O cenário macro é incerto, mas será verdadeiramente importante para o investimento em ações? Quatro profissionais da gestão de ativos e patrimónios juntaram-se para analisar o atual cenário e opinar sobre o caminho a seguir perante esta classe de ativos.
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Investir em ações globais tem sido um caminho bastante seguro para rentabilizar um portefólio. Seguro, no sentido de que em períodos de três anos tem sido muito difícil não obter rentabilidades positivas, porque se olharmos para prazos mais curtos é um percurso bastante impróprio para cardíacos. Há sempre um risco à espreita e algo que faz crer que o futuro pode não estar tão em linha com o passado. O momento atual não é distinto, pelo que a FundsPeople e a Carmignac juntaram quatro profissionais da gestão de ativos e patrimónios para analisar o atual cenário e opinar sobre o caminho a seguir perante esta classe de ativos.
“Frequentemente o mercado não se comporta da forma que estamos à espera que se comporte. As recessões que tivemos no passado surgiram sem qualquer tipo de aviso. A verdade é que as ações não estão baratas e é por isso que achamos que é preciso cautela neste momento”, introduz Miguel Pinto, private banker.
O profissional tem observado recentemente alguma rotação das empresas de tecnologia para outras alternativas, o que acredita que mostra que os investidores estão preocupados com um abrandamento da economia. “Não obstante, é bastante consensual que estamos a atravessar um soft landing e não se espera uma recessão no curto prazo”, diz.
Por outro lado, João Paulo Silva, do departamento de Desenvolvimento e Marketing do novobanco, é bastante assertivo e diz que “o mercado precisa de uma correção neste momento. Precisa de respirar fundo!”. Para o profissional, a inflação continua a ser um dos principais riscos a pairar sobre os mercados financeiros, especialmente porque os dados têm colocado incerteza no caminho dos bancos centrais. “As leituras de inflação ora surpreendem pela positiva, ora pela negativa, e os mercados têm encarado as positivas com mais entusiasmo. Mas pergunto: e se as positivas são os outliers e a inflação voltar a subir?”, questiona.
Para João Paulo Silva, o mercado está “priced for perfection. Tudo tem que correr exatamente como está no guião, ou as valuations, especialmente as das ações dos EUA, não fazem sentido”. Como resultado deste estado de coisa, João Paulo Silva vê a Fed a caminhar no fio da navalha e sem espaço para errar. “Se não cortam taxas cedo o suficiente, algo vai quebrar na economia. Se acabam por ter que subir taxas porque a inflação volta a emergir, as valuations fazem ainda menos sentido. Num mundo cheio de tensões geopolíticas, as surpresas podem acontecer”, explica.
Imunizar os portefólios?
Se uma receita houvesse para tornar um portefólio de ações imune a estes riscos, a forma de gerir carteiras de ações seria bastante mais consensual. Mas de novo, tudo depende do horizonte temporal com que se olha para o mercado e, independentemente dos novos cisnes negros que sobrevoam, há quem acredite profundamente na sua receita. Para Miguel Pinto, o caminho é “investir em boas empresas, com negócios viáveis, boas margens e quota de mercado e uma situação financeira forte”. Acredita que num cenário de uma eventual aterragem agressiva ou recessão, “empresas com estas características vão demonstrar uma maior resiliência e uma excelente oportunidade e investimento a médio/longo prazo”.
Para Rui Araújo, o cenário atual não tem impacto no universo de investimento que o apela. “O tipo de ações das quais gostávamos há um ano atrás são as mesmas que gostamos agora e são as mesmas que vamos gostar no futuro”, diz o gestor de carteiras de ações na BPI Gestão de Ativos.
O gestor acredita que empresas com determinadas caraterísticas - os chamados de quality compounders - têm a capacidade de revelar o seu valor a longo prazo, independentemente da volatilidade dos mercados, pelo que a seleção dos ativos para construir uma carteira não depende diretamente de variáveis macroeconómicas. “A nossa alocação geográfica e setorial resulta inteiramente do nosso processo bottom-up de seleção e de construção do portefólio. A conjuntura macroeconómica não tem impacto direto na nossa alocação”, explica.
E qual o caminho em concreto? “É natural encontrar mais empresas quality compounders em setores como os de software e serviços tecnológicos, por exemplo, com receitas recorrentes, elevadas taxas de retenção de clientes e custos elevados de mudança de provedor. Também as encontramos no setor da saúde, pelas suas elevadas margens e free cash-flows mais previsíveis, ou em setores de consumo com marcas fortes e ativos intangíveis difíceis de replicar”, expõe.
Já a receita da Carmignac, que Ramón Carrasco, diretor de Desenvolvimento de Negócio da entidade francesa, descreve, alinha-se com o perfil de baixa rotação e investimento de longo prazo de Rui Araújo. “Na Carmignac não temos uma alocação de ativos tradicional. Não olhamos para Europa versus EUA ou bancos versus utilities. O que fazemos é a aplicação de um processo estabelecido e chama-se investimento em empresas de qualidade. Investimos se acreditamos que o negócio de uma empresa é de muito boa qualidade e a convicção que tínhamos há uns meses é a mesma que temos hoje”, revela e ilustra dita convicção com números: “Temos cerca de 35 a 40 empresas na carteira e em 12 meses teremos mudados apenas duas ou três”.
Já as caraterísticas que permitem atingir o tal nível de convicção são as de ativos definidos como quality growth: “Empresas com lucros sustentados no longo prazo, que reinvestem esses lucros e capitalizam o investimento. Esta filosofia de investimento tem mostrado muito bons resultados nos últimos 20 anos, independentemente da quantidade e dimensão das crises pelas quais passámos no período”, termina.