O que esperar da Conferência Anual dos Bancos Centrais em Jackson Hole

9567548214_508b055c2f_z
m01229, Flickr, Creative Commons

Mais uma vez o aprazível vale de Jackson Hole - outrora habitado por pessoas muito diferentes, principalmente caçadores e montanhistas - aparece como o epicentro da política monetária mundial. Este cenário junto às Montanhas Rochosas, cuja cidade principal – Jackson – não alcança os 10.000 habitantes, reunirá as faces visíveis dos bancos centrais de todo o mundo num momento em que muitos apelidam de crucial.

Na verdade, segundo o estratega da Standard Life Aberdeen Luke Bartholomew, “a reunião de Jackson Hole deste ano poderá produzir o sentimento de fim de uma era”. São várias as razões que fornece o especialista, começando pelos próprios assistentes da reunião: “É provável que seja a última de Janet Yellen se for substituída no início do ano que vem, como se espera”. O estratega fornece outro argumento de peso, a sensação crescente de que “sob a administração de Trump o enfoque tecnocrata da Fed está cada vez mais desacreditado”.

Jackson Hole alternou historicamente simpósios tranquilos, marcados por discursos que versavam o estado da economia, com outros de maior transcendência, como o de há sete anos atrás em que Ben Bernanke deixou a porta aberta ao Q3, ou o discurso de Mario Draghi em 2014, quando praticamente anunciou a colocação em marcha do QE à europeia. Este ano a situação é bem diferente, com a Fed imersa num ciclo de subidas de taxas de juro – e pronta para começar a reduzir o seu balanço – e o BCE a procurar meios para começar a reverter os seus estímulos quantitativos.

O que esperar?

O tema do encontro deste ano, organizado como sempre pela Fed de Kansas City, tem o mote de “Promovendo uma Economia Dinâmica e Global”. O discurso de Janet Yellen – programado para o dia 25 de agosto pelas 8h00, hora local – centrar-se-á na estabilidade financeira, enquanto que o de Mario Draghi será às 13h00 e girará em torno da temática oficial da reunião, dando portanto uma resposta face às especulações sobre o final do programa PSPP. 

Com estes nuances, numerosos atores de mercado apostaram que inflação será a grande protagonista do simpósio. Entretanto, o euro valorizou ligeiramente à espera das palavras de Mario Draghi, enquanto que a libra continuou a cair – já está em mínimos de dez meses –, e o yen desvalorizou contra o dólar e o Dollar Index subiu embora ligeiramente. A rentabilidade dos títulos do tesouro norte-americanos a dez anos aumentou escassamente, enquanto que as principais obrigações europeias têm mantido um comportamento estável.

O estratega da Standard Life Aberdeen opina, dado o contexto, que “o debate que a Fed e outros bancos centrais deveriam ter em Jackson Hole é como lidar com futuras crises”, porque “a realidade é que as ferramentas convencionais que têm utilizado no passado simplesmente não serão tão efetivas no futuro com taxas de juro que provavelmente serão permanentemente baixas”.

Baseando-se na publicação das minutas da última reunião do BCE, os especialistas da MFS consideram que “se têm reduzido as expetativas de que Mario Draghi utilize o discurso que dará em Jackson Hole para antecipar uma mudança para uma política monetária menos flexível”. Da gestora acrescentam que “qualquer discussão a esse respeito deverá esperar até outono”.

Por outro lado, os analistas do Deutsche Bank afirmam que “a Fed deverá ser mais importante do que o BCE em Jackson Hole”. Segundo os seus cálculos, se a inflação continuar a manter-se mais débil do que o esperado, diminuir-se-ia a possibilidade de outra subida de taxas por parte do banco central norte-americano em dezembro; segundo análises do banco a partir de dados sobre o gap do desemprego, inflação, crescimento do mercado de trabalho e condições financeiras, atualmente o mercado considerou no preço cerca de 60% de probabilidade de subida de 25 pontos base em dezembro. “Isto não constitui um caso fácil, mas sugere que as expetativas do mercado são demasiado baixas”, afirmam.

Por outro lado, acreditam que o BCE tem pela frente "um caminho apertado em direção a uma saída gradual". Neste caso, consideram que "um euro forte e uma trajetória incerta da inflação são argumentos contra a programação do final do QE". 

Sintra, precedente de Jackson Hole

Para David A. Meier, economista na Julius Baer, os bancos centrais já levaram a cabo uma experimentação prévia à reunião de Jackson Hole para testar a reação dos mercados face ao regresso iminente à normalização monetária na Europa: o simpósio organizado no passado mês de junho em Sintra pelo BCE. Segundo o profissional, o encontro na sombra da melancolia que caracteriza o Palácio da Pena “demonstrou que vários bancos centrais colocam em causa a normalização monetária, o que arrastou os mercados”, no sentido em que a especulação em torno do final dos estímulos quantitativos do BCE – inclusive uma possível subida de taxas – “aumentaram a volatilidade do euro”.

Para o economista, “o exercício de Sintra pareceu exagerado, uma vez que causou reações consideráveis nos mercados monetários”. Na sua opinião, “Jackson Hole poderá ter um resultado oposto”, referindo-se ao facto de que “os bancos centrais, em particular o BCE, poderão tentar retirar a importância dos efeitos que a normalização monetária poderá trazer para manter os mercados financeiros tranquilos”.

Desta forma, o especialista considera que Mario Draghi poderá “incluir a flexibilidade no planeamento da reversão monetária, pois a inflação ainda não subiu o suficiente para que um endurecimento monetário imediato se justifique”. Por outro lado, acredita que a Fed tem um trabalho mais fácil: “poderá tentar convencer os mercados de que a inflação nos Estados Unidos voltará a subir, quando o mercado laboral estiver tão ajustado que faça subir os salários, justificando uma continuação da subida de taxas”. Na verdade, na entidade continuam a acreditar que em dezembro seja produzida uma suposta subida.