Bárbara de Almeida Conde, presidente do ITIC - ISCTE Trading & Investment Club, analisa as recentes medidas do BoJ e as possíveis consequências para o par dólar/iene, que causam um dilema para os investidores.
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COLABORAÇÃO de Bárbara de Almeida Conde, presidente do ITIC - ISCTE Trading & Investment Club.
No mercado de forex, o mês de abril tem sido marcado com viagens no tempo até 1990. O dólar/iene reconquistou os máximos de 34 anos, e o Banco do Japão (BoJ) fixou a política monetária de março.
A dívida do Japão
Em 1990, a depressão do mercado financeiro e imobiliário sentiu-se no par dólar/iene, atingindo níveis máximos de 159,90. A 24 de abril de 2024, o par alcançou o nível 155, com previsões de continuar a escalar até a algum tipo de intervenção. É interessante contrastar a semelhança deste após 34 anos com a disparidade dos níveis de dívida em percentagem do PIB que outrora rondavam os 67% e que, no final de 2023 atingiram 255%, o percentual mais elevado entre os países desenvolvidos.
Com o recente anúncio de saída de taxas de juro negativas de −0,1% para 0,1% e a eliminação do controlo da curva de yields (YCC), a liquidez da sua dívida dificulta-se. Enquanto as instituições financeiras beneficiam de um aumento das margens de juros líquidas, a capacidade de famílias e negócios de gerir maiores custos de dívida fica comprometida. A intensificar a esta dificuldade está iminente o super-envelhecimento da população japonesa em 2025, onde 6,5 milhões de indivíduos da geração baby boom terão no mínimo 75 anos, projetando-se que, em 2050, o volume de reformados seja o mesmo que os indivíduos em idade ativa.
O Dilema Nipónico: defender as obrigações ou o iene?
No fecho de 2023, o BoJ possuía 53,8% dos títulos do Tesouro japonês (JGB), e com o término do YCC, paira agora a dúvida sobre os mercados de como estes factos se podem relacionar sustentavelmente. A 26 de abril de 2024, o governador Kazuo Ueda firmou a posição de defesa dos JGB, contrariando expetativas de mercado para que uma ligeira redução das compras de obrigações viesse a conter a desvalorização da moeda. Ueda afirmou inclusive que se reduzissem a compra dos JGB, não queriam “utilizá-la ativamente como um meio de política monetária”. Neste sentido, sendo que o ritmo de aquisição se vai manter e as yields têm até agora sido suprimidas pelo YCC, qual seria a taxa determinada pelo mercado caso o BoJ cessasse o quantitative easing? Se o mercado livre determinar a yield dos JGB e prevalecer o critério oferta-procura, poderia levar a um deterioramento material nos portfolios dos credores, já que o seu valor tem sido distorcido pelo BoJ. Uma perda de confiança de mercado nos títulos japoneses seria esperada e aliada à diminuição da procura e o subsequente aumento dos rendimentos dos JGB para suportar estes impactos.
Já no âmbito da venda de obrigações, o que aconteceria se o Japão passasse a vender não (só) as suas, mas (também) as americanas? Por agora, não há sinais de que tal passe a ser uma realidade, mas é um risco a considerar, já que o Japão é o país estrangeiro com a maior posse de dívida americana, ultrapassando em 50% a posse chinesa. Com o agravamento da depreciação do iene face ao dólar, poderia desenrolar-se o cenário de defesa do iene, queimando as reservas controladamente ao vender títulos do Tesouro americano em troca dos próprios. Ao aliado norte-americano, tal poderia instalar um ambiente hostil ao depreciar o dólar e desvalorizar as obrigações americanas, impactando o consumo e o investimento dos EUA.
Maiores detentores de dívida americana
Atualmente, ao deixar depreciar o iene, o Japão realça a competitividade das suas exportações e agrava a importação de inflação baseada em commodities enquanto país importador líquido de petróleo. Segundo os dados mais recentes do BoJ, a inflação esperada excluindo custos de combustível será de 1,9% ainda em 2024 e 2025, antes de acelerar para 2,1% em 2026. O Japão ultrapassou a sua meta de 2% ainda em janeiro deste ano e atingiu uma taxa de inflação de 2,6% no mês passado. Resta saber se será acompanhada no futuro por um aumento dos salários reais ou por um detrimento do poder de compra. Após um período de deflação de cerca de 30 anos, uma nova subida das taxas de juro estará nos planos de Ueda caso se verifique que os ganhos salariais estão a estimular as empresas a aumentar os preços. Este caveat para os investidores em JGB assenta no risco de perdas, semelhante ao cenário que se desenrolou nos EUA em 2023 após um aumento abrupto das taxas de juro.
Olhos postos na Fed
Dada a fixação da sua política monetária na última reunião do BoJ, mesmo que o Japão intervenha, poderá assistir a um controlo não sustentado do par, ao estar a remar contra a maré americana. Ainda que a redução das taxas de juro da parte da Reserva Federal americana (Fed) pareça progressivamente mais distante, Jerome Powell assegura-a ainda em 2024 e é importante analisar o impacto no dólar/iene.
Sem mudanças na política monetária americana, prevê-se um aumento até 160 no par e uma diminuição até 142, caso contrário, segundo Thanos Vamvakidis do Bank of America. Neste sentido, as intervenções japonesa e americana não serão coordenadas. Ao estreitar a disparidade das taxas de juro, o iene pode valorizar, obter importações mais acessíveis e diminuir a pressão sobre os preços, com um impacto no dólar menos hostil que o selloff das obrigações americanas por parte do Japão.
Por agora, com yields americanas e inflação crescentes juntamente com cortes de taxas de juro adiados, o índice do dólar americano DXY está cada vez mais resiliente, atualmente a cerca de 106, prevendo-se uma reaproximação do máximo de 107.10 de novembro de 2023. Com a fortificação do dólar, como irá reagir a Fed?