2022: um ano traumático para os investidores

Eduardo Monteiro_BPI
Eduardo Monteiro. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Eduardo Monteiro, responsável de carteiras de Gestão Discricionária de HNWI na BPI Gestão de Ativos.

O ano de 2022 não vai ser de boas memórias para os investidores. Vai ficar na história como um dos piores anos ao nível da performance dos ativos obrigacionistas. Nunca antes tínhamos assistido a perdas de dois dígitos nos índices de obrigações governamentais quer nos EUA, quer na Europa.

Depois de vários anos em que os bancos centrais se posicionaram como amigos dos investidores, diminuindo a volatilidade e injetando liquidez nos mercados, em 2022 essa postura mudou radicalmente.

Em vez de impedir os impactos económicos mais negativos de uma guerra na Europa, os bancos centrais agravam os mesmos subindo as taxas de juros, sendo que nos EUA esta subida é a mais rápida de sempre. 

Em 2022, a Reserva Federal norte-americana (Fed) subiu as taxas de juro de 0.25% para 4.5%, enquanto que o Banco Central Europeu (BCE) subiu a taxa de juro de 0% para 2.50%. Para se ter uma noção mais precisa da dimensão do choque que os mercados enfrentaram em 2022, basta dizer que no início do ano se perspetivavam apenas subidas de 75bps nos EUA (para 1%) e na Zona Euro previa-se a manutenção das taxas de juro nos 0%.

Esta mudança de atitude resultou do aparecimento de uma inflação que, ao contrário da narrativa do final de 2021, não se revelou transitória. A guerra na Ucrânia gerou uma pressão nos preços de energia que alimentou uma dinâmica inflacionista que tinha sido iniciada no período pós-covid, tornando os impactos que pareciam temporários mais persistentes.

Perspetivas para 2023

2023 é um ano particularmente difícil para projeções, uma vez que se perspetiva um abrandamento económico que será tanto mais prolongado quanto mais agressiva e permanente for a postura restritiva dos bancos centrais. 

Passados quase três anos de pandemia, é legítimo afirmar que os bancos centrais injetaram demasiada liquidez na economia para prevenir o colapso económico, tendo sido os causadores da atual inflação. Sendo apontados como os culpados da atual crise, parecem pressionados a conter a inflação, subindo as taxas de juro a um nível e a um ritmo anteriormente impensáveis. Esta postura, aumenta as probabilidades de repetir o erro, mas desta vez de sinal contrário, impondo políticas monetárias mais restritivas do que o necessário.

Principais mercados

Neste aspeto, a reunião do BCE de dezembro de 2022 revelou-se preocupante porque mostrou uma instituição focada no combate à inflação e insensível ao dano que a sua intervenção poderá provocar na economia europeia.

Esta atitude, conjuntamente com a dependência do ponto de vista energético, com um mercado laboral menos apertado do que nos EUA e uma guerra na região, gera uma combinação que pressiona negativamente o outlook económico e que provavelmente deverá gerar uma underperformance da economia europeia face ao resto do mundo. 

Os EUA estão mais avançados no ciclo do que a Europa e são independentes do ponto de vista energético, pelo que poderão ultrapassar 2023 com menor dificuldade. No entanto, o mercado de trabalho norte-americano apresenta atualmente mais problemas porque a taxa de participação da população ativa tem diminuído.

Após a pandemia de Covid-19, a atitude da população ativa de maior idade mudou, tornando-se menos predisposta a trabalhar e expor-se a doenças, bem como mais predisposta a cuidar dos netos com reformas antecipadas. Esta mudança tem gerado várias lacunas laborais no EUA, que têm sido agravadas pela menor migração, assim como pela queda estrutural das taxas de fertilidade.

A performance económica dos EUA estará dependente da velocidade da queda do ritmo de subida dos salários. Depois de assistirmos a ganhos salariais entre 5-6% em 2022, se esse valor estabilizar em torno dos 3-4%, podemos assistir a uma mudança de atitude por parte da Fed.

A China encontra-se num estágio económico diferente, uma vez que não teve a forte recuperação pós-covid, pelo que as dinâmicas inflacionistas no país são mais contidas. Aliás, o principal problema da China não é a inflação, mas o crescimento que tem vindo a ser limitado pela política de covid-zero e os sucessivos confinamentos na região.

Após os fortes protestos na região relativos aos sucessivos confinamentos, o governo chinês foi implicitamente incentivado a mudar o rumo da politica, adotando um regime mais dinâmico e menos restritivo de abordagem ao Covid-19.

Uma das principais incertezas em 2023, será a dimensão do crescimento chinês, que se surpreender pela positiva poderá contrabalançar os efeitos negativos das políticas monetárias restritivas da Europa e dos EUA e assim fornecer um catalisador para a recuperação dos mercados.

Ações

Em 2022, a forte subida das taxas de juros foi a principal razão da performance negativa dos mercados em 2022, até porque a performance operacional das empresas em termos de resultados foi bastante razoável. De facto, face à degradação das perspetivas económicas, até se poderia esperar uma pior performance. No entanto, as empresas demonstraram resiliência e apresentaram resultados maioritariamente em linha com o esperado.

Em 2023, a evolução das taxas de juro deverá novamente ser o principal fator determinante das performance dos mercados acionistas. Caso a inflação dê maiores sinais de moderação, os mercados poderão assistir a reversões das quedas provocadas pela atual política monetária.

O sentimento pessimista e as valuations mais atrativas conseguiram igualmente limitar quedas mais pronunciadas em 2022 e deverão igualmente limitar evoluções negativas dos índices em 2023.

A nível de estilos, o estilo value saiu vencedor em 2022, em virtude da menor duration dos seus cash flows, o que permite uma menor sensibilidade à taxa de juro. Dentro do estilo valor, o setor que mais brilhou em 2022 foi energia

Para 2023, provavelmente o estilo que mais irá beneficiar dependerá da postura dos bancos centrais sendo que se estes adotarem uma postura menos restritiva o estilo crescimento, muito penalizado em 2022, poderá recuperar das fortes perdas sofridas.

Independentemente dos bancos centrais, o setor de energias verdes poderá consolidar a sua outperformance em 2023. Apesar de ser um setor de crescimento, realizou uma clara outperformance ao índice mundial. O aumento da consciência coletiva da importância de salvar o planeta bem como a necessidade de salvaguardar a segurança energética têm vindo a pressionar os vários países a aumentar os investimentos nestas tecnologias. A aprovação nos EUA do Inflation Reduction Act, o qual compromete um elevado investimento neste setor, parece ter impulsionado decisivamente este setor.  

Obrigações

Depois de termos assistido a um dos piores anos de sempre em ativos obrigacionistas, as perspetivas futuras na classe melhoraram de forma significativa.

Com as taxas de juro governamentais a dois anos acima dos 4.2% nos EUA e de 2.4% na Alemanha é possível construir carteiras com rentabilidade esperada positiva sem demasiado risco de taxa de juro, o que deverá permitir aos portefólios uma maior almofada para lidar com as adversidades.

No entanto, depois de perdas de dois dígitos, a recuperação das mesmas estará dependente da evolução da parte mais longa da curva e, neste aspeto, o foco estará na evolução da inflação.

Os últimos dois relatórios sobre a inflação norte-americana foram positivos, mostrando já uma forte queda da inflação em termos da componente de bens, uma perspetiva de queda da inflação nas rendas, e uma desaceleração da inflação nos serviços. Adicionalmente ainda não estão refletidos totalmente os impactos económicos das subidas dos últimos seis meses, que foram muito expressivas de 1.75% em julho para 4.50% em dezembro, pelo que também esta componente deverá ajudar a moderar o ritmo de subida dos preços.

Dentro da classe, as componentes de Obrigações de Governo e Corporate Investment grade (empresas de melhor qualidade creditícia) são as que revelam uma maior atratividade (melhor relação risco/retorno). Adicionalmente, privilegiamos obrigações de duration mais baixa, uma vez que a visibilidade sobre a rapidez da queda da inflação é ainda reduzida.

As obrigações ESG deverão continuar a crescer a sua importância dentro do total de emissões, uma vez que a procura por parte dos investidores deverá continuar muito forte. A este nível, a aprovação de algumas leis, como, por exemplo, o Inflation Reduction Act nos EUA, a possível retoma das negociações climáticas entre os EUA e a China, bem como os novos compromissos resultantes da COP27 podem impulsionar de forma duradoura o investimento na transição climática

Recomendações para 2023 em termos de gestão de portefólio

Provavelmente o ano de 2023 será igualmente volátil, sendo a principal incógnita a velocidade da queda da inflação, que atualmente está no nível mais alto dos últimos 40 anos.

O facto de o ser humano não gostar do desconhecido muitas vezes provoca uma sobrerreação. Foi o que aconteceu com a pandemia do Covid-19 e provavelmente está a acontecer no atual combate à inflação.

Deste modo, ter maiores níveis de ativos de curto prazo, os quais são remunerados a taxas mais atrativas parece uma proposta vencedora.

Adicionalmente, o ouro poderá ser um bom hedge caso exista um risco de descontrolo da política monetária, ainda para mais depois do crash que a Bitcoin sofreu em 2022, o que poderá significar menos concorrência na procura de uma alternativa ao papel-moeda. 

Em qualquer instância, na gestão de um portefólio, recomenda-se uma exposição diversificada a diversas classes de ativos, adequada à situação do Cliente e ao seu perfil. 

Riscos que mais preocupam

O risco mais previsível é a evolução da inflação, a resiliência do ritmo de subida salarial e a atitude face a estas dinâmicas por parte dos bancos centrais, que poderá passar por

  1. Optar por uma política monetária menos restritiva, o que pode deixar a inflação em níveis maiores que o desejado.
  2. Optar por uma política monetária demasiado restritiva pode criar uma recessão na economia.

Embora o cenário central seja de uma recessão suave ou de um chamado Soft Landing (controlo da inflação sem uma recessão grave), os riscos permanecem ainda elevados e a visibilidade reduzida. Neste contexto, importa perceber a magnitude da desaceleração da economia global provocada pela restrição da política monetária na maioria das principais economias. Nesse sentido, será também importante analisar de que forma a previsível reabertura da economia chinesa pode suportar a procura global e, eventualmente, causar algumas pressões inflacionistas indesejadas. 

Do ponto de vista europeu, é também de relevo monitorizar a evolução da atual crise energética e da capacidade do Velho Continente atrair e utilizar fontes alternativas de energia ao gás russo, algo que será essencial para evitar uma contração mais acentuada da economia e uma maior persistência da inflação.