À sombra de um chaparro…

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Jorge Silveira Botelho. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Jorge Silveira Botelho, CIO de BBVA AM Portugal.

O Sr. Joaquim procurava fazer contas à vida, estava mais velho e andava preocupado em deixar algum legado ao seu querido neto Jeremias. Estava indeciso com o que fazer de um pequeno quintal de 20 metros quadrados, no qual residia um velho chaparro carregado de cortiça e bolotas que se insinuava, enquanto no outro extremo, um jovem eucalipto bailava ao vento.

Naquela época, tinham-lhe dito que, apesar de ambas as árvores terem características muito distintas, o valor de mercado de ambas era o mesmo, ou seja, à volta dos 100 euros cada. No entanto, uma coisa ele tinha bem presente, vender o quintal estava fora de questão, afinal o dinheiro hoje não vale nada e a prazo ainda vale menos com a erosão monetária.

Empertigado com o valor de mercado semelhante que ambas as árvores tinham naquela altura, o Sr. Joaquim decide ele próprio fazer uma avaliação diferente, procurando quantificar todas as variáveis que de alguma maneira se entrelaçavam com cada uma das árvores.

Começou por olhar primeiro para o Velho chaparro que já tinha 50 anos e exclamou:

- De velho este não tem nada, está com um ar tão vigoroso, que bem pode viver pelo menos ainda uns cento e cinquenta anos…

- Olhem só a quantidade de cortiça e bolotas que este chaparro tem, está cheio!

Depois começou a deixar discorrer o seu pensamento.

- O safado do chaparro ainda tem muito para dar. A malta ainda pensa que cortiça só serve para engarrafar a pinga, mas estão totalmente enganados. O Raúl do café já me disse que que a cortiça é cada vez mais utilizada como material para construção e para muitos outros fins. No outro dia, tiveram lá na esplanada umas tiazinhas da capital a beber café, em que uma delas que parecia uma coruja, tinha na cabeça um chapéu de cortiça enquanto a outra que falava tão alto e parecia uma garça, estava com uma carteira de cortiça.

Depois de comentar a cortiça olhou para o chão e disse:

- Ena pá, que quantidade de bolotas no chão este ano! E depois lembrou-se como a copa da árvore era muito grande e que muitas das bolotas caiam no quintal do Mané da Dona Chica. Curioso, ele que andou desempregado tanto tempo, mas agora tinha um pequeno curral de porcos pretos no seu quintal e vendia o melhor presunto pata negra da região. Não era certamente por acaso, que o Mané da Dona Chica volta e meia lhe perguntava se ele queria vender o seu quintal. Mas a propósito das bolotas que caiam no chão do seu próprio quintal, o Sr. Joaquim lembrou-se também daquilo que a Elvira, a espevitada namorada do seu neto, lhe tinha dito:

- Oh Sr. Joaquim devia fazer qualquer coisa com as bolotas. Vossemecê não sabe que a bolota é um alimento extremamente nutritivo, tem muitas fibras e proteínas e faz um pão sem glúten que é uma maravilha.

- Pois, não sabia mas se calhar devia… murmurou ele, pensando que esta tinha a mania das dietas e estava sempre a falar de diferentes alimentos e frutos, muitos dos quais nunca tinha ouvido falar.

O sol estava muito quente, mas o chaparro projetava uma enorme sombra que fomentava uma bela biodiversidade no quintal do Sr. Joaquim, fazendo de abrigo a pássaros, a pequenos insetos e a algumas lagartixas que por ali se refugiavam. E a propósito do calor, lembrou-se como o chaparro pelas suas características intrínsecas era uma árvore que o protegia contra o risco de incêndio.

Depois, começou a analisar o jovem eucalipto que se balouça perto dos telhados da casa e pensava se devia deixá-lo crescer mais uns anos ou se o cortava. A suar da testa com o calor, a primeira coisa que lhe veio à cabeça é que o eucalipto é uma árvore extremamente inflamável. Existia qui um risco adicional que devia ser ponderado. Mas para além disso, e de uma forma mais estrutural, uma das coisas que também o preocupava, era o facto que se falava cada vez mais do menor uso do papel no futuro:

- É verdade que ainda existe muita burocracia, mas na realidade agora ela é toda digital e às vezes andamos perdidos, nem sei por onde...

Por outro lado, ouvia a Dona Justina da tabacaria a queixar-se constantemente que na terra já ninguém comprava jornais nem revistas, e os livros agora eram lidos num dispositivo qualquer que fazia lembrar um nome de chocolate, o kindle. Por outro lado, os tipos da câmara que recolhem o lixo vieram-lhe dizer que agora reciclavam o papel de uma forma muito mais eficiente, aproveitando tudo.

Depois de tanto olhar para o tamanho do eucalipto, teve de repente de desviar os olhos do sol e olhou para baixo. Foi então que reparou como o solo estava ressequido e havia uma forte erosão do chão à volta do eucalipto, que já se estendia para perto do chaparro, ameaçando perigosamente o seu desenvolvimento…

- “Oh Diacho!”, exclamou ele.

O Sr. Joaquim foi para casa e depois de ter feito uma profunda reflexão, não conseguia perceber como é que o mercado valorava as duas árvores da mesma maneira, ou seja, 100 euros cada uma. Pelas suas análises, pondo em valor, as externalidades (positivas e negativas), o valor intangível de cada uma das árvores, os riscos e o valor temporal dos ativos, não tinha dúvidas que o Chaparro valia pelo menos uns 300 euros e que o eucalipto apenas valia uns míseros 30 euros.

O Sr. Joaquim, não era um financeiro, mas intimamente sabia que era só uma questão de tempo, para que todos os seus vizinhos começassem também a valorar estas árvores da mesma forma que o tinha feito. Posto isto, não hesitou em mandar de imediato cortar o eucalipto e vendê-lo por 100 euros enquanto ainda lhe pagavam. Com parte do dinheiro da venda, plantou mais dois sobreiros, mesmo sabendo que iriam precisar de pelo menos um par de décadas para lhe darem alguma cortiça. Com a outra a parte, comprou um porco preto e pediu ao seu vizinho para o criar, prometendo-lhe que não iria colocar nenhuma rede no seu chaparro para impedir que a bolota caísse no quintal dele… Depois, com a restante parte da bolota que caía no seu quintal, convenceu o João da padaria a fazer um pão especial e fez um acordo com a Elvira para esta o vender nos dias de feira. Ao que parece, a Elvira não tinha mãos a medir, o pão tinha imensa saída junta das moças da terra e dos arredores…

No final, o Sr. Joaquim não podia estar mais radiante. Estava absolutamente convicto que iria deixar um legado sustentável e cheio de valor ao seu neto Jeremias.

Moral da história:

Quando queremos discutir a sustentabilidade, temos que perceber que a grande rotura que existe com o passado, reside essencialmente na forma como valoramos os ativos. Hoje as dinâmicas da sustentabilidade expressam um interesse coletivo que procura encontrar o compromisso de colocar em preço, não apenas o capital financeiro, mas também o capital natural e o capital humano. Compreender esta abrangência holística que está implícita na valorização de um ativo, é entender como a sustentabilidade está a ditar as necessidades dos consumidores, como está a provocar a alteração dos modelos de negócio das empresas, como está a forçar o sistema financeiro a premiar os modelos sustentáveis, como está a redesenhar por completo o enfoque das políticas públicas, e não menos importante, como está a moldar e a alongar a estrutura temporal da poupança. Mais do que uma megatendência secular, a sustentabilidade é um compromisso intemporal com a humanidade!