CONTRIBUTO de Filipe de Oliveira Casqueiro e Miguel Dias Mesquita, advogados na SRS Legal.
Com entrada em vigor em 20 de maio de 2024, o Regulamento (UE) 2024/1183 vem alterar o anterior Regulamento eIDAS de 2014 relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno, concretizando-se, assim, o projeto de criação de uma carteira europeia de identidade digital.
A iniciativa da União Europeia representa uma clara mudança de paradigma no que diz respeito à identificação das pessoas no Mercado Único. Isto porque a carteira europeia de identidade digital deverá agregar um conjunto alargado de dados pessoais, incluindo qualificações académicas e atributos pessoais, permitindo aos utentes (pessoa singular ou coletiva) armazenar, gerir e validar de forma segura dados de identificação pessoal e certificados eletrónicos de atributos. Assim, os cidadãos europeus terão um maior controlo dos seus dados de identificação quando circulam no espaço europeu.
Apesar do seu potencial de aplicação transversal, as vantagens deste novo sistema são particularmente interessantes para o setor financeiro.
Diversas vantagens
A avaliação de impacto que acompanhou a proposta da Comissão Europeia dá conta de que os custos operacionais com os processos de identificação no setor financeiro são consideravelmente reduzidos com a aplicação deste novo sistema, traduzindo-se numa poupança anual que poderá ascender a 1.360 milhões de euros.
A redução dos custos justifica-se pela simplificação e aceleração dos processos de registo e avaliação de novos clientes (onbording e customer due diligence), evitando-se a verificação manual de documentos. Na perspetiva do cliente, este processo torna a sua experiência substancialmente mais fluída e satisfatória, já que reduz a complexidade burocrática na preparação dos processos de identificação perante as instituições financeiras.
A implementação deste sistema concede ainda às instituições financeiras um caminho mais eficaz na manutenção da conformidade com as regulamentações europeias, incluindo o Regulamento Geral sobre Proteção de Dados (vulgo RGPD), as diretrizes de conhecimento do cliente (KYC - Know Your Customer), a prevenção de branqueamento de capitais (AML - Anti-Money Laundering), entre outras aplicáveis ao setor financeiro. Esta vantagem do sistema ao nível de cumprimento de obrigações legais é potenciada pelo quadro de uniformização oferecido pela carteira, que está alinhado com as normas de privacidade e segurança da União Europeia.
A já referida avaliação de impacto prevê que os encargos causados pela criminalidade digital (nomeadamente, a apropriação indevida de identidade e a fraude online), serão substancialmente reduzidos com a carteira digital, na ordem de entre 850 milhões e os 1.400 milhões de euros.
Ao utilizar um sistema digital unificado para a verificação de identidade, emitido e verificado por prestadores de serviço de confiança, a autenticidade dos utilizadores é assegurada, o que reduz o risco de fraudes, minimiza o risco de perdas financeiras e riscos associados à atividade financeira.
A par das vantagens relacionadas com a diminuição de custos, a carteira digital facilitará as transações e interações transfronteiriças, ao oferecer um meio de identificação reconhecido e confiável em todos os estados-membros, potenciando a expansão dos serviços das instituições financeiras além-fronteiras.
Não menos importantes são as vantagens ambientais deste sistema. A não utilização de papel (go-paperless) e a redução da pegada de carbono associada aumentam os índices de sustentabilidade empresarial, contribuindo para a estratégia ESG das organizações.
Em resumo, a Carteira Europeia de Identidade Digital tem o potencial de transformar o setor financeiro europeu, tornando-o mais integrado, seguro e eficiente para o cliente e para as instituições financeiras.