanto à incerteza, como às restrições. No entanto, é interessante notar que as tendências de poupança divergiram ligeiramente entre os EUA, a Europa e o Reino Unido. Ocorreram mudanças. E são relevantes.

Poupança em percentagem do rendimento disponível

“Os consumidores dos EUA ficaram abaixo das suas diretrizes de gastos e poupança pré-pandemia, enquanto os consumidores alemães, franceses e britânicos não. Dado que o consumo representa a maior parte do PIB nestas economias, o impacto no crescimento é bastante significativo. Esse é um dos fatores que explicam o motivo para o crescimento dos EUA ter sido mais forte do que na Europa nos últimos trimestres”, explica Felipe Villaroel, gestor de portefólios da TwentyFour AM (Vontobel).

O caso europeu

O caso europeu merece um estudo aprofundado. A taxa de poupança na zona euro foi, em média, de 12,6% do rendimento disponível entre 2015 e 2019. Isso mudou com o início da pandemia, disparando para um recorde histórico de 25,4%, no segundo trimestre de 2021.

Durante os confinamentos da pandemia, as pessoas puderam comprar bens duradouros, mas não puderam ir a restaurantes, ir de férias ou mesmo ir ao cabeleireiro, na maioria dos países. Apesar da queda na produção económica devido à Covid, a maioria das receitas permaneceu intacta. Além disso, não houve um aumento significativo das taxas de desemprego na zona euro, à medida que os governos vieram ao resgate, com generosos planos de suspensão do emprego.

Com os gastos baixos e os rendimentos sólidos, a poupança multiplicou-se. De acordo com os cálculos do BCE, a taxa de poupança excedentária aumentou para 11,3% do rendimento disponível bruto entre o primeiro trimestre de 2020 e o quarto trimestre de 2022. “Isto foi especialmente crucial no início da recuperação económica para fortalecer o consumo privado”, afirma Ulrike Kastens. Foi um fator-chave.

Segundo explica o economista da DWS, o cenário mudou desde então. As famílias investiram as suas poupanças em casas e ativos financeiros, como ações e obrigações, e aproveitaram para amortizar empréstimos. Enquanto isso, os ativos líquidos, como dinheiro ou depósitos bancários, que também estão prontamente disponíveis para consumo, encolheram gradualmente, passando de um pico de 3,7% do rendimento disponível no primeiro trimestre de 2021 para apenas 0,6% no quarto trimestre de 2022. “Isso significa que quase não há poupanças ou ativos disponíveis que possam ser facilmente convertidos em dinheiro para gastar”, afirma.

Padrão diferente nas famílias ricas

A distribuição das poupanças disponíveis também é importante. “Os cálculos da autoridade monetária mostram que as famílias mais ricas são as mais propensas a continuar a ter poupanças no banco. Enquanto os 10% mais ricos da população tinham menos de metade da poupança disponível no primeiro trimestre de 2020, este número subiu para quase dois terços no quarto trimestre de 2022”.

No entanto, as famílias ricas tendem a ter uma menor propensão marginal para consumir e tendem a reagir lentamente às mudanças na sua riqueza. O oposto é geralmente verdadeiro para os grupos menos abastados e de rendimentos mais baixos. “Quando têm dinheiro, gastam-no”.

Tudo isso significa que a poupança disponível provavelmente já não é uma fonte adicional de estímulo para os gastos e para o crescimento do consumidor. Mas com a expetativa de que a inflação caia significativamente nos próximos meses, pelo menos o crescimento dos rendimentos reais pode voltar a subir, o que deve ajudar um pouco o consumidor e a economia como um todo. Mas a inesperada bonança da Covid chegou ao fim”, conclui.

Distribuição do excesso de poupança acumulada por grupos de famílias