O lançamento do DeepSeek provocou volatilidade nos mercados tecnológicos ao pôr em causa os grandes investimentos em infraestruturas de IA. No entanto, as gestoras assinalam a existência de oportunidades importantes na sequência da recente crise.
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A irrupção do DeepSeek colocou em cheque os líderes tradicionais da inteligência artificial (IA), gerando uma onda de volatilidade que poderá ser apenas o início de um reajuste estrutural nos mercados. Ou será? Embora esta correção no setor tecnológico tenha desencadeado algum pânico entre os investidores, várias gestoras concordam que, além dos desafios imediatos, existem oportunidades após a tempestade. O atual debate gira em torno de se este é um bom momento para aproveitar a queda ou se, pelo contrário, o panorama a longo prazo justifica uma abordagem mais cautelosa.
O verdadeiro impacto: o que veem as gestoras
O lançamento do DeepSeek, um modelo de IA capaz de oferecer um desempenho semelhante ao dos seus homólogos ocidentais com custos muito mais baixos, provocou fortes correções no mercado. Christophe Pouchoy, gestor de fundos da La Financière de l'Echiquier, explica que os reduzidos custos de treino do DeepSeek poderão pôr em causa a viabilidade dos atuais planos de investimento em infraestruturas da nuvem, o que explica a queda no valor das ações das empresas do setor.
No entanto, desde segunda-feira, muitos analistas financeiros dizem que este episódio deve ser lido mais como uma evolução do que como uma revolução e apelam à calma. Embora a capacidade do DeepSeek para fornecer modelos de elevada qualidade a custos significativamente mais baixos levante questões sobre os atuais investimentos em infraestruturas, não implica necessariamente um abrandamento global do setor. Antonio Cavarero, diretor de Investimentos na Generali Investments, considera que, embora o impacto inicial do DeepSeek tenha gerado incerteza, é demasiado cedo para dizer se poderá mudar as regras do jogo na corrida tecnológica entre a China e os EUA. No entanto, destaca que modelos mais baratos e eficientes irão inevitavelmente expandir a utilização da IA em todas as atividades, redefinindo o alcance dos investimentos em infraestruturas a médio e longo prazo.
Por sua vez, Alex Stauffacher, analista na Vontobel, descreve a DeepSeek como o “momento Sputnik da IA”, um marco que poderá mudar o paradigma do setor. Não obstante, afirma que os avanços do DeepSeek não só demonstram uma maior eficiência de custos, como também reforçam a capacidade da China para competir, mesmo sob severas restrições tecnológicas. No entanto, destaca que a corrida ao armamento provavelmente irá continuar, com um enfoque cada vez maior na rentabilidade e no desenvolvimento de aplicações práticas que expandam o mercado.
Além disso, Marcireau Jacques-Aurélien, gestor da Edmond de Rothschild AM, destaca duas caraterísticas da DeepSeek que lhe chamaram a atenção: "Em primeiro lugar, ajudou a reduzir o custo da computação em 10 vezes em comparação com os concorrentes ocidentais, pelo que é bom para tornar a GenAI mais viável e amiga do ambiente. Em segundo lugar, é de código aberto, o que significa que, em vez de manter as descobertas em segredo, a China está desta vez a contribuir ativamente para a comunidade de código aberto, partilhando conhecimentos para benefício de todos". A abordagem de fonte aberta da DeepSeek, afirma o especialista, pode ajudar a democratizar o acesso à IA e a promover colaborações internacionais.
Oportunidades em plena crise?
A queda acentuada das ações de gigantes tecnológicos como a Nvidia e a ASML provocou um sentimento de pânico entre alguns investidores, mas as opiniões sobre como resolver esta situação são muito divergentes. Louise Dudley, gestor da Federated Hermes, sublinha que o aparecimento do DeepSeek pode ser um catalisador para a adoção em massa da IA, graças ao seu baixo custo e acessibilidade. “Isto poderá aumentar o apetite das empresas e dos consumidores por ferramentas de IA, dada a melhoria da acessibilidade, aproveitando esta inovação e acelerando o horizonte temporal para a adoção da IA”, afirma. A DPAM concorda que esta mudança representa uma oportunidade para as empresas de software, uma vez que os custos mais baixos da IA lhes permitem oferecer maior valor aos clientes através de agentes de IA.
William de Gale, co-gestor do BlueBox Global Technology, acredita que, embora as alegações de baixos custos possam ser exageradas ou ter motivações políticas, não significam necessariamente o fim do boom da IA. Pelo contrário, poderão assinalar um reajuste das receitas excessivas de empresas como a Nvidia. “Se a IA se tornou 90% mais barata, será agora muito mais provável que os retornos sejam positivos, e serão potencialmente realizados 10 vezes mais projetos de IA, aumentando o investimento global”, explica. Segundo o profissional, o paradoxo de Jevon - em que a eficiência leva a uma maior utilização - pode tornar-se o motor de um ciclo positivo para a tecnologia em geral, mesmo que a Nvidia enfrente uma correção a curto prazo.
Karen Kharmandarian, diretor de Investimentos da Thematics AM (filial da Natixis IM), também alerta para o perigo de se tirarem conclusões precipitadas. Embora muitos investidores tenham optado por “disparar primeiro e fazer perguntas depois”, o profissional vê também uma oportunidade para reforçar as posições em certas áreas. “Não somos vendedores porque temos uma boa visibilidade das nossas empresas em termos de carteira de pedidos e de crescimento, e porque a redução dos custos de formação dos modelos não é sinónimo de uma menor procura de computação. Pode até ser uma oportunidade para reforçar algumas posições se a venda for extrema”, defende.
Mercados emergentes: a ganhar terreno na inovação
Além disso, a China posicionou-se no centro do debate sobre o futuro da IA. Como analisa Jacques-Aurélien, a abordagem da China, baseada na inovação e na colaboração aberta, não só melhora a acessibilidade da IA, como também traz concorrência ao mercado global. “Isto deve fazer-nos refletir sobre o impacto positivo que modelos mais acessíveis e colaborativos podem ter na economia global”, afirma.
Na mesma linha, Alex Stauffacher acredita que os custos mais baixos de formação e inferência do DeepSeek poderão acelerar a adoção de soluções de IA nos mercados emergentes, desafiando a liderança dos EUA, o que reforça a necessidade de diversificar as carteiras para ações em mercados como a Ásia. “Isto poderá marcar uma mudança significativa no sentimento dos investidores, uma vez que os mercados emergentes se tornam cada vez mais competitivos e atrativos para os investidores”, acrescenta.