O que pode atrasar a primeira subida das taxas em Inglaterra? Não se foque no emprego, mas sim nos salários

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Leandro Stevens, Flickr, Creative Commons

É cada vez mais provável a possibilidade do Banco de Inglaterra (BoE) se adiantar à Reserva Federal, na hora de se efetuar a primeira subida das taxas de juro desde há algum tempo (no caso do banco central inglês, as taxas situam-se num mínimo histórico de 0,5% desde 2009). Ainda que o último relatório relativo à inflação publicado pela autoridade monetária durante o mês de agosto tenha mantido sem alterações tanto as taxas de juro, como o ritmo da compra de ativos, os investidores mantêm-se alerta após a mensagem mais “hawkish” do governador Mark Carney no mês de junho. 

A apoiar esta tese estão os últimos dados sobre o desemprego no Reino Unido, que se situam nos 6,4%, um mínimo de 2008, mas também o facto da inflação se situar nos 1,9% em junho, um décimo do objectivo da inflação. Ainda assim a notícia mais esclarecedora da semana é: dois dos nove membros do Comité de Política Monetária do BoE votaram a favor da subida das taxas, rompendo assim o maior período de consenso da história do país.

Também as expectativas de crescimento refletem a fortaleza da economia britânica. Monica Defend, responsável de alocação global de ativos da Pioneer Investments, juntamente com o economista sénior e responsável pela alocação global de ativos da empresa para a Europa e para EMEA, Andrea Brasili, calculam que o PIB do Reino Unido vai ser superior a 3%. Para esta estimativa baseiam-se nos resultados preliminares do PIB  correspondentes ao segundo trimestre do ano. A sua previsão para a inflação é de que esta se mantenha abaixo dos 2% até ao primeiro trimestre de 2015 acelerando logo de seguida.

“A persistente redução do desemprego e o aumento da procura interna explicam a força atual. Os riscos de queda face a este robusto comportamento centram-se em torno de uma possível bolha do sector da construção e no aumento do atual défice por conta corrente”, indicam da entidade. No entanto, também recomendam que se continue a vigiar o apagado crescimento de produtividade e as débeis dinâmicas salariais.

Não tão rápido, Mr. Carney

O que pode impedir a antecipação da subida das taxas? É nesta pergunta que se centra o resumo semanal de mercados Market Insights da J.P. Morgan Asset Management, que analisa a relação entre a taxa de desemprego e o crescimento dos salários do sector privado. “Historicamente, o crescimento salarial refletia a taxa de desemprego mas, desde a crise financeira, esta relação foi quebrada e moveu-se em direções opostas, já que o desemprego marcou um mínimo histórico de cinco anos de 6,4%, enquanto que o crescimento salarial entrou num período de contração”, resumem.

Da gestora asseguram que “esta divergência representa um verdadeiro quebra cabeças para o Banco de Inglaterra e continua a gerar incertezas sobre o excesso de capacidade do mercado de trabalho e sobre as implicações na altura em que as taxas irão subir pela primeira vez”. A última previsão oficial sobre o crescimento dos salários feita pelo BoE apresenta uma revisão oficial em baixa, já que agora se aponta para um crescimento de 1,25% em 2014 face aos 2,5% anteriores.

“A principal preocupação do Banco de Inglaterra relaciona-se com o que é que as taxas mais altas podem supor para a recuperação da economia, numa altura em que os salários reais ainda são negativos. Portanto, apesar da queda na taxa de desemprego, não achamos provável que o BoE suba as taxas, por causa do débil crescimento dos salários”, concluem da gestora norte-americana.

“Dissecar” o mercado de trabalho inglês

“Em geral, as pessoas preferem trabalhar mais, quanto mais lhes é pago. Quando muita gente já tem trabalho, as empresas têm que pagar salários mais elevados para encontrar empregados. Por isso,  salários mais altos deveriam estar associados a mais emprego”, argumentam da UBS Global AM os economistas Joshua McCallum e Gianluca Moretti. Para eles esta relação foi válida entre 2001 e 2010, mas a partir de 2011 quebrou-se. Ambos os especialistas acreditam que a explicação mais óbvia é o crescimento da oferta de mão de obra, ou seja, há mais pessoas dispostas a trabalhar sem que existam grandes ambições em termos de salário.

No entanto, descartam esta explicação: “Mesmo que a oferta de mão de obra aumente, há sinais de que a procura por trabalhadores tem acontecido de forma mais constante”. Para McCallum e Moretti, um bom indicador desta dinâmica é o rácio do número de vagas por número de empregados: se aumenta a oferta de trabalho, deveria ser mais fácil cobrir as vagas e então esse rácio deveria cair. Na realidade o que aconteceu foi o efeito contrário, pelo que justificam que  “tem crescido mais rápido a procura por trabalho do que a oferta, então o crescimento salarial não deveria ser tão débil”.

Esta hipótese também tem um “mas”: embora o número de postos de trabalho tenha crescido a um ritmo muito mais rápido do que o emprego, na realidade não subiu tão rápido se se comparar com o número de desempregados: a relação entre os lugares disponíveis de trabalho e o desemprego permanece abaixo da média histórica. “É a consequência da incorporação de mais gente no mercado de trabalho como sequela da crise”, afirmam os especialistas. Estes consideram, no entanto, que “o mercado laboral inglês está tão forte que mesmo que o número de vagas disponíveis aumente para metade do ritmo dos últimos seis meses, o rácio de postos de trabalho por desempregado voltará aos níveis prévios, no princípio do ano que vem”.

Outra possível explicação para a debilidade dos salários apontada por ambos os economistas é o escasso crescimento da produtividade. Mas isto abre portas a outra questão: Porque é que foi tão forte o emprego com uma produtividade tão medíocre? Uma das explicações é que muitos dos postos criados serão para trabalhos mal remunerados ou em part-time. Talvez o principal factor para o crescimento dos salários seja simplesmente o facto de atualmente se estar a demorar mais tempo a passar de mais empregos para salários maiores”, pelo que, concluem que “esta explicação poderia implicar que a relação entre a taxa de desemprego e o crescimento salarial não é linear”.

Terminando a sua análise, McCallum e Moretti acreditam que o BoE está no caminho certo ao estarem mais atentos à evolução do mercado laboral do que a à inflação, ainda que esta esteja a “roçar” os objectivos dos 2%. “É difícil imaginar conceber como é que a inflação pode continuar a subir se o salário nominal não aumenta. A subida dos preços não será sustentável se os salários não subirem: simplesmente, os lucros vão ser apertados, a procura cairá e os preços baixarão”. Os especialistas terminam com uma advertência: “O BoE está em concreto a centrar-se no aumento de salários, mas dado que vários dos indicadores-chave para os salários já estão a subir, o risco que existe é que as taxas subam demasiado tarde”.