Luis Pais, analista do departamento de Asset Management do ISCTE Trading & Investment Club, faz uma análise macroeconómica ao contexto global atual.
Registe-se em FundsPeople, a comunidade de mais de 200.000 profissionais do mundo da gestão de ativos e património. Desfrute de todos os nossos serviços exclusivos: newsletter matinal, alertas com notícias de última hora, biblioteca de revistas, especiais e livros.
Para aceder a este conteúdo
TRIBUNA de Luis Pais, analista do departamento de Asset Management do ITIC – ISCTE Trading & Investment Club.
Todos os anos algum tipo de drama percorre os noticiários. Mesmo em tempos de aparente estabilidade global, um cenário pessimista é convocado para contrariar as boas expetativas.
Desde 2020, temas não têm faltado para poder sustentar este ataque. Após as comemorações de ano novo, sente-se a preocupação de que o ano que se segue seja semelhante ao cenário de 2008/2009, uma crise ainda bastante presente na memória de todos os agentes económicos espalhados pelo mundo.
No entanto, até agora, pouco se sentiu na economia real. Por outro lado, os mercados financeiros já adoeceram: do seu pico de final de 2021 até outubro de 2022, o S&P500 já registava uma descida de mais de 25%. Apesar de ter recuperado parte do seu valor, o sol deste Verão voltou a não brilhar nos mercados.

O mau da fita
Num contexto de juros baixos, a aplicação da abordagem de Keynes pelos governos ocidentais, via incentivos fiscais e apoios, aliada ao aumento da dívida transversal a toda a economia, evitaram um colapso total da economia global após a pandemia de 2020. Contudo, o período de prosperidade contínua não podia durar para sempre, e a inflação veio assegurar-se de que isso não acontecia.
O monstro já esquecido na memória de muitos povos, até do alemão, ressurgiu. O cenário inflacionista das economias ocidentais forçou os bancos centrais espalhados pelo mundo a voltarem a incutir um custo no dinheiro. Ainda mais preocupante, obrigou o maior aliado dos mercados financeiros americanos (e, de certa forma, europeus) a fechar a torneira do dólar: a FED deixou de ser um comprador ativo da dívida do Tesouro americano. Apesar disso, e para poder cumprir as suas obrigações, o governo americano continua a bater recordes de dívida emitida. Segundo o The Economist, oficialmente prevê-se que o governo federal gaste o equivalente a 2.5% do PIB americano no serviço da dívida, que vai atingir 3.2% em 2030, e que há 10 anos era 1.25%. Os mercados financeiros, como sempre, não ignoram os dados: o juro da obrigação de 2 anos dos Estados Unidos já ultrapassa os 5% e a de 10 anos não consegue baixar dos 4% desde agosto. A curva das yield continua invertida, uma reflexão do pessimismo vivido pelos agentes económicos.

Este cenário ultrapassou o atlântico e contagiou a Europa: os juros das obrigações de 10 anos das principais economias europeias aumentou exponencialmente e provocou mau ambiente em Frankfurt. O BCE, apesar de fora de horas, teve de agir perante a inflação e os seus atos já se fizeram sentir. No Reino Unido, o herói foi o The Bank of England, que impediu o governo britânico de falhar o pagamento das suas obrigações financeiras após o anúncio de medidas populistas (e inflacionistas) da sua ex-ministra.
Fora dos corredores políticos
Muitos economistas afirmam que o sistema financeiro enfrenta desafios menos preocupantes do que o sistema de 2007. De fato, várias medidas e regulações foram impostas e os bancos estão sujeitos a menos riscos do que há mais de uma década. Porém, o resgate urgente do Credit Suisse (um banco com mais de 160 anos de história) e os colapsos dos bancos americanos Firt Republic e Silicon Valley Bank veio provar que o sistema bancário continua vulnerável a mudanças conjunturais da economia.

Há um detalhe de extrema importância que, apesar de pouco mencionado, distingue efetivamente o cenário macroeconómico atual do que se viveu em 2008/2009. Apesar de ser alvo de críticas e confrontos comerciais, a China salvou o Ocidente do desastre da Grande Recessão. Enquanto o resto do mundo estava afundado numa depressão económica, a China apareceu para salvar o planeta. Segundo o National Bureau of Statistics of China, em 2008 e 2009, o PIB chinês cresceu 9,7% e 9,4%, respetivamente. Indiscutivelmente, o milagre chinês e a sua mão de obra barata reviveram a economia global, especialmente a americana. O cenário de hoje é notavelmente distinto. A China enfrenta uma crise financeira e imobiliária preocupante e o boom económico das últimas quatro décadas acabou, agravando o cenário de recessão global.
O recente aumento do preço do petróleo é a cereja no topo do bolo venenoso. As guerras que se vivem na Ucrânia e em Israel afetam geografias cruciais do fornecimento desta matéria-prima. A degradação da ordem global liderada pelos Estados Unidos não é inconsequente: a personagem principal do Médio Oriente, a Arábia Saudita, juntou-se à Rússia no corte de produção do petróleo. Este tema é merecedor de um artigo na íntegra, per si.
“Por favor, Europa, cuidado com a próxima curva…”
O teste crucial começa agora, nos próximos semestres. Num cenário de juros altos, as famílias europeias vão ver aumentados os seus custos de financiamento. O crédito habitação vai-se tornar um pesadelo dos rendimentos. A escassez de oferta e a forte procura sustenta os preços dos ativos imobiliários no continente europeu, mas o número de transações já caiu a pique, um indicador de que, inevitavelmente, os preços irão se ajustar. A recessão já bateu à porta do antigo Muro de Berlim e o G7 observa a sua primeira vítima de 2023. O cenário inflacionista limita a capacidade dos decisores BCE de socorrer o povo europeu, restando-lhes apenas observar o caos dos seus escritórios em Frankfurt. O desespero financeiro vai-se refletir num desespero político e os candidatos populistas, já com uma forte presença no espetro político europeu, vão ser os verdadeiros vencedores desta crise.
Apertem os cintos e “Por favor, Europa, cuidado com a próxima curva…”.