De visita a Portugal, o economista chefe do UBS Global Wealth Management, Paul Donovan, falou com jornalistas sobre as suas perspetivas para 2024. A imprecisão dos dados que servem o mercado foi um dos pontos de análise.
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Estar perante um economista chefe de uma entidade financeira da dimensão do UBS e não lhe perguntar quais as expetativas sobre a evolução das taxas de juro, é como ir a Roma e não ver o Papa. De visita a Portugal, o economista chefe do UBS Global Wealth Management, Paul Donovan, esclareceu que é provável que o BCE comece os cortes no verão deste ano, mas a verdade é que foram outros os insights que saltaram à vista, numa conversa com jornalistas.
Um dos primeiros pontos salientados pelo profissional tem que ver com a qualidade dos dados económicos que hoje em dia são lançados para o mercado. Deixam a desejar, na sua opinião e, acima de tudo, “são menos confiáveis”, pois tem “existido um declínio significativo” na sua qualidade. E o que está por trás dessa degradação dos dados que saem para o mercado?
Em primeiro lugar, Paul Donovan salienta o facto de muitos dos dados económicos terem por base inquéritos. “Já ninguém preenche inquéritos como antigamente”, salienta o economista, dando o exemplo dos non farm payrolls, dos EUA. “Esta que é supostamente uma das mais importantes estatísticas do mercado norte-americano, apresenta uma taxa de resposta de 45%”, começa por ilustrar.
Em segundo lugar, o especialista traz outro factor para a equação, que também prejudica a exatidão dos dados. “Existem muitas mudanças na economia global. Trata-se de uma tendência que os economistas estão a chamar de quarta revolução industrial. Depois da pandemia começámos a ver o aparecimento de muitos trabalhos paralelos, especialmente feitos por gerações mais jovens, e o que acontece é que os dados oficiais não estão a refletir corretamente esse rendimento nem essa atividade económica, porque se tratam de trabalhos diferentes do comum até então”, esclarece.
Dependência dos dados: ainda faz sentido?
Na sua opinião, este tipo de dinâmica faz com que os investidores, o próprio mercado e os policy makers, acabem por estar sujeitos a consequências. Os dados tornam-se, de facto, menos precisos e as conclusões que deles se retiram já não podem ser tão profundas como acontecia outrora. “Dos dados atuais podemos tirar várias conclusões como “a economia está a sair-se melhor, pior, acima da tendência, etc.”, mas colocar em prática modelos em que se pretende saber se a economia cresceu 3% ou 2,8%, já não faz sentido. Não sabemos esse nível de detalhe”, explica.
Para Paul Donovan, tudo isto também colide com a própria postura dos bancos centrais. “Existe uma tendência infeliz por parte dos bancos centrais de dizerem que somos dependentes dos dados. Um exemplo disso foi o que aconteceu com a Fed há uns tempos. Powell subiu as taxas em 50 pontos-base, de forma muito rápida, e justificou-o com as elevadas expetativas de inflação. O que aconteceu é que o University of Michigan Consumer Sentiment Index apenas tinha mostrado expetativas elevadas e, em 10 dias, acabaram por rever em baixa essa expetativa. Ou seja, Powell baseou a sua subida de taxas numa informação errada”, dá como exemplo.
A importância dos consumidores de classe média
Uma das perspetivas do economista do UBS para este ano é a existência de um soft landing, em que a economia apresentará “crescimento abaixo da tendência, mas não muito abaixo”. A pergunta que na perspetiva do profissional importa fazer é: “Porque é que este não se trata de um abrandamento mais severo?”. Os consumidores da classe média são, no seu entender, a resposta.
Na opinião de Paul Donovan, “este é o grupo que realmente importa em termos de crescimento”. Genericamente, sublinha, “representa entre 30% e 80% da distribuição de rendimento. Embora os 20% mais ricos de qualquer país sejam muito importantes porque têm muito poder aquisitivo, os gastos que fazem são muito estáveis”. Os 30% com menor rendimento dentro de um país, apesar de também poderem variar em termos de poder aquisitivo, acabam por ter o seu poder de compra mais limitado por fazerem parte desses 30%. Desse modo, diz, “é o grupo que fica no meio que é importante em termos de poder de compra, mas que também apresenta maior variabilidade em termos de gastos”. Mas não só. É também o conjunto de pessoas que poupou mais durante a pandemia e que mantém essa poupança. Exemplifica: “Uma dessas pessoas que tenha, por exemplo, 5.000 euros no banco como poupança proveniente da pandemia, não vai gastar esse dinheiro, a não ser que se trate de uma compra muito importante. Nesse sentido, tendo em conta que existem 5.000 euros no banco, o pensamento muitas vezes é: para quê poupar 300 euros por mês? Vamos poupar 200 e desfrutar dos outros 100. Isso é o que está a acontecer. Tanto nos EUA, como na Europa, a taxa de poupança tem caído, mas mais nos EUA”, frisa.
Por fim, um terceiro ponto que apoia este crescimento dos consumidores de classe média, na visão do economista, prende-se com um caráter que o próprio apelida de “mais técnico”. “Estas famílias apresentam uma inflação mais baixa do que a inflação global, neste momento, pelo menos. Muita gente vai negar isto, porque muita gente acredita que a inflação é mais elevada do que na realidade é”, diz o profissional.
Um sintoma que, no seu ver, tem que ver com a forma como nos EUA se mede o mercado imobiliário. “Um americano de classe média tem a sua própria casa. Tem uma hipoteca de taxa fixa. Se for sensato, fixou essa taxa em 2021 num nível extremamente baixo e não a mudou. Ou, então, outro cenário - porque na verdade os EUA também são uma sociedade que está a envelhecer - esse americano não tem uma hipoteca da casa. Em ambos os casos, na realidade, a inflação do custo da hipoteca é zero, mas os dados o que dizem não é isso”, afirma o economista. Os dados nos EUA mostram que essa informação não é usada, salienta Paul Donovan, concluindo que “a inflação imobiliária nos EUA é baseada num conto de fadas”.