O cenário de inflação atual está mais próximo dos anos 70 ou anos 40?

Ariel Bezalel Jupiter
Ariel Bezalel, Jupiter. Créditos: Foto cedida (Jupiter AM)

A ciência económica, como ciência social que é, não nos permite fazer experiências. Pelo menos no tradicional sentido com que encaramos uma experiência científica. Podemos, isso sim, olhar para a história e tentar, com todas as limitações, encontrar bons exemplos que providenciem clareza. 

Não é pouco frequente no contexto de elevada inflação atual, que se repita que estamos a caminhar para uma situação como a que marcou a economia nos anos 70 do século passado. Contudo, Ariel Bezalel não reconhece nessa década semelhanças suficientes com o atual momento económico para tirar ilações. Recua, isso sim, umas décadas mais, para o pós Segunda Grande Guerra, para encontrar o cenário que mais se assemelha à experiência que vivemos nos dias de hoje.  

Os anos 70

Aquele que é o máximo responsável pelo fundo com Rating FundsPeople+, Jupiter Dynamic Bond, com mais de 10 mil milhões de euros a seu cargo entre várias estratégias da Jupiter AM, sente bem a necessidade de aprender com o passado para gerir o futuro e, por várias razões, os anos 70 não são a sua referência. “Muita gente fala dos preços do petróleo nessa década, mas outro fenómeno que a marcou foi um grande choque de procura estimulado pela geração baby boomer. As pessoas nascidas entre 1946 e 1964 começaram a entrar na força de trabalho e a ganhar o seu salário. Subitamente, estavam a consumir em grande escala bens duradouros como máquinas de lavar ou automóveis. O mundo não estava preparado para ir ao encontro desta escala de procura,” explica. Segundo o gestor, durante os anos 70, 80 e 90, o grande driver da economia global foi a procura de toda uma geração que nasceu no pós grande guerra e que representava mais de 500 milhões de pessoas, cerca de um décimo da população mundial da altura. “Aquele poderoso e persistente choque de procura foi o que impulsionou a inflação elevada dos anos 70”, recorda

Décadas depois

Décadas depois, esta geração, que foi um vento favorável nos destinos económicos, inverteu o seu efeito. “Um dos problemas que se tem revelado com um grande peso no crescimento mundial, prende-se com o facto  destas gerações começaram a chegar à idade da reforma. Pela altura que uma pessoa chega aos seus 70 anos, consome metade do que consumia nos seus 40. Um grande peso no crescimento económico. Por outro lado, estas mesmas pessoas têm agora que recorrer às suas poupanças para financiar o seu dia a dia, e isso não é bom para o preço dos ativos”, conta o gestor. 

Os anos 40

Se andarmos mais para trás na estrada da memória, para Ariel Bezalel encontramos então um cenário muito mais similar ao atual, seja pelas questões demográficas, seja pelas condições económicas. “Na segunda metade da década de 40, tínhamos acabado de sair da Segunda Guerra Mundial e tínhamos níveis de dívida governamental muito para lá dos  100% em alguns países. Como forma de reduzir esses níveis de endividamento, foram postos em prática mecanismos de controlo da curva de yields que mantiveram as yields em níveis baixos durante cerca de uma década. Durante este período vimos uma inflação extremamente volátil. Em alguns anos entre 5 e 10%, noutros anos, nos 0%, mas o bottom-line é que, ao longo de vários anos, a dívida foi desinflacionada”, recorda Ariel Bezalel. “O mesmo se está a tentar fazer agora”, exclama. 

Contudo, para o especialista em obrigações da Jupiter AM, a conjuntura atual não tem sido amigável para que se cumpra o objetivo de reduzir dívida por via da desvalorização do valor do dinheiro. “Estamos sistematicamente a ser atingidos por crises, como a pandemia, a situação Rússia-Ucrânia… que não nos permitem descer os níveis de dívida. Aliás, continuam a subir”, comenta.

Da forma que o gestor a interpreta, a inflação funcionará como um pêndulo. Há anos ou períodos como o atual, em que a preocupação é a inflação, mas onde “eventualmente se instalam de novo as forças desinflacionárias ou deflacionárias que nos fazem preocupar com o outro lado da equação”. Como consequência, Ariel Bezalel acredita que os governos continuarão a intervir para estimular o sistema e impedir os ativos de “ultrapassar o pico e cair num precipício deflacionário”. 

“As pessoas têm de ter em conta que, se olharmos para a história, os anos 1970 foram um pouco uma aberração e se olharmos para as centenas de anos anteriores a deflação e desinflação foram mais a norma”, alerta Ariel Bezalel. Posto isto, o gestor acredita que a deflação no limite, e desinflação, primeiramente, será o ponto onde  a poeira vai assentar, muito embora “possamos ter um período mais extenso de inflação que vai resultar, naturalmente, em volatilidade nos preços dos ativos”, conclui.