Para Nick Clay da Newton, filial do BNY Mellon, os banqueiros centrais andam há demasiado tempo a alimentar os mercados com hidratos de carbono.
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“A disciplina melhora a probabilidade do sucesso”. Quem o diz é Nick Clay, portfolio manager na Newton (BNY Mellon) e gestor do BNY Mellon Global Equity Income Fund (fundo com selo Consistente Funds People), referindo-se a uma das características mais marcadas do processo de investimento do fundo nos seus 11 anos de existência: a disciplina. “A disciplina ajuda a navegar os mercados nos dias de hoje, quando a narrativa e o sentimento se tornou muito mais importante que os factos e os fundamentais”. A estratégia procura gerar um “retorno decente” ao longo do tempo, mas foca mais na sustentabilidade dos rendimentos. Para o assegurar o processo enfrenta duas disciplinas:
- Disciplina na compra: “apenas podemos comprar ações se a yield for 25% acima da média do mercado.”
- Disciplina na venda: “se nos nossos investimentos a yield descer abaixo da yield média do mercado, somos forçados a vender.”
“Esta combinação dá a garantia aos investidores de que nos mantemos focados no rendimento e que vamos render mais do que o mercado, mas também garante que as empresas em carteira apresentam também disciplina na alocação de capital, no sentido de garantir a sustentabilidade do dividendo ao longo do tempo”, explica Nick Clay.
E porque é importante a disciplina nos dias de hoje?
“Quem nos conhece sabe certamente que consideramos que o Quantative Easing (QE) é uma mega experiência que os banqueiros centrais estão pôr em prática desde 2008, e que não funciona”, refere o profissional da Newton recorrendo a diversas metáforas para explicar a sua opinião:
1. Colocar a carroça à frente do cavalo: nesta metáfora a economia é o cavalo e a carroça são os mercados. Segundo o especialista, a economia deveria mostrar crescimento e com isso dar impulso aos mercados. “Os bancos centrais mudaram essa lógica. Empurraram os mercados e esperam que a economia os siga diligentemente. E foram muito bem sucedidos a empurrar praticamente todos os mercados e, no entanto, em grande parte das regiões do planeta o cavalo continua pacificamente a pastar.”
2. As sereias da Odisseia: Tal como no poema épico de Homero em que as sereias ludibriavam os marinheiros, levando-os a naufragar, nos mercados estas “sereias” trazem mensagens de esperança que, segundo o profissional, iludem os investidores. “Estamos sistematicamente a ouvir as sereias a clamar que tudo começará a funcionar, que este ano, sim, a economia entrará nos eixos. E passámos de Yellen, Draghi ou Kuroda para Trump, a afirmarem que o futuro é fantástico e que tudo voltará a funcionar. Mas precisamos ser bastante cautelosos, e não nos deixarmos levar por esta narrativa. Há que tapar os ouvidos e evitar a armadilha de subir na curva do risco à procura de um pouco de retorno”.
3. A migração dos animais na savana: “Quando migramos para uma classe de ativos ou um estilo de investimento em busca de retorno, sentimos que é a atitude correta e ficamos calmos. Mas em algum ponto do caminho surgirá um rio e isso fará com que a calma se torne em pânico. Vimos isso no Reino Unido e nos fundos de real estate depois do Brexit, por exemplo, em que tiveram que fechar os fundos. Tal como na travessia dos animais no rio, enfrentamos o risco de uma permanente perda do capital. Os crocodilos podem aparecer.”
4. A economia não é uma máquina: “os banqueiros trabalham sob a falsa pretensão de que a economia é uma máquina, que é linear e previsível. Algo em que se introduz dinheiro num lado, e do outro sai um crescimento robusto, inflação e pleno emprego. Mas o mundo não é uma máquina, é mais um ecossistema. Há um ciclo que tem que evoluir constantemente. Capital é criado, capital é destruído, e é novamente criado, num movimento constante que no limite traz a estabilidade. Tentar controlar o ciclo e não o deixar completar-se, com taxas de juro nulas, suportando empresas sobre-endividadas e excedentes de capacidade, acaba por fazer com que tudo fique mais frágil”.
O mercado e o vício em donuts!
Para Nick Clay nenhum dos factos salientados interessa aos mercados nos dias de hoje, porque nos tornámos dependentes dos banqueiros centrais. “Estamos dependentes do que nos alimentam, açúcar, hidratos de carbono, donuts”, metaforiza, apontando para a “produção de donuts” dos bancos centrais, num gráfico que mostra a expansão dos balanços ao longo da última década.
“Tornámos os banqueiros centrais nas pessoas mais importantes no mundo”, pontualiza, “sempre que algo vai mal olhamos para eles em busca de salvação -whatever it takes”.
O passo difícil!
O passo difícil, para Nick Clay, passaria por deixar o ciclo completar-se, deixar as empresas com excesso de capacidade falir, ter recessões. “Mas o que estamos a fazer é a criar outra bolha, o que é mais fácil e politicamente correto: imprimir mais donuts e dar mais açúcar aos mercados”.
Citando o famoso crítico da Reserva Federal e gestor de fundos John Hussman, o profissional salienta as consequências de tais medidas de política monetária, nomeadamente, a alocação de capital desadequada, distorção do horizonte temporal de investimento – tornando-o mais curto – e o excesso de alavancagem. “Mas também há o impacto social, já que as pessoas que beneficiam dos desajustes de mercado são as pessoas que detêm os ativos. Não está a beneficiar a sociedade, mas apenas alguns. Foi por isso que vimos o Brexit e a vitória de Trump, ou que veremos, provavelmente, eleições em Itália, este ano”, relata. “E o nosso vício dos donuts continua a crescer, a dívida total global desde a crise financeira subiu outros 56 biliões de dólares. Cresceu em todo o lado, nos estados, empresas, bancos, indivíduos.... Não admira. Os donuts são ótimos e, melhor, são grátis”, observa.
Por fim, o profissional recorre aos Monty Python para uma última metáfora que deixa evidente a sua opinião de que caminhamos para o final do ciclo. No sketch que referencia, o senhor Creosote, obeso mórbido, termina uma farta refeição com um biscoito de mentol que o faz rebentar. Nick Clay explica: “O importante nesta cena não é o facto de ele ter rebentado de tanto comer, mas sim que depois de o fazer, aparece o empregado que diz: Aqui tem a conta, senhor.”