O passado, o presente e o futuro da economia

Luis Alvarenga, Ramón Carrasco, Tiago Rabaça.
Luis Alvarenga, Ramón Carrasco, Tiago Rabaça. Créditos: FundsPeople

As condições macroeconómicas desempenham um papel crucial em qualquer decisão de alocação de ativos. Com base nos acontecimentos do passado, fazem-se as previsões para o futuro, pelo que, os gestores de ativos precisam de lidar com essas incertezas e decifrar da melhor maneira as condições macroeconómicas que se podem esperar.

Neste contexto, e no âmbito de um pequeno-almoço organizado pela FundsPeople e Carmignac, questionamos Ramón Carrasco, responsável de vendas da Carmignac, Tiago Rabaça, estratega de investimentos da DWM do Millennium bcp e Luís Alvarenga, CFA, gestor de carteiras na BPI Gestão de Ativos, sobre este tópico. Políticas dos bancos centrais, taxas de juro, inflação e deflação foram alguns dos pontos abordados.

É tudo uma questão de tempo

Para Ramón Carrasco, será tudo uma questão de tempo até que a política monetária dos bancos centrais, principalmente da Fed, comece a ser alvo de alterações — tal já como anunciado por Jerome Powell. Pelo menos foi assim que o profissional respondeu quando questionado sobre se tem alguma perspetiva de quando sairemos da abordagem de quantitive easing que tem pautado a política monetária. “Espero que saiamos desta política acomodatícia, caso contrário o setor financeiro vai enfrentar alguns problemas”, alerta.

O profissional da Carmignac diz que há que olhar para as expectativas de crescimento do PIB para 2021 e 2022. “Vemos uma recuperação das economias, portanto, essas decisões monetárias extraordinárias deverão ser progressivamente reduzidas”, aponta. Para voltarmos à normalidade, um cenário que muitos desejam, Ramón deixa um palpite: “Entre 20 e 24 meses”. 

De facto, a convicção de Tiago Rabaça é semelhante. “As políticas serão marginalmente menos acomodatícias”, sendo que acredita que mesmo depois do tapering acabar, “o balanço da Fed será bastante elevado”. Relembra, justificando a sua opinião, de que o Banco Central Europeu e o Banco do Japão “têm ainda maiores balanços”.

Já Luís Alvarenga começa a sua intervenção ao relembrar um pouco o passado: “Lembro-me que no início da minha carreira estava a falar com um gestor japonês e ele referia estar muito convencido de que as taxas iriam para 3% nos próximos anos, sendo que, isto foi no início dos anos 2000”. No entanto, tal como os dois colegas, assume que está convicto que sairemos desta política acomodatícia nos Estados Unidos e Europa. “Uma das coisas que talvez já esteja a acontecer é que a curva de yields nos EUA começou a achatar um pouco”, o que trará muitas implicações para os portefólios como um todo. Deixa ainda a sua convicção: “Existe uma hipótese acima da média das yields a 10 anos atingirem as projeções da Fed nos próximos anos, ainda que talvez a um nível mais baixo do que as que atingimos no ciclo anterior”. 

Por outro lado, o profissional da BPI Gestão de Ativos, afirma desde logo que conta atualmente com muitos pontos de interrogação. Admite, nomeadamente, que haverá algumas consequências nos próximos tempos, uma delas a volatilidade. Não obstante, vê “a economia como um grande navio, que quando se move numa direção, tende a manter o rumo por muitos anos”, comenta.

Já numa ótica geográfica, e talvez como seja expectável, os três profissionais creem que os Estados Unidos sairão mais depressa deste cenário de baixas taxas de juro do que a Europa.

Yields reais negativas vieram para ficar

Relativamente à subida das taxas de juro, Tiago Rabaça começa por referir que “devem acontecer ao longo do tempo, mas muito mais pacientemente e gradualmente face a ciclos anteriores”. 

Com esta ideia, o profissional sublinha que esta é uma  Fed diferente do passado. “Mesmo em 2018, quando a inflação estava abaixo dos 2%, assistimos a uma subida das taxas por parte da Fed só porque esperavam que excedesse nos próximos meses. Agora temos uma inflação entre 4 e 5%, e a Fed continua a dizer que as taxas permanecerão abaixo da neutralidade durante bastante tempo”, comenta. Desta forma, deixa a ideia de que as yields poderão aumentar marginalmente, ainda assim, “as yields reais devem permanecer negativas durante bastante tempo”, atesta.

Assim sendo, Tiago não tem dúvidas de que a yield do Tesouro a 10 anos não está atrativa. No entanto, segundo o próprio, “talvez compraria a 2,5%, porque, nesse nível, as yields reais tornar-se-iam ligeiramente positivas, assumindo uma inflação perto de 2%”. Na verdade, Ramón Carrasco expõe que, “com base nas estatísticas, as taxas de juro poderão voltar à média”, sendo que, segundo o próprio, essa média anda à volta de 2,5 e 3%.

Inflação: é ou não transitória?

Numa das perguntas económicas mais discutidas atualmente, Tiago Rabaça é convicto na sua resposta: acredita que a inflação será transitória. “É transitória porque tivemos os estímulos e a reabertura da economia — fatores momentâneos. Não estamos a ver cheques a serem enviados às famílias todos os meses. Se isso acontecesse, a inflação elevada seria permanente”, esclarece. 

E há risco de deflação?

Nos últimos 10 anos, o tópico deflação tem sido também ele muito discutido. Será que atualmente haverá algum risco de que o tema volte outra vez a ser alvo de debate? 

Ramón Carrasco acredita, sobretudo, que “voltaremos à média”. Contudo, com os preços das commodities tão altos, com problemas nas cadeias de distribuição e com os salários a aumentar, “esse impacto negativo da subida de preços deve continuar, pelo menos, nos próximos 12 meses”, prevê.

Já para o estratega de investimentos da DWM do Millennium bcp, essa nem é uma hipótese que se coloque nos Estados Unidos. Reitera que, apesar de as políticas estarem a ficar menos acomodatícias, ainda são muito expansionistas. “Esse cenário deve manter o crescimento e, ao mesmo tempo, o consumo e a inflação”, justifica. No entanto, a sua opinião muda relativamente quando se fala da Europa ou do Japão, onde revela que não vê as taxas de juro a subir a médio prazo. “O crescimento na Europa é certamente melhor do que no Japão, mas acredito em riscos deflacionistas nessas regiões, e decorrido este momento de elevados preços das commodities, assumindo que voltaremos à média depois de 2022, não vejo a zona euro a atingir 2% de inflação regularmente”.

Um outro ponto relevante é acrescentado por Luís Alvarenga: a tecnologia. “Penso que há uma grande força por detrás de nós que é a tecnologia, uma força extremamente deflacionária, que faz com que os produtos fiquem baratos, a economia mais eficiente, e está a forçar-nos a baixar os preços consistentemente”, apresenta. Por outro lado, comenta que “há forças a irem na direção oposta, e provavelmente, a mais relevante é a desglobalização”. O profissional dá como exemplo que nos últimos 20 anos assistimos a fábricas a moverem-se para a Índia e China, “e agora acredito que esse movimento está de alguma forma acabado e vemos fábricas a reabrirem nos EUA”, conclui.