O efeito perverso dos bancos centrais: do quanto pior melhor ao quanto melhor pior

bce
jurjen_nl, Flickr Creative Commons

Houve uma altura, não muito longínqua, em que as más notícias macroeconómicas eram boas notícias para os investidores. Referimo-nos à época quando os bancos centrais começaram a pôr em prática os seus programas de flexibilização monetária, canalizados através dos seus programas de quantitative easing. Naquela altura, cada dado macroeconómico negativo era recebido com alegria pelos mercados financeiros. A razão era muito simples. Quanto mais fracos eram os tais dados macroeconómicos, maiores possibilidades havia de os bancos centrais irromperem em força nos mercados com os programas de compra de ativos, o que, em teoria, deveria causar a subida do preço tanto das ações como das obrigações. E assim foi. As bolsas subiram em força e as yields das obrigações caíram até tocar níveis mínimos históricos.

Então e agora...? Bem, agora encontramo-nos precisamente na situação oposta. "Se antes as más notícias eram boas notícias para os mercados, agora é precisamente ao contrário. As boas notícias são más notícias, uma vez que se entende que isto significará uma retirada de estímulos”, afirma David Lafferty, estratega chefe de Mercados na Natixis IM. Desde o passado mês de outubro, a Reserva Federal deixou de recomprar 20.000 milhões de dívida do Tesouro por mês e nos finais do ano serão 50.000 milhões. A autoridade monetária prevê que as suas taxas de juro se situem nos 3,375% em dezembro de 2020, mais 75 pontos base do que o mercado desconta (não é a projeção média, mas sim o ponto de vista maioritário dos membros do FOMC: houve cinco que votaram neste sentido, mas as opiniões dos restantes vão desde 1,5-1,75% a quase 5%). A questão é que os Estados Unidos não estão sozinhos na sua política de subida de taxas. Outras economias, como a canadiana ou a coreana, que já começaram a adotar uma abordagem semelhante endurecendo a sua política monetária.

 Os bancos centrais trabalham a velocidades diferentes. A Reserva Federal norte-americana está fortemente estabelecida na via de aceleração: após ter revisto em alta o preço do dinheiro em seis ocasiões desde os finais de 2015, tenciona realizar até seis novas subidas de taxas nos próximos doze meses. Segue-se o Banco de Inglaterra, com uma subida de taxas em 2017 e outra prevista para a segunda metade do ano. Um pouco mais atrasado, o BCE tenciona reduzir o seu programa de QE em setembro, antes de começar a considerar subir a sua taxa atual de 0% para o ano que vem. Em último lugar, encontra-se o Banco do Japão: com uma taxa de juro a curto prazo fixada em -0,1%, a entidade comprometeu-se a continuar a estender a base monetária até o índice de preços de consumo superar os 2%.

Mas, na opinião de Paul Brain, chefe de obrigações na Newton, se alguém olha para além desta diversidade, não restam dúvidas sobre a direção na qual o carrossel monetário se movimenta. “O sentido do percurso – seja na Zona Euro, no Japão, nos Estados Unidos ou no Reino Unido -  é o oposto das políticas que definiram a resposta à crise financeira global de 2008. A importância prévia em políticas expansionistas e em estímulos orçamentais ajustados está a ceder, e os bancos centrais mostram uma postura cada vez mais dura, inclusive quando os governos começam a sucumbir à pressão populista de soltar as rédeas das despesas”, afirma o gestor da BNY Mellon IM.

Entretanto, os balanços dos bancos centrais estão a diminuir. A Fed volta a ser um exemplo mais ilustrativo: o seu ritmo de contração atual é de 20.000 milhões de dólares mensais e – segundo Brain – irá continuar a aumentar. “Em relação aos próximos doze meses, antecipa-se que irá voltar ao mercado um volume de obrigações de 500.000 milhões de dólares”. Não obstante, o caminho fora dos Estados Unidos também é claro: os bancos centrais de todo o mundo começam a travar a liquidez e a desmantelar os seus programas de compras de ativos. Este contexto levanta a questão, descrita pelo especialista como “derrapagem orçamental”: a adoção, por parte dos governos, de políticas suscetíveis de estimular toda a economia .

No Reino Unido, isto poderá traduzir-se em subidas salariais no Serviço Nacional de Saúde (NHS) e nos Estados Unidos poderá significar um aumento sem precedentes do déficit em forma de salários de funcionários, defesa e infraestrutura. Na França e na Alemanha, de igual forma, as recentes greves no setor público destacam o quão difícil é manter a disciplina orçamental na Zona Euro. “Em teoria, esta mudança na conjuntura do mercado, que inclui maiores taxas de juro e o regresso da inflação, não augura nada de bom para as obrigações”, afirma. Nos mercados de obrigações, uma subida de taxas provoca uma maior diminuição dos níveis de cotação quanto mais se prolonga a sua duração no tempo, mas… como afeta as subidas de taxas nos mercados de ações?

Segundo Régis Bégué, diretor de Análise e Gestão de Ações da Lazard, para se perceber isto convém diferenciar três situações possíveis, cada uma das quais pode ter consequências diferentes sobre as ações. Primeira: uma subida de taxas longas (que depende das previsões do mercado em relação ao crescimento e inflação). Segunda: uma subida das taxas curtas (mais expostas às decisões dos bancos centrais). E terceiro: um aumento da inclinação da curva (que representa o spread entre ambas). “Muitas vezes ignora-se o facto de que os efeitos de uma subida de taxas sobre as ações são de dois tipos: impacto sobre a cotação (é o efeito mais imediato) e impacto sobre o resultado (efeito mais tardio) devido a um aumento do custo do financiamento. A importância do impacto irá depender da situação do balanço de cada empresa”, assegura.