Nas últimas semanas, 10 grandes empresas de seguros e resseguros abandonaram a Net Zero Insurance Alliance (NZIA), entre elas a AXA, a Allianz, a SCOR e a Swiss Re, algumas alegando razões antitrust. No dia 3 de junho, a Lloyd’s e a QBE acrescentaram o seu nome à lista de saída. No seu auge, a aliança representava cerca de 15% do volume mundial de prémios de seguros, mas agora seis dos oito signatários fundadores abandonaram-na. Isto apenas dois anos depois da sua criação.
Segundo o website da NZIA, a aliança conta agora com 17 membros, entre eles grandes nomes como a Aviva e a Generali. “Os que saíram são, obviamente, os mais expostos ao mercado norte-americano, onde o sentimento anticlimático e anti-ESG se tornou altamente politizado. Não há dúvida de que para as empresas que saem, e para a própria aliança, está em jogo a sua reputação”, explica Claudia Ravat, analista de ESG da La Française AM.
Por que razão as grandes seguradoras decidiram sair da Net Zero Insurance Alliance?
Uma carta enviada à Aliança no dia 16 de maio lança alguma luz sobre a situação. Assinada por 23 procuradores-gerais dos Estados Unidos, a carta manifesta a preocupação de que certos objetivos relacionados com o clima, delineados nos objetivos da Aliança, possam infringir leis antitrust estatais e federais. Apontam o facto da Aliança pressionar as empresas de seguros e os seus clientes a reduzirem rapidamente as suas emissões, o que se traduz num aumento dos custos, que são transferidos para os consumidores.
Esta combinação de pressões políticas e jurídicas nos Estados Unidos criou uma tensão significativa na iniciativa climática. Quatro dos antigos signatários têm uma atividade significativa nos Estados Unidos, o que - segundo a especialista - alimentou naturalmente o debate entre os políticos norte-americanos. Outra razão apontada para as saídas é o rigor dos requisitos da aliança.
Segundo as atuais regras de adesão, todas as seguradoras devem cumprir um dos cinco objetivos obrigatórios no primeiro ano de adesão e três nos três anos seguintes. Antes de anunciar a sua saída, o CEO da Lloyd’s expressou a sua preocupação, sublinhando a necessidade de a aliança tornar as suas regras de adesão menos prescritivas, sob pena de arriscar o desmantelamento.
De acordo com Claudia Ravat, a queda de tal aliança pode representar um obstáculo para os esforços de colaboração no espaço dos seguros. “Pode ser considerado um passo atrás na abordagem colaborativa à definição de objetivos. Além disso, durante os dois últimos anos, a aliança proporcionou um valioso apoio às seguradoras e aos não membros no desenvolvimento de ferramentas e metodologias para medir e divulgar as emissões de gases com efeito de estufa”.
O que é que isto significa para a NZAM e outras iniciativas Net Zero?
A iniciativa Net Zero Asset Managers (NZAM), a Net Zero Asset Owner Alliance (NZOA) e a Net Zero Banking Alliance (NZBA) são as outras grandes coligações, todas parte da Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ). Curiosamente, apesar de ter abandonado a NZIA, a AXA e a AXA Investment Managers continuam a ser membros da NZAO e da NZAM, respetivamente. A GFANZ, as suas iniciativas associadas e os seus membros têm sido alvo de um aumento das críticas e acusações antitrust por parte de senadores republicanos norte-americanos.
No dia 19 de outubro de 2022, 19 procuradores-gerais estatais republicanos entregaram a seis bancos norte-americanos pedidos de investigação civil, solicitando informação relacionada com a sua participação na GFANZ e apresentando preocupações antitrust. No final do passado mês de março, 53 dos maiores gestores de ativos dos EUA receberam uma carta de 21 procuradores-gerais estatais advertindo-os contra a participação naquilo que denominavam iniciativas ambientais e sociais woke.
Gestoras mantêm o seu compromisso com a Net Zero Asset Managers
Em particular, esta carta foi dirigida a grandes gestores de ativos como a BlackRock, a Franklin Templeton e a Goldman Sachs AM, todos eles membros da iniciativa Net Zero Asset Managers. Em comparação com os seus homólogos de seguros, estas gestoras de ativos exercem uma forte influência no panorama político norte-americano, o que os torna menos vulneráveis e melhor equipados para navegar em tempos difíceis. “Esta é, sem dúvida, a razão pela qual não assistimos a uma fuga semelhante”, revela a analista de ESG da La Française AM.
No entanto, tem havido saídas. No passado mês de abril, a Green Century abandonou a iniciativa NZAM, seguindo os passos da Vanguard. A Green Century, gestora de fundos livres de fósseis, mencionou problemas de cumprimento como motivo da sua saída. Por outro lado, a Vanguard, a segunda maior gestora de ativos do mundo, citou a necessidade de independência e o desejo de oferecer claridade sobre as suas perspetivas de investimento.
A resposta das alianças
As várias alianças já estão a responder a estes desafios, flexibilizando as regras para manter os seus membros. A GFANZ alterou as suas regras de filiação, suprimindo o requisito de compromisso com a campanha Race to Zero, apoiada pela ONU, após os principais bancos norte-americanos terem considerado a possibilidade de se retirarem do grupo. Do mesmo modo, a NZBA recusou-se a impor aos seus membros restrições de financiamento com combustíveis fósseis.
No entanto, estes compromissos suscitaram críticas dos ativistas verdes, que temem que os objetivos da aliança estejam a ser indevidamente diluídos. No plano regulamentar, a Comissão Europeia também se juntou ao esforço e flexibilizou as suas diretrizes antitrust para as empresas que estabelecem parcerias para resolver os desafios climáticos. O objetivo é ajudar as empresas a estabelecerem uma cooperação legítima e genuína em matéria de sustentabilidade, criando, ao mesmo tempo, um porto seguro contra ações legais.
“O êxodo em massa da NZIA e as saídas escalonadas de outras iniciativas levantam questões sobre a credibilidade e a eficácia dos grupos de colaboração, incluindo a GFANZ e outros. É discutível se os líderes climáticos, em muitos casos, estão a retirar-se destas alianças devido à preocupação com potenciais perdas comerciais nos EUA ou devido a um perigo legal real. Persistirão as dúvidas sobre o verdadeiro impacto das suas ações se operarem de forma independente. Haverá, sem dúvida, desafios a nível jurídico, político e operacional. No entanto, os esforços de colaboração podem ser mais eficazes para promover mudanças significativas e enfrentar a emergência planetária”, conclui.